Recentemente, uma manchete capturou minha atenção. Nela, lê-se o seguinte: "Ancestrais dos humanos coexistiram com dinossauros, diz estudo". A escolha de palavras é curiosa: ao mesmo tempo em que a frase é verdadeira, ela também engana. Como assim?
Primeiro, por que dizer que é verdade que ancestrais humanos conviveram com dinossauros? Porque, como sabemos graças à biologia evolutiva, os seres vivos compartilham ancestrais comuns. Mais que isso, qualquer par de espécies de seres vivos compartilha pelo menos um ancestral em comum. Todas as espécies viventes hoje descendem do LUCA, sigla para Last Universal Common Ancestor, ou Último Ancestral Comum Universal.
Isso implica que cada grupo e cada espécie não surgiu instantaneamente, sem nenhuma conexão com os seres vivos existentes na época. Pelo contrário, novas espécies surgem a partir de ancestrais, num processo de descendência com modificação, que podemos chamar de evolução.
Se é assim, tudo o que está vivo hoje tem uma cadeia de ancestrais que se estende até a origem da vida na Terra. Ou seja, humanos, aves, lagartos, salamandras, bactérias e qualquer outra espécie atual têm ancestrais em qualquer ponto do tempo, desde o primeiro ser vivo! A conclusão óbvia é que, quando os dinossauros não avianos viviam, também existiam ali ancestrais de todas as espécies que existem no presente.
Mais uma vez, isso é óbvio: se uma espécie atual não tivesse, digamos, um ancestral no final do Cretáceo, quando ocorreu o famoso impacto associado à grande extinção em massa que pôs fim à era dos grandes dinossauros, isso implicaria dizer que essa espécie surgiu, como que por mágica, em algum ponto posterior no tempo, sem conexão alguma com os outros seres vivos. E, apesar do desejo dos criacionistas, as coisas não funcionam assim.
A manchete, portanto, é verdadeira, se não especificamos exatamente o que se quer dizer com “ancestrais”. Mas também é enganosa. Isso porque é possível que muitas pessoas, ao lerem "ancestrais dos humanos", imaginem algo semelhante a um humano que teria vivido ao lado dos grandes dinossauros, como nos desenhos animados dos Flintstones. Na verdade, o estudo mencionado na matéria, publicado na Current Biology, discute a origem dos mamíferos placentários e conclui que o grupo, como um todo, tem sua origem ainda no Período Cretáceo da Era Mesozoica.
O estudo também sugere que o grupo dos primatas (que hoje inclui a espécie humana) provavelmente surgiu ainda no Cretáceo, o que é bem diferente de dizer que algo semelhante a um Homo sapiens já existia naquela época. Se quisermos especular sobre a aparência desses ancestrais dos primatas que viviam durante o Cretáceo, talvez eles fossem parecidos com os "plesiadapiformes", que são parentes próximos dos primatas.
Lição: não tire conclusões a partir de manchetes.
João Lucas da Silva é Mestre em Ciências Biológicas pela Universidade Federal do Pampa, e atualmente Doutorando em Ciências Biológicas na mesma universidade