Versões de um adesivo para o corpo humano, que faz vagas promessas a respeito de saúde e desempenho físico, podem ser adquiridas por valores que variam de US$ 299 (cerca de R$ 1.400), modelo simples, a US$ 3.799 para a categoria platinum. De acordo com o site do fabricante, o Taopatch consiste de um pequeno disco adesivo que usa “material de nanotecnologia”, contendo “nanopartículas chamadas ‘pontos quânticos’”, que “captam a radiação infravermelha do corpo” e “fornecem fótons de luz, que são muito semelhantes aos biofótons que nossas células usam para se comunicar umas com as outras [...] Assim, os pontos quânticos permitem que nossas células acelerem a comunicação, direcionando a energia metabólica para vias importantes”.
O anúncio da empresa é um apanhado de palavras aleatórias para dar um verniz científico e seduzir o consumidor incauto com promessas infundadas de melhoria da performance atlética e alívio dos sintomas decorrentes de esclerose múltipla e Parkinson. Além do disfarce de ciência, o site tem apelo emocional, ao mostrar vídeos dos supostos efeitos do adesivo em pessoas com dificuldade de locomoção, e depoimentos de usuários felizes com o produto. O adesivo ganhou visibilidade pública principalmente porque, no último torneio de Wimbledon, o tenista Novak Djokovic exibiu um colado no peito.
O site do Taopatch apresenta uma aba “ciência”, onde podem ser encontrados artigos que tentam passar alguma seriedade ao produto. Os estudos, porém, apresentam poucos dados, não são duplo-cego (quando os pesquisadores e voluntários não sabem se estão recebendo o Taopatch ou um outro adesivo) e um dos trabalhos nem sequer tem grupo controle. Com pesquisas assim mal planejadas, é provável que qualquer benefício observado venha do efeito placebo e, portanto, os artigos não devem ser considerados – não é possível concluir nada dos experimentos.
Outra questão importante é a real necessidade de um teste de performance para algo que não é minimamente razoável do ponto de vista teórico. Colar o adesivo e testar atletas seria equivalente a ficar do lado de uma chaminé no dia 24 de dezembro e esperar que um velho gordo de roupa vermelha tente descer por ela com um saco de presentes. Ainda que isso aconteça, é mais provável que se trate de um ator ou de alguém mentalmente confuso do que do legítimo Papai Noel – a premissa da existência desse personagem, voando com as suas renas no céu, não é algo que faça qualquer sentido.
Novak Djokovic faz parte do chamado “big three” do tênis profissional masculino. Ao lado de Roger Federer e Rafael Nadal, os três acumulam 65 títulos dos chamados torneios de Grand Slam – que, em um total de quatro por ano (Australian Open, Roland Garros, Wimbledon e US Open), são os maiores torneios de tênis do mundo. Mais de 15 anos de domínio em um esporte extremamente competitivo é um grande feito. Mas se títulos e prêmios acadêmicos não impedem ninguém de falar besteira, sucesso no esporte, fama e desempenho atlético, também não. Nessa direção, Djokovic também é um grande campeão no quesito negacionismo.
Em 2022, Djokovic foi impedido de jogar o Aberto da Austrália porque o governo australiano o deportou após ele ter se recusado a se vacinar contra a covid. Em declaração para a BBC, o atleta afirmou que estava disposto a perder mais torneios se tivesse que se vacinar. Além de mencionar a questão da liberdade individual, Nole (apelido de Novak) disse que estava “tentando estar em sintonia com meu corpo o máximo que posso” e que “sempre fui um grande aluno de bem-estar, saúde e nutrição”. As explicações escondem na verdade um comportamento que extrapola o que foi dito. Djokovic é um adepto de longa data de várias bizarrices.
Há um tempo, Novak Djokovic adotou uma dieta sem glúten. Até aí nenhum problema, exceto pelo modo esotérico como sua suposta “intolerância” foi diagnosticada. De acordo com o Office for Science and Society, da McGill University, Novak se consultou com um médico sérvio chamado Igor Cetovic, que verificou a diferença de força no braço direito de Nole, enquanto o atleta apertava um pão de forma contra o estômago com a mão esquerda. Cetovic percebeu que foi mais fácil empurrar o braço direito para baixo na presença do pão e concluiu, portanto, que Djokovic precisaria eliminar o glúten.
Provavelmente não deve fazer mal para a saúde tomar suco de aipo – mas a questão é por que alguém faria isso. No caso de Djokovic, o motivo é a recomendação de Anthony William, conhecido como “médium médico”. Na Amazon, William aparece como autor de diversos livros e com a seguinte descrição: “Desde os quatro anos de idade, quando surpreendeu sua família ao anunciar que a avó, sem nenhum sintoma aparente, tinha câncer de pulmão (que exames médicos confirmaram), Anthony vem usando esse dom para ‘ler’ as doenças das pessoas e dizer-lhes como recuperar a saúde”. Os guias espirituais de William ainda revelaram que o coentro pode “remover metais pesados do cérebro”.
Por fim, Novak Djokovic também se acredita capaz de modificar a estrutura da água com pensamentos e orações. Já escrevi sobre essa bobagem no texto “Água não tem memória e gelo não se emociona”, para esta revista. Em uma live de 2020, Djokovic diz: “Já vi pessoas que, por meio de uma transformação energética – pelo poder da oração, pelo poder da gratidão – conseguem transformar o alimento mais tóxico ou talvez a água mais poluída em uma água curativa. Porque a água reage. Os cientistas provaram que as moléculas da água reagem às nossas emoções, ao que está sendo dito”.
Na média, esportistas de alta performance tendem a ter alguma superstição ou ritual para antes do início de uma competição. Seja usar a mesma meia que estava no pé no dia de uma vitória importante, ouvir a mesma música que ouviu antes de ganhar uma luta ou usar aquela garrafa de água. Tudo isso pode influenciar a confiança do atleta e, em eventos onde todos os participantes estão no pico da forma física e receberam o melhor treinamento possível, trazer alguma vantagem psicológica pode, de fato, interferir no desempenho, criando a pequena margem que talvez fará a diferença entre primeiro e segundo lugar – mas por puro efeito placebo. Qualquer outro ritual, superstição ou técnica de concentração teria a mesma chance de “funcionar”: não é o ritual ou superstição específica, em si, que tem poder, mas sim seu efeito psicológico.
Conhecer todo o ambiente esotérico e distante da realidade em que se insere um dos maiores tenistas da história é importante por pelo menos um motivo: notar que a atitude antivacina e os outros exemplos relatados acima não devem ser seguidos por ninguém. Novak Djokovic é um grande campeão do negacionismo científico, e aqui, diferente dos torneios de tênis, não há nada a aplaudir.
Marcelo Yamashita é professor do Instituto de Física Teórica (IFT) da Unesp e membro do Conselho Editorial da Revista Questão de Ciência