O ministro da Saúde da Alemanha propôs a proibição do uso de verbas públicas para bancar a homeopatia e outros serviços de saúde “sem benefício comprovado”, informa o jornal britânico The Times. De acordo com o diário londrino, citando documentos internos do governo germânico vazados pelo jornal alemão Der Spiegel, o atual ministro da Saúde, Karl Lauterbach, que é um ex-professor de Epidemiologia crítico da medicina alternativa, defende que “serviços sem benefício clinicamente demonstrável não devem ser financiados” com dinheiro público.
“Por esse motivo, aboliremos a possibilidade de os fundos públicos de seguro de saúde fornecerem serviços homeopáticos e antroposóficos, e assim vamos impedi-los de fazer gastos desnecessários”, segue o texto revelado por Der Spiegel e reproduzido pelo Times. Depois da publicação do Spiegel, Lauterbach tuitou que "A homeopatia não faz sentido como benefício de seguro saúde. Também não podemos combater a mudança climática com radiestesia. A base da nossa política deve ser a evidência científica."
O diário britânico informa ainda que cerca de 40 das 95 seguradoras públicas que pagam pela maioria dos tratamentos médicos na Alemanha cobrem pelo menos parte dos custos da homeopatia, com gastos estimados em até €10 milhões por ano, ou cerca de R$ 53 milhões. A homeopatia, uma abordagem terapêutica sem base científica e desprovida eficácia, foi criada na Alemanha, no fim do século 18, pelo médico Samuel Hahnemann.
A doutrina de Hahnemann apoia-se fundamentalmente em dois princípios, o da similaridade – substâncias que causam sintomas semelhantes aos de uma doença devem ser capazes de combater essa doença – e o das diluições infinitesimais – quanto mais diluída uma substância, maior seu potencial terapêutico.
Nenhum desses princípios tem base na realidade: a “lei dos similares” está bem longe de ser uma verdade universal, e a ideia de que diluições tornam um preparado mais potente desafia realidades básicas da física e da química. A maioria dos remédios homeopáticos é, de fato, tão diluída que no medicamento encontra-se apenas solvente ou excipiente, sem uma única gota ou molécula do suposto “ingrediente ativo”.
Dado o contexto sociocultural alemão, a proposta de Lauterbach é ousada. No ano passado, uma pesquisa do Instituto Allensbach, citada pelo Times, observou que 60% dos alemães experimentaram remédios homeopáticos pelo menos uma vez. Vinte e três por cento afirmaram acreditar que, em geral, esses medicamentos são eficazes, e 51% disseram considerá-los parcialmente eficazes.
O mercado privado de remédios homeopáticos na Alemanha movimenta cerca de €700 milhões por ano, ou pouco menos de R$ 4 bilhões, ainda de acordo com o diário britânico. A homeopatia também tem ferrenhos defensores da política alemã, incluindo membros importantes do SPD, mesmo partido do ministro Lauterbach.
Outros países europeus já aboliram o gasto estatal com homeopatia: a Inglaterra encerrou de vez o financiamento da prática por seu serviço público, o NHS, em 2018, em resposta a uma campanha deflagrada pela ONG Good Thinking Society. A França, por sua vez, aboliu o financiamento público da prática no início desta década.
No Brasil, a homeopatia é considerada uma especialidade médica, reconhecida pelo Conselho Federal de Medicina (CFM) e faz parte do rol de Práticas Integrativas e Complementares (PICs) bancadas pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Ano passado, foi levantada a hipótese de revisão do status da prática dentro do CFM, mas a possibilidade, uma vez aventada, aparentemente não foi levada adiante. O fim do gasto público com homeopatia no Brasil é a bandeira da Campanha 10^23, lançada pelo Instituto Questão de Ciência.
Carlos Orsi é jornalista, editor-chefe da Revista Questão de Ciência, autor de "O Livro dos Milagres" (Editora da Unesp), "O Livro da Astrologia" (KDP), "Negacionismo" (Editora de Cultura) e coautor de "Pura Picaretagem" (Leya), "Ciência no Cotidiano" (Editora Contexto), obra ganhadora do Prêmio Jabuti, "Contra a Realidade" (Papirus 7 Mares) e "Que Bobagem!" (Editora Contexto)