Durante décadas – alguns, por mais de um século – os institutos de pesquisa paulistas foram fundamentais para o desenvolvimento científico, social e econômico do estado de São Paulo e, em vários casos, até do país. Nos cerca dos últimos 25 anos, no entanto, os investimentos ficaram aquém do necessário, o que levou à precarização de infraestruturas, à falta de recursos humanos e à defasagem salarial de pesquisadores e demais servidores. Situação que tem piorado nos últimos anos, com a extinção e fusões de alguns, o uso político e eleitoral de outros, como o Butantan, e o risco de privatização.
A ecóloga Helena Dutra Lutgens, pesquisadora científica do Instituto Florestal e segunda vice-presidente da Associação dos Pesquisadores do Estado de São Paulo (APqC), lembra que os 17 institutos de pesquisa de São Paulo integram o Sistema de Ciência e Tecnologia Paulista e são fundamentais na geração de conhecimento e novas tecnologias. “Eles respondem prontamente às demandas diretas da sociedade”, diz. “Esses institutos, que abrangem, basicamente, as áreas da saúde, agricultura e meio ambiente, têm histórias atreladas ao desenvolvimento do estado de São Paulo. Desenvolvem pesquisa básica e aplicadas em diferentes linhas, apresentando soluções e apontando caminhos para o desenvolvimento social e econômico”.
Entre os exemplos disso, a bióloga Patrícia Bianca Clissa, pesquisadora científica do Instituto Butantan e presidente da APqC, cita o caso dos estudos e melhoria da cultura do café realizados pelo Instituto Agronômico de Campinas (IAC), criado por D. Pedro II em 1887, como a Imperial Estação Agronômica de Campinas. “No início do século 19, o café era a principal fonte de recursos do estado”, explica. “A visão a longo prazo do imperador D. Pedro II levou à criação daquele instituto”.
A capacidade técnica dos institutos permitiu que o estado de São Paulo reagisse rapidamente à pandemia. Clissa destaca ações como a realização de ensaios clínicos, preparação e validação da CoronaVac, em plataforma tecnológica que já estava disponível no Butantan, possibilitando que esta fosse a primeira vacina a chegar aos brasileiros.
Além disso, diz ela, foi criada uma ampla rede de diagnóstico para a COVID-19, que abrange toda a área de saúde publica de São Paulo, coordenada por pesquisadores. “Também foi organizado um sistema de alertas das variantes da COVID-19, permitindo identificar e isolar em tempo real as novas que surgissem”, complementa a pesquisadora.
Esse momento de glória, no entanto, não bastou para reverter um longo declínio trazido por cortes de verbas e infraestrutura, incluindo defasagem na contratação de pesquisadores e funcionários. “Enfraquecidos, sem apoio, com os salários arrochados, assim estão esses institutos atualmente”, diz.
A bióloga Addolorata Colariccio, pesquisadora científica do Instituto Biológico, tem avaliação semelhante. “Os institutos vivem uma das situações mais críticas de sua história, com a crescente precarização das condições de trabalho”, relata. “Isso ocorre após anos de descaso, entregues à própria sorte, com a drástica redução dos recursos humanos, que atinge 60% do quadro de pesquisadores científicos, e 80% do de apoio à pesquisa. Os últimos concursos ocorreram em 2003 e 2011. Além disso, há a falta de recomposição salarial, que se arrasta desde 2011, com uma pequena reposição de 10% em 2022”.
A falta de concursos leva ao crescimento do número de cargos vagos. De acordo com dados do Diário Oficial do Estado, em dezembro de 2020 havia nas secretarias da Agricultura e Abastecimento (SAA), de Infraestrutura e Meio Ambiente (SIMA) e da Saúde, respectivamente, 699, 139 e 437 vagas não preenchidas, apenas para a carreira de pesquisador científico.
A primeira abriga a Agência Paulista de Tecnologia dos Agronegócios (APTA), a APTA Regional e os institutos Agronômico, Biológico, de Economia Agrícola, de Pesca, de Tecnologia de Alimentos e de Zootecnia; a segunda, os institutos Biológico, Geológico e Florestal, agora fundidos no Instituto de Pesquisas Ambientais (IPA), e a terceira, os institutos Adolfo Lutz, Butantan, Dante Pazzanese de Cardiologia, Lauro de Souza Lima, Pasteur, de Saúde, a Superintendência do Controle de Endemias, agora extinta, e os Laboratórios de Investigação Médica do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HC-FMUSP).
Clissa aponta que, com o quadro de pesquisadores esvaziado, linhas de pesquisa importantes são abandonadas, enquanto equipamentos e prédios – alguns em áreas cobiçadas pelo mercado imobiliário – caem em desuso.
Butantan
Mas há exceções. Existem também os institutos que contam com fundação de apoio, como é o caso do Butantan. A Fundação Butantan, que arrecada recursos com a venda de vacinas para o Ministério da Saúde e reinveste em pesquisas. Em seus quadros, ela tem mais de 2.100 funcionários, contratados pela CLT, ante cerca de 500 do Instituto, que são servidores públicos, sujeitos à política salarial do estado.
Segundo Colariccio, por causa da pandemia, a Fundação Butantan aumentou o número de funcionários contratados pela CLT e também ampliou a fábrica para a produção das vacinas. “A criação das fundações junto aos institutos de pesquisa não é novidade, mas o problema é que as fundações podem substituí-los”, alerta. “Como aconteceu com o Instituto Florestal, que foi extinto, enquanto a fundação ficou com as áreas de preservação, cujo trabalho era realizado pelos servidos públicos. Essas áreas que despertam o interesse imobiliário estão sendo colocadas para concessão à iniciativa privada”.
Para Lutgens, é importante não esquecer a transferência do patrimônio ambiental do Instituto Florestal e do Instituto de Botânica para a Fundação Florestal, medida que, segundo ela, coloca em risco o futuro da qualidade ambiental do estado de São Paulo. “Isso porque desvincula o manejo e a conservação das áreas protegidas da pesquisa científica, além de ter um olhar financista sobre esse patrimônio, o que fica claro nos acelerados processos de concessão dessas áreas”, explica.
Clissa dá mais detalhes sobre os três institutos da área ambiental. O extinto Florestal teve seu patrimônio assimilado pela Fundação Florestal e as atividades científicas incorporadas pelo IPA, que absorveu também as atribuições de pesquisa científica dos institutos Geológico e de Botânica. Ela afirma, porém, que o IPA ainda não se estruturou de forma a dar boa continuidade às ações que vinham sendo desenvolvidas pelos seus pesquisadores.
Há outros problemas. “Atualmente o IPA não administra mais as Unidades de Conservação (UC), de Produção (UP), as frotas de veículos, e os prédios”, explica ela. “Tirando as UC e UP (que são da Fundação Florestal), as outras demandas agora são responsabilidade da SIMA. Segundo sua direção, o IPA tem somente a responsabilidade de fazer pesquisas científicas”.
Na prática, diz Patrícia, a situação está mais complicada. “Se um pesquisador, que realiza seu trabalho com alguma espécie dentro de um parque estadual, quiser utilizar a frota do Instituto, precisa fazer a solicitação para a SIMA”, diz. “Ou seja, ficou muito mais burocrático. O mesmo acontece para a manutenção da infraestrutura dos prédios. Para trocar uma lâmpada, o pedido deve ir até a SIMA”.
Na área da saúde, Clissa lembra que, no final de abril, foi finalizado o processo de extinção da Superintendência de Controle de Endemias (Sucen), responsável pelo controle e por pesquisas nas áreas de dengue, malária, febre amarela, chikungunya, entre outras endemias e atividades preventivas, sem que fique claro quem assumirá essas tarefas daqui para frente.
O risco percebido de privatização e o uso político-eleitoral de alguns institutos é outra reclamação dos pesquisadores. “No início de 2019, em sua viagem a Davos, o governador João Doria chegou a expor o Instituto Butantan, em busca de parcerias para torná-lo o maior produtor mundial de vacinas”, lembra a presidente da APqC.
Para Patrícia, a pandemia demonstrou que instituições de pesquisa sólidas, formadas pelo conhecimento acumulado de seu corpo técnico, têm capacidade de responder de forma rápida às emergências. “Mas isso não fez diferença para o governador João Doria, e nem teria feito para seus antecessores”, critica. “O discurso de valorização da ciência que ouvimos durante estes últimos dois anos é superficial e de ocasião”.
Governo
Sergio Tutui, coordenador da APTA, instituição ligada à SAA e que coordena seus seis institutos, além de 18 Polos Regionais de Pesquisa que formam a APTA Regional, reconhece o crescimento do número de cargos vagos – pelo menos em sua área –, mas ressalva que alguns vem sendo preenchidos. “Nosso principal problema é a evasão de pesquisadores e pessoal de apoio, principalmente por conta de aposentadorias”, admite. “Atualmente, a APTA e suas unidades de pesquisa contam com 1.273 servidores, sendo 482 pesquisadores científicos e 791 das demais carreiras”.
Em 2017, a SAA realizou um concurso público e houve novas contratações. “Foram chamados 18 servidores de apoio para a APTA e suas unidades de pesquisas”, conta Tutui. “Em março deste ano, mais 213 profissionais desse concurso foram chamados pela secretaria, sendo 25 para as unidades da APTA, o que tem sido muito positivo para reforçar nossos profissionais administrativos, de comunicação e de apoio à pesquisa. Temos tido também uma boa conversa com o governo do estado para abertura de um concurso para pesquisador científico. Esperamos que em breve isso se concretize”.
Por meio de nota, a Secretaria da Saúde explicou que “já está tecnicamente vinculada à Coordenadoria de Controle de Doenças (CCD), dentro da modernização da Vigilância do estado, o que resulta em maior integração nas ações e amplia as iniciativas técnicas e estratégicas de vigilância e controle de endemia”.
A nota continua: “Nenhum serviço foi interrompido e todos os profissionais da Superintendência [de Controle de Endemias] foram incorporados à Coordenadoria sem qualquer prejuízo. É importante lembrar que o controle de endemias também é uma atribuição dos municípios, desde a criação do SUS, em 1988. O papel do estado é coordenar as ações e programas de controle de endemias, apoiando os municípios, o que já é desempenhado pela CCD, que reúne as vigilâncias sanitária e epidemiológica”.
Também por meio de nota, a Secretaria Especial de Comunicação do Governo do Estado diz que foram ampliados “investimentos nos seis institutos e 18 polos de pesquisa ligados à APTA”. “Em 2021”, continua o texto, “foram investidos R$ 52 milhões, o triplo do maior investimento estadual nessas unidades realizados até então, em 2009. Neste ano, houve novo aporte estadual de R$ 50 milhões. As unidades de pesquisa também compõem seus orçamentos com repasses de agências de fomento e da iniciativa privada. De 2018 a 2021, a APTA captou cerca de R$ 290 milhões da iniciativa privada e R$ 105,3 milhões de fundações públicas, com a Fapesp oferecendo pouco mais de R$ 69 milhões”.
“A criação do IPA”, diz a nota, “modernizou a gestão administrativa e criou meios para aumentar a produção de pesquisas ambientais. O novo órgão reúne mais de 140 pesquisadores científicos especialistas nas ciências florestais, ecologia, botânica e geociências, além de outros 600 servidores públicos em prol de ações e estudos aplicados para fomentar políticas públicas ambientais”.
Por fim, o texto diz que não é correto afirmar “que o então governador João Doria propôs a privatização do Instituto Butantan em 2019. A meta da gestão estadual sempre foi buscar parcerias com biofarmacêuticas privadas internacionais e incrementar a produção de vacinas no Butantan. A estratégia se mostrou um sucesso e garantiu o acordo entre Butantan e Sinovac, em julho de 2020, e o início da vacinação contra a COVID-19 no Brasil, em janeiro de 2021”.
Evanildo da Silveira é jornalista