Em 2017, o jornal The New York Times revelou que o Departamento de Defesa dos Estados Unidos havia investido, ao longo de cinco anos, US$ 22 milhões em algo chamado Programa de Identificação de Ameaças Aeroespaciais Avançadas, ou AATIP, na sigla em inglês. O AATIP se manteve ativo de 2007 a 2012, e a reportagem original do Times chamava atenção para o interesse do programa em óvnis.
O diário novaiorquino mencionava ainda que um dos cientistas envolvidos era Harold “Hal” Puthoff, engenheiro especializado em tecnologia de raios laser, mais conhecido por ter referendado, nas páginas da Nature, os supostos poderes “paranormais” do ilusionista israelense Uri Geller, na década de 70.
Segundo a revista Fortean Times, que costuma ser até simpática a questões envolvendo paranormalidade, desde seu envolvimento com Geller, Puthoff passou a ser considerado “cientificamente duvidoso por muitos”. Em entrevista ao jornalista Nick Cook, publicada no livro “The Hunt for Zero Point”, Puthoff disse que seu interesse pelo paranormal havia sido inicialmente instigado, nos anos 70, por um suposto estudo soviético a respeito de telepatia entre plantas.
Em janeiro deste ano, atendendo a uma requisição feita por meio do FOIA – a Lei de Acesso à informação dos Estados Unidos – o Pentágono liberou uma relação de 38 projetos que foram financiados sob o AATIP.
A lista inclui desde projetos plausíveis - mas perigosos e de alto potencial polêmico - como um estudo sobe o uso de propulsão nuclear em naves espaciais tripuladas, passando por conceitos que soam como pura ficção científica (“Warp Drive, Dark Energy, and the Manipulation of Extra Dimensions”; em português, “Motor de Dobra, Energia Escura, e a Manipulação de Dimensões Extras”) ou descarada pseudociência: Puthoff, por exemplo, é creditado pelo projeto “Propulsão Espacial Avançada Baseada em Engenharia de Vácuo”.
Antigravidade e teletransporte
O físico Eric Davis, por sua vez, assina vários projetos, incluindo “Antigravidade para Aplicações Aeroespaciais” e “Conceitos para Extração de Energia do Vácuo Quântico”.
A Federação de Cientistas dos Estados Unidos lembra que Davis já havia produzido um relatório para a Força Aérea Americana, em 2004, sobre a Física do Teletransporte, onde afirmava que a chamada p-teleportation, ou teletransporte por meio do poder da mente, é uma realidade física “atestada por uma enorme quantidade de dados de pesquisas científicas factuais de todo o mundo”.
Mas Davis apresenta algum ceticismo: para ele, experimentos de teletransporte descritos em uma publicação chinesa podem refletir não uma desmaterialização real do objeto, mas “apenas” sua rotação pela quarta dimensão. O que é, de fato, bastante tranquilizador.
Ele cita ainda o Projeto Jedi, conduzido na década de 80 pelo coronel John D. Alexander do Exército americano, que tinha como objetivo usar técnicas de programação neurolinguística, meditação e artes marciais para criar soldados com superpoderes. Alexander é um importante personagem no livro-reportagem “The Men Who Stared at Goats”, do jornalista Jon Ronston, sobre a influência da ideologia New Age nos meios militares.
O principal problema de as Forças Armadas americanas gastarem dinheiro com coisas assim é o endosso que isso gera, levando algumas pessoas a imaginar que há algo de realmente importante aí. Afinal, militares da maior potência mundial sabem o que fazem, não dão ponto sem nó, e não gastariam verba com bobagem, certo?
Há algumas falhas nas premissas acima. Primeiro, a verba investida no AATIP, US$ 22 milhões ao longo de meia década, é infinitesimal se comparada ao orçamento anual do Departamento de Defesa, que em 2017 estava em US$ 600 bilhões. Segundo, o gasto público sempre é vulnerável a pressões políticas, e segundo o NY Times, a verba para o AATIP era uma espécie de agrado carinhoso para um senador do Estado de Nevada, que tinha uma queda para o sobrenatural.
De fato, o orçamento militar americano é tão generoso que muitos tomadores de decisão partem do princípio de “melhor garantir do que ficar para trás”, o que gera a propensão a gastar em projetos com pouquíssima – ou nenhuma – chance de sucesso, como a “bomba de isômero”, quimera que é o tema do divertido (e assustador) livro-reportagem “Imaginary Weapons”, cuja resenha já publicamos.
E, por fim, os militares, que em tese sabem o que fazem, não jogam dinheiro fora, etc., acabaram decidindo encerrar não apenas este projeto, mas também todos os anteriores que já haviam lidado com questões similares, como os programas de visão remota.
A CIA e o Exército dos Estados Unidos patrocinaram, entre os anos 70 e 90, projetos para o estudo e uso militar da clarividência – o suposto poder de enxergar coisas que acontecem fora do campo visual do “paranormal”, por exemplo a movimentação de tropas ou o conteúdo de documentos localizados à distância.
Os programas foram encerrados depois que um relatório publicado em 1995 concluiu que as informações produzidas pelos videntes eram inúteis, porque “vagas e ambíguas”, “erradas ou irrelevantes”, e que manipulação dos dados apresentados em alguns relatórios punha em dúvidas alegações de acertos “dramáticos”.
Cada geração parece redescobrir a promessa, a possibilidade ilusória de superpoderes ou supertecnologias que poderiam estar ao alcance da mão – se ao menos as pessoas tivessem a mente aberta! Mais tarde, cada geração redescobre o que a geração anterior havia aprendido depois de muito esforço e despesa: que a promessa era sedutora e ficava muito bem no cinema e nas histórias em quadrinhos, mas era falsa no mundo real.
Até agora, foram divulgados apenas os títulos dos projetos patrocinados pelo AATIP, não os artigos científicos ou relatórios produzidos pelos pesquisadores responsáveis. Se esses trabalhos forem liberados, haverá muito a aprender com eles – embora, muito provavelmente, não o que seus autores imaginariam ensinar.
Carlos Orsi é jornalista e editor-chefe da Revista Questão de Ciência