Estudo publicado recentemente no periódico International Journal of Communication encontrou uma associação significativa entre o hábito de assistir a pseudodocumentários (como o infame programa do Discovery Channel sobre sereias, ou o tipo de programa que chamei, em outro artigo, de “desinformentário”) e a crença em criaturas inexistentes como Pé-Grande, o Monstro do Lago Ness e (é claro) sereias.
O resultado pode parecer óbvio, mas há sutilezas aí. Por exemplo, a associação é específica para documentários: o consumo de mídia ficcional (filmes, seriados) a respeito dessas criaturas não mostrou conexão com o nível de crença dos espectadores, e a relação entre documentários e crença é mais forte quando o programa é tido pelo espectador como fonte de aprendizado mais do que quando é visto como entretenimento.
São sutilezas importantes. Uma das questões mais candentes do debate sobre comunicação social é o papel da mídia na formação da opinião pública. Quando há interesses políticos envolvidos, a conversa atinge níveis caricaturais – basicamente, se a opinião pública discorda do meu partido, é porque foi “manipulada pela mídia golpista”; se concorda, é porque “enxergou além das mentiras da mídia”. Esses clichês põem a população ora no papel de bando de zumbis teleguiados, ora no de fonte profunda de sabedoria primeva, dependendo apenas dos ventos e humores da hora.
Intenção e diversão
A verdade, claro, é muito mais complexa. Os meios de comunicação certamente são capazes de afetar a opinião pública: se não fossem, toda o trabalho da indústria da publicidade seria perda de tempo. Mas o conteúdo desses meios também responde aos desejos do público: lisonjear as crenças e preconceitos da audiência é uma forma segura de mantê-la cativa. Os modos como essa influência mútua ocorre são vários, e na maior parte das vezes é bem complicado identificar, momento a momento, qual a direção predominante do ciclo: se agora são os meios se impondo ao público, ou vice-versa.
Quanto a isso, o estudo sobre monstros não permite identificar relações de causa e efeito – se os documentários levam as pessoas as acreditar em monstros ou se quem já acredita em monstros é mais atraído para esse tipo de documentário –, mas oferece peças de informação importantes tanto a respeito do impacto de diferentes linguagens (peças óbvias de ficção não se correlacionam a crença) e das intenções do espectador (quem assiste “para aprender” tem crenças mais fortes do que quem assiste “para se divertir”).
Carlos Orsi é jornalista, editor-chefe da Revista Questão de Ciência, autor de "O Livro dos Milagres" (Editora da Unesp), "O Livro da Astrologia" (KDP), "Negacionismo" (Editora de Cultura) e coautor de "Pura Picaretagem" (Leya), "Ciência no Cotidiano" (Editora Contexto), obra ganhadora do Prêmio Jabuti, "Contra a Realidade" (Papirus 7 Mares) e "Que Bobagem!" (Editora Contexto)