Um estudo da Temple University (EUA) demonstrou que as pessoas tendem a julgar como mais positivas informações que contenham dados ou jargões neurocientíficos. A neurociência é um campo de pesquisa interdisciplinar que se utiliza de diversas áreas (anatomia, biologia molecular, psicologia, genética, entre muitas outras) para estudar o sistema nervoso, e tem sido muito bem sucedida nisso. Então, não é surpresa que acabe sendo usada de forma oportunista por muitos.
Nem sempre o mau uso das evidências neurocientíficas vem de oportunismo consciente. Franz Joseph Gall (1758-1828) fez história especulando que o cérebro era o “órgão da mente”, mas foi infame ao propor que protuberâncias no crânio previam personalidade – ideia que levou à frenologia, pseudociência que foi usada, entre outras coisas, para justificar racismo.
Sven Bestmann, Chris Chambers, e Elena Rusconi alertaram para esse tipo de perigo ao criticar a interpretação dos resultados de um estudo que alegava ter aumentado a habilidade de “pensar fora da caixa” estimulando o lado direito do cérebro e suprimindo o esquerdo. O estudo demonstra uma situação que pode ter múltiplas explicações, mas a forma como foi comunicado à imprensa levava a crer que seria possível usar os resultados para estimular artificialmente “novas ideias”. A lição, aqui, é que é necessário muito cuidado na divulgação de dados neurocientíficos para o público, pois às vezes a pseudociência vem de resultados científicos reais, só que defasados, incompletos ou distorcidos.
Neuropseudociências
Um problema bastante comum é a extrapolação dos dados neurocientíficos para afirmar que eles dizem algo que não dizem. Um exemplo é o “neuromarketing”, que tenta prever o comportamento do consumidor a partir de estudos cognitivos. Como conceito, neuromarketing é uma ideia atraente e possível de ser perseguida, mas a questão é se, na prática, suas ferramentas funcionam.
Há muitos motivos para duvidar da eficácia do neuromarketing. Técnicas que registram atividade cerebral, citadas como ferramentas do neuromarketing, como Eletroencefalografia (EEG), fMRI e Espectroscopia no infravermelho próximo (NIRS) não são confiáveis para testar comportamentos de consumo, porque são altamente reativas – qualquer mínima alteração (um espirro, uma distração) pode alterar completamente o resultado. O “eye tracking” (rastreamento do movimento dos olhos) tem pouco ou nada a ver com o cérebro, e não serve pra medir comportamento de consumo. Apenas para citar dois exemplos.
Mais importante: cada experiência é subjetiva. Generalizar os resultados de um indivíduo para outros não renderá muitos frutos. Além disso, detectar que áreas do cérebro se ativam quando alguém vê uma propaganda traz mais perguntas do que respostas. Afinal, as ativações detectadas correspondem a quê? Mídia? Cores? Texto? Interpretação? Emoção associada? Uma lembrança? Um interesse? Ou o indivíduo testado só finge que presta atenção, mas está pensando em outra coisa?
O empreendedorismo também tenta se associar à credibilidade da neurociência, explorando-a em conceitos diversos. A maior parte dos tópicos relacionados aos “neuronegócios” tem como foco estudos sobre tomada de decisão e métodos de aprendizagem. Embora a neurociência tenha fornecido evidências relacionadas aos dois casos, o problema maior está em como elas são usadas.
O Neuroleadership Institute, por exemplo, desenvolveu um método de aprendizado chamado AGES, que basicamente reproduz ideias da psicologia desenvolvidas nos anos 70 e que nada têm a ver com evidências neurocientíficas. Não são dados falsos, mas são informações datadas e defasadas, que ignoram décadas de progresso científico.
Na educação, o uso de dados neurocientíficos é promissor, mas também tem sua dose de pseudociência. Boa parte aparece em cursos sobre aprendizagem “baseados no cérebro” como o BrainGym, que alega ser possível otimizar o aprendizado de crianças a partir do estímulo a movimentos corporais como engatinhar, desenhar ou bocejar. Os promotores desses tipos de técnicas e cursos geralmente mantêm sites bem construídos e citam estudos, mas os trabalhos ou são de periódicos não indexados, ou têm pouco ou nada a ver com o que foi divulgado.
O Brain Balance Achievement Center vai ainda mais longe: alega ajudar (em alguns casos, afirma curar) crianças com déficits de aprendizagem como dislexia, TDAH e até Síndrome do Espectro Autista. Um dos focos do Brain Balance é a extrapolação das evidências sobre neuroplasticidade (a habilidade do sistema nervoso de modificar-se a partir de novas experiências ou danos) adaptada para uma hipótese sem nenhum fundamento empírico – e por um preço que chega a US$ 12 mil.
Os empreendimentos neuropseudociêntificos são muitos, mas não dá para ficar sem mencionar a Programação NeuroLinguística. A PNL afirma ser possível “programar” habilidades de comunicação, linguagem e comportamento. Os defensores alegam inclusive que a programação é capaz de curar problemas como fobias, depressão, distúrbios motores, miopia (?), alergias e resfriado comum (!) – só pra citar alguns. Os supostos resultados da PNL advêm principalmente de depoimentos (evidência anedótica) e não há estudos que os corroborem.
Separando o joio do trigo
Reconhecer neuropseudociência não é tão fácil. Nem sempre os erros são óbvios e os problemas podem ser bastante sutis. Mas alguns critérios e um mínimo de ceticismo podem ajudar:
Evidências científicas. Existem estudos que apoiam as afirmações? Se existem, eles foram publicados em periódicos confiáveis? Os resultados são realmente a respeito daquelas afirmações?
Depoimento não é evidência. Todo depoimento é subjetivo. Mesmo que a pessoa não esteja fazendo isso por dinheiro, o fato de “funcionar com ela” não é garantia de eficiência.
Soluções fáceis. Carl Sagan disse que “alegações extraordinárias exigem evidências extraordinárias”. Desconfie de qualquer um que afirme resolver problemas que a própria ciência ainda não resolveu.
Siga o dinheiro. Oportunistas costumam andar atrás de dinheiro fácil. Se uma técnica afirma melhorar sua memória por um “bom” preço, fique alerta.
Não há uma fórmula infalível, e não existe ninguém imune a erros – mesmo com décadas de estudo e pesquisa. Até pesquisadores podem ser enganados. Por isso, a metodologia científica é tão importante. Seu rigor pode parecer exagerado e até hostil às vezes, mas é um pequeno preço a pagar para proteger você – e seu bolso – de consequências indesejadas.
Rafael Rodrigues é bacharel em Filosofia pela Universidade do Sul de Santa Catarina, e pós-graduado em Neurociências da Linguagem pela Universidade de Caxias do Sul. É roteirista de quadrinhos, redator e escreve sobre divulgação científica, Filosofia da Ciência e Filosofia da Mente.