Como sabemos que as vacinas para COVID-19 são seguras?

Questionador questionado
20 dez 2020
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Wally Gator

 

As vacinas que vêm sendo aprovadas para a prevenção da COVID-19 são seguras e eficazes. Os testes por que passaram antes de serem aceitas para uso emergencial, ou licenciadas em definitivo, são válidos, foram verificados por especialistas independentes – que não têm nada a perder caso alguma vacina seja rejeitada – e permitem que tenhamos um alto grau de confiança nesses imunizantes. Até o momento em que este artigo estava sendo escrito, mais de um milhão de pessoas, em diferentes países, já havia recebido vacinação – e ninguém virou jacaré.

Muitas dúvidas e preocupações sobre as vacinas para COVID-19 têm circulado nas redes sociais. Embora algumas sejam fruto de teorias da conspiração, chegando a afirmar que os políticos que tomam vacina em público estão fazendo uma performance com seringas falsas, muitas destas dúvidas são legítimas, e merecem resposta racional. Trataremos das principais a seguir.

 

A rapidez dos testes clínicos

É verdade que, antes da COVID-19, a vacina desenvolvida mais rapidamente tinha sido a da caxumba, que demorou quatro anos. É natural, portanto, que a população fique desconfiada de uma vacina que aparentemente foi feita tão rápido. Levanta suspeitas sobre a idoneidade do processo e sobre interesses políticos. No entanto, a rapidez deve-se a uma soma de fatores: colaboração, investimento e a disponibilidade dos resultados de pesquisas anteriores.

Nenhuma vacina de COVID-19 realmente saiu do zero. Vários grupos já trabalhavam buscando vacinas para os “primos” do SARS-CoV-2, os vírus da SARS (Síndrome Respiratória Aguda e Grave, de 2002) e da MERS (Síndrome Respiratória do Oriente Médio, de 2015). Plataformas vacinais para estes outros vírus já estavam em desenvolvimento. O trabalho maior dos cientistas agora foi adaptá-las para a COVID-19, economizando tempo de pesquisa.

Nunca houve também tanta colaboração internacional, tantos grupos estudando vacinas para uma mesma doença. Isso acelera o compartilhamento do conhecimento e, consequentemente, acelera a ciência.

E, finalmente, nunca houve tanto investimento para vacinas de uma mesma doença. Este talvez tenha sido o fator mais decisivo no sucesso rápido das vacinas. Estudos clínicos são caríssimos. Os de vacina são os mais caros de todos. É necessário recrutar e monitorar milhares de pessoas. A velocidade com que somos capazes de fazer isso depende do tamanho do investimento. É como construir um prédio: podemos fazer isso em seis meses, dependendo do aporte disponível para contratação de pessoal e estrutura, ou podemos demorar anos.

Outro fator importante é a circulação da doença. É diferente fazer uma vacina para um vírus pandêmico, que está circulando em todo o mundo ao mesmo tempo, e um vírus endêmico ou sazonal, que circula pouco ou em épocas determinadas.

Quanto mais o vírus circula, mais rápidos serão os resultados, porque o teste final da vacina envolve comparar o número de casos da doença que aparece entre pessoas vacinadas e não vacinadas (se a vacina é boa, o primeiro número será muito menor). Se a doença circula muito, a contagem de casos acontece mais depressa.

 

Rápido, mal feito?

É importante salientar também que rapidez não é sinônimo de trabalho mal feito, nem de etapas queimadas. Os testes clínicos foram acelerados, mas não deixaram de seguir todas as fases necessárias para garantir a segurança e eficácia das vacinas, respeitando o rigor metodológico necessário.

As vacinas aprovadas até agora pela FDA – o órgão responsável por avaliar e liberar medicamentos nos Estados Unidos – publicaram seus resultados para escrutínio da comunidade científica, e a própria FDA também, prezando pela transparência do processo neste momento delicado, tornou públicos seus relatórios de avaliação. Juntando todos os voluntários de vacinas para COVID-19 no mundo, temos mais de um milhão de pessoas que receberam diferentes vacinas, e pouquíssimos casos de efeitos colaterais, sendo que os mais preocupantes são reações alérgicas que foram resolvidas prontamente, sem qualquer sequela ou complicação posterior.

Toda vacina, mesmo se adotada em caráter emergencial, é rigorosamente testada para segurança e eficácia. As liberações emergenciais são “emergenciais” porque ocorrem antes de os testes de eficácia serem completados, mas depois de as avaliações de segurança terem sido todas feitas. Isso significa que os valores de eficácia anunciados (95%, 94%, 70%, etc.) ainda podem mudar, ou que a margem de erro em torno desses valores ficará mais estreita, mas não se esperam alterações radicais. 

Efeitos colaterais muito raros podem aparecer após a liberação – uma alergia rara, que só se manifesta uma vez a cada dez milhões de aplicações, só deve aparecer depois de termos mais de dez milhões de pessoas vacinadas –, mas isso é verdade também para vacinas que demoram anos para pedir o registro.

 

 

Reinfecções e mutantes

Por enquanto, os casos de reinfecção ainda são poucos e precisam ser investigados. Não parece ser algo relevante em termos populacionais. Mas mesmo que reinfecções sejam mais frequentes do que imaginamos, isso não quer dizer que as vacinas não vão funcionar. Vacinas são projetadas para dar uma resposta imune mais robusta do que a infecção natural. Quando nos infectamos naturalmente, não há um padrão. Podemos ser expostos a quantidades diferentes de vírus, por mais ou menos tempo, e isso pode afetar a reação do organismo.

Isso não acontece com as vacinas, que foram desenhadas para dar a melhor resposta de anticorpos e resposta celular possíveis, otimizando o processo. Por isso, existe um regime de doses – geralmente duas – para garantir a melhor reação. A vacina é padronizada.

Quanto aos mutantes, sempre existe um risco real de escape de mutação, ou seja, de termos mutantes tão diferentes do vírus original que ele “escapa” do sistema imune e das vacinas, que reconhecem o vírus “raiz”, e não a nova linhagem. Isso é comum em vírus com taxas de mutação muito altas, como os vírus da gripe e da aids. Mas não parece ser o caso deste coronavírus. Os coronavírus em geral tem uma taxa de mutação baixa, e os mutantes que foram observados até agora não apresentaram mudanças tão grandes que sugiram um escape de mutação. De qualquer modo, com as plataformas vacinais aprovadas, se surgir uma linhagem muito diferente, será fácil e rápido incorporá-la à plataforma existente, e teremos uma nova vacina sem necessidade de recomeçar do zero.

 

Vacinas só aliviam sintomas

As vacinas não estão sendo avaliadas em sua capacidade de impedir o contágio, mas de prevenir doença, doença grave e morte. Na verdade, não é de praxe testar vacinas, seja em situações de emergência ou não, para contágio: isso tornaria o ensaio ainda mais caro, já que teríamos que testar os voluntários assintomáticos também e ver se eles têm ou não o vírus. No caso de uma doença como a COVID-19, o que realmente precisamos é de uma vacina que previna a doença. Assim, indiretamente, ela vai prevenir também o contágio, mesmo que esse não seja um efeito imediato.

Não é correto afirmar que só alivia os sintomas, como um analgésico. O analgésico não tem a função de preparar o seu sistema imune para o ataque. Com o remédio, você estará suscetível a ficar doente e morrer, mesmo aliviando os sintomas. A vacina, pelo contrário, vai impedir que você fique doente, mesmo que não bloqueie completamente a transmissão.

 

 

Os fabricantes se protegem

Os fabricantes trabalharam no risco, produzindo vacinas antes mesmo de saber se teriam eficácia e segurança, e com isso correndo o risco de perder todo o investimento. A precaução de não sofrer processo judicial por efeitos adversos não quer dizer que estes efeitos não serão investigados pela vigilância sanitária, apenas tenta impedir mais uma judicialização da ciência.

Processos jurídicos não são necessariamente baseados em evidências científicas, e corre-se o risco de qualquer efeito que uma pessoa tenha após se vacinar, mesmo sem relação nenhuma com o imunizante, sirva de pretexto para processos. Com bilhões de pessoas sendo vacinadas no mundo todo, isso poderia travar o departamento jurídico das companhias. O importante é garantir a vigilância epidemiológica, e para isso existem os sistemas de monitoramento de efeitos adversos. O Programa Nacional de Imunizações (PNI) prevê a criação de um sistema exclusivo para as vacinas de COVID-19.

 

Haverá termo de responsabilidade?

Em muitos países, é comum haver um termo a ser assinado, confirmando que o paciente recebeu informações sobre os possíveis efeitos colaterais de uma vacina ou medicamento. O termo, no entanto, é de consentimento, não de responsabilidade. É muito mais para garantir que sejamos bem informados e que não sejamos enganados ou coagidos.

No Brasil, no entanto, o uso do termo foi proposto – de modo deturpado – pelo presidente da República, mas a proposta já foi derrubada. Não haverá termos de consentimento nem de responsabilidade. O Congresso Nacional entende que a se nossa agência regulatória garante eficácia e segurança, não há necessidade de assinar nada. Além disso, não seria uma boa prática de política pública neste momento. Como a tradição do termo não existe no Brasil, instaurá-la agora, especificamente para essa vacina, causaria estranheza e temores indevidos.

 

Se fosse bom, não seria obrigatório

Todas as vacinas no calendário vacinal brasileiro já são obrigatórias. Esta discussão é irrelevante e fútil, e induz as pessoas a pensarem em situações impossíveis, onde um agente de saúde invade sua casa com uma seringa na mão, amarra o cidadão em uma cadeira, e aplica a vacina à força, como se fosse soro da verdade em filme de espionagem. Isso é absurdo.

Tornar uma vacina obrigatória significa condicionar certos aspectos da vida civil, como o recebimento de benefícios ou o acesso a alguns serviços públicos, à sua aplicação. Isso já é feito. Não se pode matricular crianças em escolas públicas sem comprovar vacinação. O mesmo para prestar concurso público ou receber auxílio do governo, como o Bolsa Família.

Vacinas são uma intervenção de saúde pública. Você pode optar por não contribuir com esta intervenção, mas será penalizado pelo dano que sua decisão causa à coletividade. Isso não quer dizer que alguém será coagido. Vacinas são ferramentas de saúde coletiva há pelo menos cem anos, reduzindo drasticamente a incidência de doenças infecciosas, reduzindo a mortalidade infantil, e aumentando a expectativa de vida. Essa é apenas mais uma vacina no nosso calendário. E veja-se como estamos sofrendo pela falta dela.

 

Natalia Pasternak é pesquisadora visitante do Instituto de Ciências Biomédicas (ICB) da USP, presidente do Instituto Questão de Ciência, "fellow" do Comitê para Investigação Cética (CSI) dos Estados Unidos e coautora do livro "Ciência no Cotidiano" (Editora Contexto)

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