“A Igreja Evangélica deixou a ciência sozinha, caminhar sozinha, e aí cientistas tomaram conta dessa área e nós nos afastamos”, lamuriava-se, em 2013, a advogada e pastora evangélica Damares Alves, que atualmente ocupa um cargo no primeiro escalão do governo federal capitaneado – sem trocadilho – por Jair Bolsonaro.
Naquela época (é possível que suas opiniões tenham mudado deste então), Damares considerava esse “afastamento” entre religião e ciência uma lástima. “A Igreja Evangélica perdeu espaço na história. Nós perdemos um espaço na ciência, quando deixamos a teoria da evolução entrar nas escolas”, disse ela, na mesma oportunidade.
A Damares de 2013 teria feito bem se, além da Bíblia, tivesse estudado também a história do cristianismo. A mais antiga das igrejas cristãs – a Católica – havia decidido, em 1633, ano da condenação de Galileu Galilei, que não era uma boa ideia deixar “a ciência caminhar sozinha”, e tinha condenado a ideia científica de que a Terra girava em torno do Sol.
O que havia sido uma demonstração de força foi, aos poucos, se mostrando motivo de vergonha. Mais de cem anos depois da denúncia de Galileu, em 1758, a Sé Romana passou a autorizar que católicos lessem livros afirmando que o Sol é centro do nosso sistema; mas foi apenas em 1822 que livros afirmando o heliocentrismo puderam passar a ser impressos em Roma. Finalmente, em 1992, o papa João Paulo II admitiu que Galileu, enfim, estava certo.
Hoje em dia, essas datas são apenas pequenos embaraços históricos, servindo de diversão para ateus militantes – e é óbvio que os católicos mais instruídos já vinham ignorando as diretrizes do Vaticano sobre quem gira em torno de quem décadas, ou séculos, antes das autorizações oficiais.
As denominações cristãs de extração mais recente fariam bem se prestassem atenção na saia justa em que a Sé Romana se meteu, ao tentar sufocar a ciência com dogmas, e acatassem a evolução das espécies mais rapidamente do que o Vaticano acatou o heliocentrismo.
Para além das eventuais considerações religiosas, no entanto, “deixar a ciência sozinha” – livre das amarras da teologia ou da ideologia – é parte da receita que faz um país desenvolver-se. Em 1945, o então presidente dos Estados Unidos, Franklin Roosevelt, recebeu de seu assessor Vannevar Bush um parecer com o título poético de “Ciência: A Fronteira Sem Fim”.
Era a época do Projeto Manhattan, que preparava as primeiras bombas atômicas, e já estava mais ou menos claro que o desenvolvimento científico seria o grande diferencial entre as potências que viriam a emergir após o fim da 2ª Guerra Mundial.
Bush aconselha o presidente da seguinte forma: “O progresso científico, numa frente ampla, é resultado do livre jogo de intelectos livres, trabalhando em assuntos de sua própria escolha, de um modo determinado pela curiosidade na exploração do desconhecido. A liberdade de investigação deve ser preservada, sob qualquer plano governamental de apoio à ciência”.
Não é exagero dizer que Bush pedia que o governo deixasse a ciência escolher seus próprios caminhos – “caminhar sozinha”, exatamente aquilo que a Damares de 2013 via como “erro”.
O resultado do “erro”? A maior economia do mundo, o maior numero de prêmios Nobel, a criação dos produtos tecnológicos mais valorizados e cobiçados do globo, o maior volume de estudos sobre saúde e tratamentos médicos do planeta.
A ciência funciona melhor – e suas contribuições para a sociedade se multiplicam mais rapidamente – quando os cientistas são livres para perseguir as questões que mais lhes interessam, e o fazem com a certeza de que poderão persegui-las não importa aonde as pesquisas os levem, sem medo de dogma ou censura.
O atual governo brasileiro parece bastante aberto a acatar sugestões vindas dos Estados Unidos. O trabalho de Vannevar Bush seria um bom ponto para começar.