Os Parlamentos das Américas parecem estar sendo tomados por uma onda de interesse em assuntos extraterrestres. Depois da série de eventos no Congresso americano e de uma audiência pública no Senado do Brasil, em 12 de setembro foi a vez de o Congresso mexicano abrir as portas para a especulação a respeito de visitantes extraterrestres. A epidemia de envolvimento parlamentar com o assunto cresce na razão inversa da evidência de vida extraterrestre entre nós – que segue inexistente.
A principal estrela do evento mexicano foi o jornalista e ufólogfo Jaime Mussán, que pelo menos desde 2017 segue apresentando corpos mumificados retirados de sítios arqueológicos do Peru como sendo restos de alienígenas ou de híbridos humano-alienígnenas. Mussán é figurinha fácil no canal Gaia, uma espécie de cover de Netflix especializado em promover pseudociências e teorias de conspiração. Segundo The New York Times, também tem uma lojinha de suplementos alimentares. O documentarista Brian Dunning escreve que, em 2015, Mussán já havia usado fotos de múmias peruanas para representar corpos de ET resgatados em Roswell.
Existe pelo menos um estudo que atribui a “descoberta” original das múmias em posse de Mussán não a arqueólogos, mas a saqueadores de tumbas e contrabandistas. O mesmo trabalho, publicado em 2021, sugere que as múmias são falsificações macabras, feitas com restos humanos mutilados e pedaços de animais – incluindo partes do crânio de lhamas. Apresentação feita no Congresso Nacional de Bioarqueologia do Peru de 2020 concluía que as múmias eram “construídas de ossos humanos e animais, e que a suposta pele é feita de fibras vegetais e pigmento sintético moderno”.
Em sua apresentação no Congresso mexicano, Mussán disse ter laudos independentes comprovando que suas múmias teriam mais de mil anos. Além de a datação ser irrelevante para a questão da autenticidade – o resultado poderia dizer respeito à idade das matérias-primas mutiladas na produção dos “corpos” – a Universidade Autônoma do México, que conduziu os testes de carbono-14, emitiu nota dizendo que se limitou a analisar amostras de material orgânico fornecidas por um cliente, e que seus técnicos e cientistas “não realizam nenhum tipo de amostragem, nem entram em contato com a fonte original da amostra in situ”.
“Os trabalhos de datação por carbono-14 realizados (...) destinam-se apenas a determinar a idade da amostra trazida por cada utilizador e em nenhum caso tiramos conclusões sobre a origem das referidas amostras”, afirma a nota.
“O LEMA [Laboratório Nacional de Espectrometria de Massas com Aceleradores] se isenta de qualquer uso, interpretação ou deturpação subsequente dos resultados que emite. No caso da análise de junho de 2017, qualquer informação que implique a participação do LEMA em qualquer atividade que não seja a datação por carbono-14 é totalmente inválida”, prossegue.
As múmias peruanas “alienígenas” já foram expostas como fraudes cruéis e crimes contra o patrimônio histórico e a memória dos povos originários das Américas diversas vezes. É improvável, portanto, que a nova rodada de denúncias vá impedir que ressurjam mais uma vez, daqui a alguns anos, como “nova sensação” da ufologia em algum outro lugar. Talvez, até mesmo, numa casa legislativa brasileira. Falsidades propagam-se globalmente, mas os desmentidos são sempre limitados e locais.
Carlos Orsi é jornalista, editor-chefe da Revista Questão de Ciência, autor de "O Livro dos Milagres" (Editora da Unesp), "O Livro da Astrologia" (KDP), "Negacionismo" (Editora de Cultura) e coautor de "Pura Picaretagem" (Leya), "Ciência no Cotidiano" (Editora Contexto), obra ganhadora do Prêmio Jabuti, "Contra a Realidade" (Papirus 7 Mares) e "Que Bobagem!" (Editora Contexto)