O ataque das múmias alienígenas

Questão de Fato
14 set 2023
Autor
Imagem
alienígena cinematográfico

 

Os Parlamentos das Américas parecem estar sendo tomados por uma onda de interesse em assuntos extraterrestres. Depois da série de eventos no Congresso americano e de uma audiência pública no Senado do Brasil, em 12 de setembro foi a vez de o Congresso mexicano abrir as portas para a especulação a respeito de visitantes extraterrestres. A epidemia de envolvimento parlamentar com o assunto cresce na razão inversa da evidência de vida extraterrestre entre nós – que segue inexistente.

A principal estrela do evento mexicano foi o jornalista e ufólogfo Jaime Mussán, que pelo menos desde 2017 segue apresentando corpos mumificados retirados de sítios arqueológicos do Peru como sendo restos de alienígenas ou de híbridos humano-alienígnenas. Mussán é figurinha fácil no canal Gaia, uma espécie de cover de Netflix especializado em promover pseudociências e teorias de conspiração. Segundo The New York Times, também tem uma lojinha de suplementos alimentares. O documentarista Brian Dunning escreve que, em 2015, Mussán já havia usado fotos de múmias peruanas para representar corpos de ET resgatados em Roswell.

Existe pelo menos um estudo que atribui a “descoberta” original das múmias em posse de Mussán não a arqueólogos, mas a saqueadores de tumbas e contrabandistas. O mesmo trabalho, publicado em 2021, sugere que as múmias são falsificações macabras, feitas com restos humanos mutilados e pedaços de animais – incluindo partes do crânio de lhamas. Apresentação feita no Congresso Nacional de Bioarqueologia do Peru de 2020 concluía que as múmias eram “construídas de ossos humanos e animais, e que a suposta pele é feita de fibras vegetais e pigmento sintético moderno”.

Em sua apresentação no Congresso mexicano, Mussán disse ter laudos independentes comprovando que suas múmias teriam mais de mil anos. Além de a datação ser irrelevante para a questão da autenticidade – o resultado poderia dizer respeito à idade das matérias-primas mutiladas na produção dos “corpos” – a Universidade Autônoma do México, que conduziu os testes de carbono-14, emitiu nota dizendo que se limitou a analisar amostras de material orgânico fornecidas por um cliente, e que seus técnicos e cientistas “não realizam nenhum tipo de amostragem, nem entram em contato com a fonte original da amostra in situ”.

“Os trabalhos de datação por carbono-14 realizados (...) destinam-se apenas a determinar a idade da amostra trazida por cada utilizador e em nenhum caso tiramos conclusões sobre a origem das referidas amostras”, afirma a nota.

“O LEMA [Laboratório Nacional de Espectrometria de Massas com Aceleradores] se isenta de qualquer uso, interpretação ou deturpação subsequente dos resultados que emite. No caso da análise de junho de 2017, qualquer informação que implique a participação do LEMA em qualquer atividade que não seja a datação por carbono-14 é totalmente inválida”, prossegue.

As múmias peruanas “alienígenas” já foram expostas como fraudes cruéis e crimes contra o patrimônio histórico e a memória dos povos originários das Américas diversas vezes. É improvável, portanto, que a nova rodada de denúncias vá impedir que ressurjam mais uma vez, daqui a alguns anos, como “nova sensação” da ufologia em algum outro lugar. Talvez, até mesmo, numa casa legislativa brasileira. Falsidades propagam-se globalmente, mas os desmentidos são sempre limitados e locais.

 

Carlos Orsi é jornalista, editor-chefe da Revista Questão de Ciência, autor de "O Livro dos Milagres" (Editora da Unesp), "O Livro da Astrologia" (KDP), "Negacionismo" (Editora de Cultura) e coautor de "Pura Picaretagem" (Leya), "Ciência no Cotidiano" (Editora Contexto), obra ganhadora do Prêmio Jabuti, "Contra a Realidade" (Papirus 7 Mares) e "Que Bobagem!" (Editora Contexto)

Sua Questão

Envie suas dúvidas, sugestões, críticas, elogios e também perguntas para o "Questionador Questionado" no formulário abaixo:

Ao informar meus dados, eu concordo com a Política de Privacidade.
Digite o texto conforme a imagem

Atendimento à imprensa

11 95142-8998 

11 95142-7899