França deve deixar de subsidiar homeopatia

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4 jul 2019
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Busto de Samuel Hahnemann, criador da homeopatia, em seu túmulo, em Paris
Busto de Samuel Hahnemann, criador da homeopatia, em seu túmulo, em Paris

Após uma investigação de nove meses, a Alta Autoridade de Saúde de França, conhecida pela sigla HAS, decidiu recomendar que o sistema público de saúde da França deixe de reembolsar gastos com medicamentos homeopáticos. A decisão final sobre o assunto cabe à ministra Agnes Buzyn, mas espera-se que ela siga a recomendação do órgão técnico. 

Segundo o parecer da HAS, não há evidência científica de que medicamentos homeopáticos sejam úteis para qualquer tipo de problema de saúde. Foram avaliados mais de mil estudos científicos, dando conta de 1,2 mil diferentes preparados homeopáticos. 

O texto publicado no site da HAS (tem uma versão em inglês também, aqui) informa que foram encontrados “dados científicos para 24 condições e sintomas tratados com medicamentos homeopáticos, como transtornos de ansiedade, verrugas plantares, cuidados complementares em oncologia, infecções respiratórias agudas em crianças, etc.”.

Diz o material: “Para todas essas condições e sintomas, o Comitê de Transparência considerou que esses medicamentos não demonstraram, cientificamente, eficácia suficiente para justificar um reembolso”. Na França, um seguro público de saúde reembolsa os gastos dos cidadãos com medicamentos autorizados pela HAS.

Remédios demais

A Autoridade afirma ainda, no mesmo documento, que condições de saúde autolimitantes – que se curam sozinhas – não requerem o consumo contínuo de medicamentos, e que “uma receita médica nem sempre é necessária”. Ao recomendar o fim do subsídio à homeopatia, a HAS afirma promover também o objetivo de “sair da cultura de ‘medicamentos para tudo’ e usar abordagens preventivas ou terapêuticas sem drogas, como atividade física, que tenham eficácia comprovada”.

Conclusões idênticas às da HAS já haviam sido publicadas, nos últimos anos, pelo Conselho de Pesquisa Médica da Austrália e pelo Parlamento Britânico. Nos Estados Unidos, a agência federal de proteção ao consumidor exige, desde 2016, que medicamentos homeopáticos tragam a advertência de que não há evidência científica que os sustente. Todos os pareceres e atitudes desses diversos órgãos públicos acompanham o amplo consenso científico sobre o tema. 

O fato de a homeopatia ser inútil não deveria surpreender ninguém: seus dois pilares fundamentais – a ideia de que semelhante cura semelhante, e a de que preparados médicos tornam-se cada vez mais potentes à medida em que são diluídos – têm mais a ver com mágica e superstição do que com biologia ou medicina. 

O princípio da diluição, especificamente, contraria todas as leis conhecidas da física e da química. Tentativas recentes de usar a ideia de “memória da água” para resgatá-lo são muito mais gestos de desespero do que verdadeiras hipóteses científicas.

Reações

Após a conclusão do Parlamento Britânico sobre o tema, uma campanha bem-sucedida da ONG britânica Good Thinking Society levou ao fim da homeopatia no sistema público de saúde da Inglaterra. 

No mundo latino, até agora as ações mais firmes contra a homeopatia vinham da Espanha, onde o Ministério da Saúde mantém uma campanha contra terapias pseudocientíficas e universidades vêm abolindo o ensino da prática. Em Portugal, médicos e cientistas vêm se mobilizando contra lei de 2013 que deu reconhecimento oficial às “Terapias Não-Convencionais”, incluindo homeopatia e acupuntura.

A França, por sua vez, tem uma longa “história de amor” com a homeopatia. Não apenas o alemão Samuel Hahnemann (1755-1843), criador da prática, morreu rico e famoso em Paris – seu túmulo é uma das atrações do famoso Cemitério de Père Lachaise, na capital francesa – como um dos maiores produtores de medicamentos homeopáticos do mundo, a Boiron, está baseado em solo francês. Nota da agência internacional de notícias Reuters dá conta de que a firma está preocupada com o iminente fim do subsídio governamental a seus produtos. 

“O fim do reembolso na França seria um golpe para a firma, que depende do mercado francês para gerar cerca de 60% de sua receita anual de 605 milhões de euros”, escreve a agência. Essa receita corresponde a R$ 2,5 bilhões, ou pouco menos de US$ 700 milhões. “A Boiron emprega cerca de 3,6 mil pessoas, a maioria na França, onde fabrica todos seus produtos”. 

De fato, a homeopatia chegou ao Brasil graças à influência cultural da França, que predominava no país no século 19. O Dia Nacional da Homeopatia, celebrado em 21 de novembro, marca a chegada, ao nosso litoral, do homeopata francês Benoit-Jules Mure, considerado o introdutor da doutrina homeopática no Brasil.

Enquanto a Terra gira, o Brasil se omite. Por aqui, a homeopatia é especialidade reconhecida pelo Conselho Federal de Medicina (CFM), está integrada ao Sistema Único de Saúde (SUS) e estudos que (ainda) tentam encontrar algum indício de validade na prática são financiados com verba pública.

Carlos Orsi é jornalista e editor-chefe da Revista Questão de Ciência

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