Quando se fala em efeito placebo, é muito fácil cair em um de dois extremos: os que veem ali uma espécie de superpoder, a capacidade do corpo de curar-se pela crença, e os que veem no efeito nada além de ilusão, o atendimento imaginário de uma expectativa. Ambos os extremos, no entanto, estão errados. Vamos entender como, e por quê.
No final do século 19, Ivan Pavlov estabeleceu um dos conceitos mais famosos da psicologia, o que chamamos hoje de condicionamento clássico. O experimento que estabeleceu o princípio parecia muito simples: cães foram condicionados a associar uma pessoa, e posteriormente uma sineta, à presença de alimento. Com o condicionamento, a presença da pessoa – ou o som da sineta – desencadeava no animal reações associadas à disponibilidade de comida, como salivação, mesmo quando não havia alimento presente.
Descrito assim, parece somente um estudo de treino de comportamento. Afinal, quem tem um cãozinho sabe como eles aprendem rápido a associar qualquer coisa a comida! Mas não era exatamente isso que Pavlov tinha em mente.
Na verdade, o pesquisador não estava interessado no comportamento dos cães. O objeto de estudo era a secreção de suco gástrico, que ocorria na presença do alimento. Pavlov percebeu que, depois de algum tempo, a comida não era necessária para gerar a reação: a mera presença do tratador provocava secreção gástrica.
Depois de inúmeros experimentos replicando este fato, Pavlov alterou o objeto para salivação dos cães – muito mais prático e menos invasivo – e aí, sim, inseriu outros fatores como o som da sineta e campainhas, sempre com o mesmo resultado. Mais do que um comportamento, Pavlov havia condicionado uma resposta fisiológica nos cães. Os cães agora salivavam ao som de uma simples sineta!
O mecanismo que faz a fisiologia dos cães reagir ao som de uma sineta como reagiria, normalmente, à presença de comida é o mesmo que faz o organismo humano reagir a uma pílula de açúcar da mesma forma que reagiria a um analgésico. Condicionamento clássico é um dos segredos por trás do efeito placebo.
De fato, outro grupo de pesquisadores, alguns anos após o trabalho pioneiro de Pavlov, provou que é possível condicionar, em cães, a resposta à aplicação de uma droga. Nossos amigos peludos costumam salivar também após receber injeções de morfina. Nesse estudo, depois de algumas aplicações da substância real, os cães passaram a receber injeções de solução salina, e adivinhe só? Salivaram da mesma maneira.
Guerra
Aqui, já fica mais fácil perceber que não se trata apenas de instigar um comportamento, nem da mera expectativa de um estímulo externo, como a chegada de um prato de comida. Claramente, neste último experimento, os cães foram condicionados a ter uma resposta fisiológica involuntária e real após um procedimento “médico” (ou “veterinário”): uma injeção.
Durante a Segunda Guerra Mundial, em meio à escassez de morfina, um médico americano, chamado Henry Beecher, aplicou solução salina em alguns soldados que precisavam de analgésico. Para sua própria surpresa, a solução parecia funcionar! Os soldados se acalmavam e a dor diminuía. Não tanto como diminuiria com morfina real mas, ainda assim, o suficiente para que o médico pudesse realizar alguns procedimentos.
Beecher estava aplicando um placebo nos soldados. O termo, no entanto, não é muito bem definido e costuma causar confusão. Placebo é coisa da sua cabeça? Precisa acreditar para ter efeito placebo? Tem algum efeito real sobre a fisiologia, ou é só ilusão? E o que os cientistas querem dizer com “o tratamento/medicamento testado não funciona melhor do que um placebo”?
Analgésico
O próprio Henry Beecher foi um dos responsáveis por colocar um “grupo placebo” nos testes clínicos de medicamentos, exatamente porque se entende que medicamentos de verdade têm de oferecer um benefício superior ao da simples combinação de expectativa e condicionamento.
Então, já sabemos que um placebo é capaz de produzir mudanças fisiológicas reais, e afeta também animais não-humanos. Mas qual a extensão desse efeito? Um trabalho clássico que demonstra o poder do efeito placebo foi realizado por pesquisadores italianos, em 2001. Pacientes em recuperação de cirurgia torácica (que envolve bastante dor no pós-operatório) receberam analgesia e também um acesso intravenoso contendo apenas solução salina. Foram divididos em três grupos, de acordo com a informação que receberam sobre o acesso intravenoso.
O primeiro grupo sabia que era só uma solução salina, o segundo grupo acreditava que podia ser salina ou um analgésico, e o terceiro grupo acreditava se tratar de um analgésico potente. Em todos os grupos, os pacientes podiam pedir mais analgésico – real – quando quisessem.
O grupo 3, que acreditava estar recebendo remédio para dor direto na veia, foi o que menos pediu, seguido pelo grupo 2, que não sabia se era analgésico ou placebo, e por fim pelo grupo 1, que sabia se tratar de uma solução inerte.
Bioquímica
Existe um mecanismo bioquímico para o efeito placebo. Não é algo que fica “só na cabeça”. O trabalho mais elegante a respeito foi conduzido por outro grupo italiano, também em 2001. Os pesquisadores demonstraram que o efeito placebo ativa receptores opioides no cérebro. Esses receptores estão envolvidos no controle da dor, e são ativados por analgésicos derivados do ópio, como a morfina.
Usando um bloqueador de receptores pioides, a naloxona, o grupo conseguiu desligar o efeito placebo! A naloxona bloqueia o efeito da morfina, porque interfere com a ligação da molécula nos receptores. E o mesmo bloqueio impediu o efeito placebo.
O experimento envolveu uma série de controles, mas para simplificar a explicação, vou citar apenas dois grupos de pacientes: um que recebeu um analgésico não opioide (que não depende dos receptores cerebrais que são bloqueados pela naloxona), sabendo que era um analgésico. Ou seja, os pacientes desse grupo tinham o efeito real do medicamento e também o efeito placebo, trazido pela expectativa (a pessoa sabia que ia tomar um remédio para a dor) e pelo condicionamento.
Outro grupo recebeu o mesmo analgésico, mas acrescentou-se a naloxona, que bloqueia APENAS receptores opioides, ou seja, não deveria interferir no efeito do remédio dado. E os pacientes não sabiam que a naloxona estava lá.
Pois bem, esse segundo grupo sentiu mais dor do que o primeiro, embora tivesse as mesmas expectativas. O efeito placebo havia sido bloqueado pela naloxona. O primeiro grupo teve o efeito analgésico do medicamento e também do placebo. O segundo, apenas o do medicamento, porque o placebo tinha sido neutralizado.
Foi possível bloquear um efeito, tido como psicológico, com uma droga, demonstrando um provável mecanismo de ação bioquímico. Assim, temos a resposta: placebo não é apenas ilusão. A redução da dor é fisiológica. Mas, certamente, envolve condicionamento e expectativa.
Variedade
Vários trabalhos demonstram, ainda, que há diferentes graus de efeito placebo. Em geral, injeções funcionam melhor do que pílulas, duas pílulas funcionam melhor do que uma, pílulas coloridas funcionam melhor do que brancas, e qualquer tratamento teatral, que envolva manipulação do corpo, funciona melhor do que todos os demais.
Pode-se, até mesmo, observar um efeito placebo mesmo quando o paciente sabe que aquele tratamento ou medicamento é inerte. O efeito é menor, mas existe, e é fruto do condicionamento, neste caso, separado da expectativa.
Placebos parecem realmente ser úteis na redução da dor e no controle de condições muito sensíveis ao estresse, como doenças respiratórias e alergias.
Nas práticas alternativas
O efeito placebo torna-se, assim, o melhor amigo da medicina alternativa. Práticas como homeopatia e acupuntura só alcançaram tanto sucesso graças, em parte, a ele. Digo em parte, porque fatores como regressão à media e cura espontânea de doenças também contribuem para que essas terapias pareçam funcionar. A atenção especial dedicada ao paciente, comum entre as práticas alternativas, também funciona como um placebo. E, não por acaso, as práticas alternativas também parecem funcionar melhor para dor e doenças relacionadas a estresse.
Já sabemos que animais são suscetíveis ao efeito placebo. Crianças muito pequenas também são. Além disso, um efeito comum em animais de estimação e bebês é o que chamamos de “placebo por procuração”. Tanto pais dos bebês como os donos dos animais querem a melhora dos seus “filhotes”. E, graças a outro fenômeno, chamado viés de confirmação, enxergam exatamente o resultado que esperam. Além disso, animais e bebês respondem a atenção e carinho.
Resta, então, a dúvida cruel: se o efeito placebo tem realidade fisiológica, realmente reduz a dor, e não tem efeitos colaterais, por que não prescrever placebos?
Aí entramos em uma questão ética delicada. Para prescrever placebos, o médico teria que deliberadamente enganar o paciente. E o placebo não cura nada. Até mesmo a redução da dor é menor do que seria com um analgésico de verdade. Além disso, o efeito é inconstante e inconsistente: algumas pessoas são mais (ou menos) suscetíveis.
Ninguém, sofrendo com dor intensa, vai melhorar com placebo em vez de morfina, e nenhum médico vai operar com placebo em vez de anestesia. Outro argumento importante é que utilizar placebos – assim como medicina alternativa – pode atrasar ou impedir diagnósticos e tratamento de condições mais sérias.
E, finalmente, o mais importante: sempre podemos nos beneficiar do efeito placebo em qualquer consulta médica ou tratamento, se o médico ou profissional de saúde for atencioso e carinhoso. Talvez esta seja a única grande lição que a medicina alternativa tem mesmo a ensinar.
Natalia Pasternak é pesquisadora do Instituto de Ciências Biomédicas (ICB) da USP, coordenadora nacional do festival de divulgação científica Pint of Science para o Brasil e presidente do Instituto Questão de Ciência