A homeopatia se baseia em dois axiomas. Um deles é que semelhante cura semelhante: ou seja, substâncias que causam sintomas semelhantes a uma enfermidade podem ser utilizados para curar a própria enfermidade. Cafeína poderia ser utilizada para curar insônia.
O segundo axioma foi criado em complementação ao primeiro. Não é qualquer quantidade de cafeína que poderia curar a insônia, mas somente doses extremamente diluídas, tão diluídas até o ponto de não haver absolutamente nenhuma molécula ativa do soluto na solução final. Este segundo axioma apoia-se em uma suposta propriedade esotérica da água – de que ela guardaria uma memória residual do princípio ativo que foi chacoalhado com ela.
Os notórios absurdos contidos nos parágrafos anteriores não encontram nenhum respaldo na comunidade científica. Endossá-los é abdicar de todo o conhecimento de física e química que possuímos até agora. Supostos documentos com as evidências científicas da homeopatia, que citam trabalhos de revistas predatórias (onde você mesmo imprime certificados de publicação) ou artigos com conclusões erradas, têm o mesmo valor que blogs de terraplanistas ou vídeos de conspiracionistas com chapéu de papel alumínio.
Este artigo não pretende, porém, entrar em algumas questões técnicas que já foram abordadas inúmeras vezes nesta revista, e também por este autor. A ideia aqui é apenas mostrar os exageros de alguns medicamentos homeopáticos existentes no mercado. Esta lista está longe de ser exaustiva. Também não se trata de um ranking de bizarrices.
Imagine que você esteja passeando com o seu cachorro e ele resolva fazer cocô. Você o espera pacientemente, recolhe as fezes, mas em vez de jogar o saquinho no lixo, você o leva para uma farmácia de manipulação. Chegando lá, explica para a pessoa no balcão que quer fazer o remédio homeopático Excrementum caninum, porque você está sofrendo de diversas alergias, a sua esposa está com dor no quadril por causa da artrose e a sua filha está com um complexo de inferioridade. Esses são apenas umas poucas aplicações desse remédio preparado com as fezes de cachorros (não é qualquer cachorro, mas um cachorro mestiço alimentado com rúmen de vaca).
O muro de Berlim foi construído em 1961, separando a cidade de Berlim em setores ocidental e oriental. A queda política do muro de Berlim se deu no final de 1989 com a reunificação da Alemanha. Partes do muro foram guardadas como suvenires, uma parte foi preservada, servindo como mural para artistas, e outros pedaços podem ser encontrados numa farmácia homeopática, servindo como base para um medicamento que diz curar traumas do passado que ficaram bloqueados na memória. E, claro, como todo remédio homeopático esse medicamento também cura alergia. A Ainsworths fornece produtos à realeza britânica.
Existe também uma classe de medicamentos homeopáticos feita com coisas chamadas de "imponderáveis". São medicamentos preparados com a potencialização da lactose ou água através da exposição dessas substâncias a "luz solar, luz lunar, magnetismo, eletricidade, raios-X, radiação de celular, relâmpago, etc." De acordo com a homeopatia, o açúcar ou a água capturariam as energias desses imponderáveis que têm "a capacidade de nos fazer sentir invencíveis e poderosos". Os medicamentos preparados com os imponderáveis atuam também em diversas enfermidades que se curam sozinhas.
Em época de exaltação das armas de fogo, talvez você possa se motivar a fazer um remédio homeopático com pólvora. A ideia por trás desse medicamento é que uma bala de revólver, que utiliza pólvora, pode matar uma pessoa dependendo da localização do tiro. O tiro também pode causar um ferimento que pode infeccionar, a infecção pode se espalhar pelo corpo e matar a pessoa. Ah, similar cura similar...ou seja, de acordo com o fabricante, este medicamento localiza a infecção e impede que ela se espalhe. É um “antibiótico”.
É possível encher páginas e mais páginas com essas bizarrices homeopáticas. Existem remédios feitos com preservativos, ondas sonoras homeopáticas para curar ebola ou remédios feitos com água diluída em água (!!).
Os exemplos acima deveriam ser uma prova irrefutável por redução ao absurdo (reductio ad absurdum) da homeopatia. Torna-se, portanto, incompreensível que algumas associações profissionais continuem a endossar uma prática que, se não se configura absurda pelos exemplos acima, deveria sê-lo por negar tudo o que sabemos de química e física.
Marcelo Yamashita é doutor em Física, professor do Instituto de Física Teórica (IFT) da Unesp e membro do Conselho Editorial da Revista Questão de Ciência