O recém-nomeado presidente da Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior), Benedito Guimarães Aguiar Neto, é um negacionista da Teoria da Evolução e defensor da doutrina pseudocientífica do “design inteligente”. Estas não são apenas posições de foro íntimo: durante a gestão de Aguiar Neto como reitor, a Universidade Presbiteriana Mackenzie, de São Paulo, firmou parceria com o Discovery Institute (DI), um think tank criacionista dos Estados Unidos, e estabeleceu, em parceria com esse instituto, um núcleo de pesquisas com a finalidade de promover o criacionismo no Brasil.
O DI é a ponta de lança de implementação da chamada “estratégia da cunha”, um movimento criado nos Estados Unidos nos anos 90 para minar o apoio da opinião pública ao ensino da evolução nas escolas públicas. A pedra de toque da estratégia é tentar convencer os cidadãos da existência de uma teoria científica chamada “design inteligente”, que seria uma alternativa viável à evolução darwiniana e que, portanto, deveria ser parte do currículo de ciências das escolas mantidas pelo erário.
“Design inteligente”, no entanto, não é nada disso, pois não passa de uma tentativa de disfarçar o dogma religioso da criação divina como ciência. Não existe uma “teoria” coerente que atenda por esse nome: seus proponentes limitam-se a apontar supostas anomalias que a evolução darwiniana seria incapaz de explicar, e a oferecer a ideia de um “designer” como solução. A verdade, no entanto, é que as “anomalias” apontadas têm solução dentro da teoria evolutiva.
Mesmo se não tivessem, postular entidades sobrenaturais não é resposta válida para questões de ciência. Faz parte da natureza de teorias científicas, aponta o filósofo Larry Laudan, resolver problemas empíricos – explicar fenômenos do mundo físico – e, mesmo tempo, buscar reduzir ao mínimo o número de anomalias e de problemas conceituais criados no processo: se digo, por exemplo, que a gravidade é causada por duendes que puxam corpos dotados de massa para baixo, crio uma anomalia (por que ninguém nunca viu esses duendes?) e uma pletora de problemas conceituais (o que, afinal, são “duendes”? se eles nos puxam para baixo, quem os puxa? etc.).
Um discurso que se limita a enumerar anomalias imaginárias e a amplificar os problemas conceituais, postulando um “designer” misterioso, é mera retórica, não proposta a se levar a sério num contexto centífico.
De qualquer modo, a preocupação fundamental do DI não é científica, e sim cultural e política. Nesse aspecto, seus propósitos alinham-se bem com o clima de “guerra cultural” cultivado pelo governo Bolsonaro. A meta declarada dos fundadores do Discovery Institute é substituir o que eles acreditam ser a visão de mundo hegemônica hoje no Ocidente – “ateia, materialista, marxista, freudiana, darwinista, caótica” – por uma visão “cristã”, encantada, divina, plena de propósito.
O documento fundamental da “estratégia da cunha”, elaborado pelo DI em 1998 e tratado, inicialmente, como secreto(depois que os papéis vazaram, a liderança do DI tentou, primeiro, negar a autoria e, depois, minimizar sua significância), afirma:
“As consequências sociais do materialismo têm sido devastadoras. Como sintomas, essas consequências merecem tratamento. No entanto, estamos convencidos de que, para derrotar ao materialismo, precisamos cortá-lo na raiz. Essa raiz é o materialismo científico. Esta é exatamente nossa estratégia. Se olharmos para a ciência predominantemente materialista como uma árvore gigantesca, nossa estratégia pretende funcionar como uma ‘cunha’ que, embora relativamente pequena, poder partir o tronco, quando aplicada a seus pontos mais fracos”.
O “design inteligente” é apenas uma ferramenta de propaganda para tal: minar a confiança do público na ciência, a fim de promover uma modalidade muito peculiar de cristianismo como alternativa.
Esta constatação foi aceita não só pela comunidade científica, como também por todas as instâncias do Judiciário dos Estados Unidos, que em uma série de julgamentos identificaram o design inteligente com propaganda religiosa e, por isso, proibiram seu ensino em escolas públicas.
Faz parte da implementação da “cunha” o financiamento de trabalhos acadêmicos criacionistas, que tenham a aparência superficial de estudos científicos, a fim de borrar, aos olhos do público, a distinção entre ciência legítima e doutrinação religiosa. Outras organizações criacionistas resolveram seguir o mesmo "playbook", e lançaram até mesmo seus próprios periódicos "com revisão pelos pares".
Ver o orçamento Capes sob o comando de alguém afinado com essa agenda é algo que deveria tirar o sono de todos os educadores e cientistas sérios do Brasil.
Carlos Orsi é jornalista e editor-chefe da Revista Questão de Ciência