Promessa vazia agora também para a cura do câncer

Questão de Fato
27 abr 2023
Autor
xilogravura

 

Prometer curar todo tipo de doenças e males usando uma mesma substância ou procedimento, sejam óleo de cobra, toques de mãos ou pílulas de açúcar embebidas em soluções "potencializadas" pela diluição infinita, é uma característica comum do charlatanismo e da chamada "medicina alternativa", diferenciados pelo engodo de má-fé no primeiro caso, e em crenças ilusórias no segundo. E é para uma destas direções que parece caminhar o médico brasileiro radicado nos EUA Marcio Aurelio Martins (Marc) Abreu. Depois de apregoar (sem base em boas evidências científicas) ser capaz de tratar uma série de doenças neurodegenerativas para as quais não existem curas comprovadas pela ciência, como Alzheimer, Parkinson e esclerose múltipla, Abreu agora alega que seu procedimento, envolvendo uma suposta “terapia de indução de proteínas de choque térmico”, também pode curar casos de câncer.

Notícia publicada no site do canal de TV por assinatura CNN Brasil na última quarta-feira, 26, informa que um paciente americano diagnosticado com câncer de próstata em estágio terminal e expectativa de vida de apenas quatro meses teria alcançado a remissão completa da doença após ser tratado por Abreu. O caso teria sido relatado pelo médico brasileiro durante reunião anual da Sociedade de Medicina Termal dos EUA, que acontece esta semana em San Diego, Califórnia, neste mesmo dia. De acordo com a CNN Brasil, Abreu teria usado a mesma "tecnologia" do chamado "túnel térmico cerebral" (BTT, na sigla em inglês) que aplica em seus pacientes com doenças neurodegenerativas.

Como a Revista Questão de Ciência já alertou em matéria publicada em fevereiro do ano passado, este "tratamento" oferecido por Abreu carece de comprovação científica, não passando de uma promessa vazia. Buscas em bases de dados de publicações médicas não encontram o médico brasileiro como autor de qualquer artigo sobre o tema, tampouco de sucesso no uso de seu suposto mecanismo de ação, as tais proteínas de choque térmico, no tratamento destas doenças. E embora a hipertermia esteja sendo usada como adjuvante no tratamento de câncer em países como Alemanha e Holanda, não há evidências robustas de sua eficácia associada às tradicionais quimioterapia ou radioterapia, muito menos como terapia isolada com base na ação das proteínas de choque térmico.

Também chama a atenção na apresentação de Abreu na reunião anual da Sociedade de Medicina Termal americana seus supostos colegas na pesquisa. Identificados como os também médicos David G. Silverman e Victor H. Spitz, ambos aparecem como afiliados à Escola de Medicina da Universidade de Yale, uma das mais prestigiadas dos EUA. Mas enquanto o primeiro de fato consta do diretório da instituição como professor emérito de seu Departamento de Anestesiologia, o segundo não é mencionado em nenhuma página ou documento da universidade. Buscas pelos nomes de ambos em bases de dados de publicações médicas também não retornam nenhuma pesquisa ou publicação relacionada a tratamentos de câncer, proteínas de choque térmico ou hipertermia, sendo que Spitz novamente sequer aparece como autor de qualquer estudo. Embora não seja o caso agora, Abreu é muitas vezes apresentado como "pesquisador da Universidade de Yale". O que ele de fato foi no início dos anos 2000, mas atualmente a instituição nega qualquer vinculação com o médico brasileiro, ou ter qualquer informação sobre seu paradeiro e atuação.

 

Cesar Baima é jornalista e editor-assistente da Revista Questão de Ciência

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