Flor mais antiga que os dinossauros? Calma lá!

Artigo
12 set 2022
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dinossauro

 

Tem feito sucesso na internet (valendo até uma nota breve no popular site da Revista Galileu) a alegação, interessante, mas de base extremamente frágil, de que cientistas teriam determinado que as plantas dotadas de flores, chamadas angiospermas, teriam aparecido na Terra antes dos dinossauros. De fato, a nota da revista traz como título “âmbar preserva flor que surgiu 50 milhões de anos antes dos dinossauros”. Em primeiro lugar, penso que o título induz ao erro. Vi pessoas concluindo que o âmbar e a flor dentro dele formaram-se 50 milhões de anos antes de os dinossauros aparecerem na natureza, o que não poderia estar mais longe da verdade.

Flores preservadas em âmbar proveniente de Myanmar, alocadas em duas espécies de plantas com flores (angiospermas) da família Rhamnaceae, foram descritas em artigo publicado online no dia 31 de janeiro de 2022 na Nature Plants. Os fósseis têm aproximadamente 99 milhões de anos e, portanto, são do Cretáceo. Lembre-se de que foi no final do Cretáceo, há 66 milhões de anos, que a maioria (as aves ainda estão por aí!) dos dinossauros foi extinta. Ou seja, os fósseis são muito mais recentes que a origem dos dinossauros, que surgiram há cerca de 240 milhões de anos, durante o período Triássico.

Mas o artigo de janeiro não é o que gerou o engajamento recente. Na verdade, foram especialmente duas publicações, uma de julho e outra de agosto. Ali, os autores alegam o seguinte, essencialmente: a presença da família Rhamnaceae há 99 milhões de anos implica que o grupo das angiospermas surgiu antes do Triássico, ainda durante o período Permiano (de 289 milhões a 252 milhões de anos atrás), talvez antes.

Embora a origem e diversificação das angiospermas sejam motivo de intenso escrutínio e tenham sido um “abominável mistério” desde os tempos de Charles Darwin, devemos ser cautelosos ao avaliar os resultados dos estudos que ganharam as manchetes. Apesar de uma origem anterior ao Triássico não ser necessariamente impossível, os trabalhos citados na imprensa têm sido alvo de críticas entre alguns pesquisadores.

Há críticas puramente técnicas, que apesar de valiosas, não podemos cobrir aqui. E há indicações mais sutis que nos fazem suspeitar automaticamente da qualidade desses artigos. Em um deles lê-se que o limite entre Permiano e Jurássico ocorreu há 251 milhões de anos. É um erro grosseiro: o Permiano faz “fronteira” com o Triássico, não com o Jurássico. Além disso, há diversos erros de digitação. Isso sugere que, no mínimo, o artigo não foi adequadamente revisado. Por fim, é preciso enfatizar que não há sequer um único fóssil indubitavelmente atribuível a uma angiosperma que date de antes do Cretáceo.

A paleobotânica das plantas com flores é uma área muito interessante e que vale a pena acompanhar de perto. Mas também é preciso cautela, especialmente quando vamos comunicar a não especialistas sobre novas propostas a serem discutidas dentro do campo. E como diria Carl Sagan: alegações extraordinárias requerem evidências extraordinárias. Não foi dessa vez.

 

João Lucas da Silva, mestrando em Ciências Biológicas, Paleontologia, no Laboratório de Paleobiologia, Unipampa, Campus São Gabriel. Divulgador científico no canal Coelho Pré-Cambriano, twitter @pre_cambriano

 

SAIBA MAIS

A nota da Galileu:

https://revistagalileu.globo.com/Ciencia/Biologia/noticia/2022/08/ambar-preserva-flor-que-surgiu-50-milhoes-de-anos-antes-dos-dinossauros.html

 

Os artigos que trazem as alegações:

HE, Tianhua; LAMONT, Byron B. Ancient Rhamnaceae flowers impute an origin for flowering plants exceeding 250-million-years ago. Iscience, v. 25, n. 7, p. 104642, 2022. https://doi.org/10.1016/j.isci.2022.104642

 

LAMONT, Byron B.; HE, Tianhua. Fossil flowers of Phylica support a 250 Ma origin for Rhamnaceae. Trends in Plant Science, 2022. https://doi.org/10.1016/j.tplants.2022.08.004

 

O artigo que descreve os fósseis:

SHI, Chao et al. Fire-prone Rhamnaceae with South African affinities in Cretaceous Myanmar amber. Nature Plants, v. 8, n. 2, p. 125-135, 2022. https://doi.org/10.1038/s41477-021-01091-w

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