O terceiro ano de vida do IQC começou já, como dizem os jovens, “causando”. O nosso Contra-Dossiê de Evidências sobre a Homeopatia, lançado no aniversário de dois anos, incomodou bastante a comunidade homeopática brasileira, que prontamente se organizou não para juntar evidencias científicas que poderiam, ao menos segundo eles mesmos, comprovar a eficácia da homeopatia, mas para desqualificar o IQC e os autores do dossiê, e numa linguagem que adota e adapta parte do vocabulário usado na ciência e no movimento cético.
Foi bastante curioso perceber esta abordagem ao longo de 2021, não somente nos proponentes da homeopatia, mas nos defensores de outras práticas pseudocientíficas e de medicamentos inúteis para COVID-19, como os defensores da cloroquina, ivermectina e proxalutamida. Além dos usuais ataques ad hominem, típicos de quem não tem argumentos, agora cresce a captura de termos consagrados no movimento cético e racionalista, como “negacionismo” e “desinformação”. O efeito é comparável ao de um ator canastrão imitando o sotaque da língua original do personagem que deseja encarnar.
Negacionismo e desinformação, agora tratados como temas sérios, foram questões centrais no principal evento internacional organizado pelo IQC em parceria com o Aspen Institute de Nova York, o primeiro Congresso Global para Pensamento Científico, onde organizamos mesas de discussão sobre filosofia e popularização da ciência, vacinas, biotecnologia de alimentos, mudanças climáticas e medicina alternativa, reunindo cientistas e comunicadores de ciência de mais de 50 países. O Congresso inspirou um documentário sobre Infodemia, que contou com a participação da nossa presidente Natalia Pasternak, e que está sendo veiculado pela PBS, a rede de TV pública dos Estados Unidos. “Infodemic” retrata o ecossistema de desinformação sobre ciência e suas consequências em diferentes países e realidades.
Documentários nacionais também surgiram, e novamente o IQC marcou presença. O documentário “A corrida das vacinas”, produzido por Álvaro Pereira Junior para a Globoplay, contou com consultoria e participação de Pasternak explicando como as vacinas funcionam, os diversos tipos de vacinas e tecnologias utilizadas, e como foram testadas.
O braço de “advocacy” por políticas públicas baseadas em evidências cresceu, e foram inúmeras participações em audiências públicas de assembleias e câmaras legislativas, sendo certamente a mais importante a participação no Senado Federal, quando nossa presidente foi convidada a depor como especialista em comunicação de ciência na CPI da Covid. Nessa oportunidade, pudemos levar pensamento racional e científico para os parlamentares e para milhões de brasileiros. Pasternak abriu a sessão com uma aula sobre método científico, a diferença entre correlação e causa, aproveitando para explicar como funcionam testes clínicos e pesquisas de vacinas e medicamentos, e terminou denunciando o negacionismo do governo federal, que colocou em risco a saúde e a vida de milhões. O assunto repercutiu na mídia nacional e internacional, e nós mesmos publicamos internacionalmente relatos do episódio, nas revistas The Skeptic e Skeptical Inquirer.
O IQC foi ainda procurado para emitir pareceres e relatórios sobre assuntos de interesse público cuja resolução depende do uso de evidências científicas. Pareceres sobre o Censo Demográfico, dados de Covid para o município de São Paulo e nota técnica atualizada sobre o uso da cloroquina para COVID-19 podem ser acessados no site institucional.
Os diretores do IQC contribuíram durante este terceiro ano com entrevistas para a mídia nacional e internacional sobre temas relacionados à pandemia, mas já sinalizando uma volta à normalidade, também com questões pertinentes à missão de promover políticas públicas baseadas em evidência. Trouxemos para o debate público assuntos que ficaram ofuscados durante a pandemia, como o uso da prática da constelação familiar no Judiciário brasileiro.
Nos últimos 12 meses, diretores e porta-vozes do IQC deram mais de mil entrevistas, aulas e palestras, para órgãos de mídia e instituições de ensino de todo o Brasil e das mais diversas partes do mundo. Apenas Natalia Pasternak foi ouvida pela imprensa nacional 782 vezes nesse período, e 17 vezes por veículos internacionais.
A equipe da Revista Questão de Ciência nunca esteve tão ativa, e também nunca enfrentou desafios maiores. A perda da experiente jornalista Ruth Helena Bellinghini representou um golpe duro e inesperado. Por outro lado, a contratação de um novo repórter, Bruno Vaiano, busca imprimir um dinamismo renovado ao conteúdo. A RQC publicou, desde janeiro deste ano, 207 artigos, uma média de 4,5 por semana.
Seguimos com mais de um milhão de acessos acumulados no período, um crescimento de 8% em relação ao período janeiro-novembro do ano anterior, e de 21% na comparação dos últimos 12 meses com o intervalo de 19 novembro de 2019 a 19 de novembro de 2020. Computamos 2,68 milhões de leitores novos e 3,48 milhões de acessos desde a inauguração do Instituto, em 2018.
A coluna da presidente, “A Hora da Ciência”, no Jornal O Globo, continua a pleno vapor. Pasternak ganhou uma coluna de mesmo nome na radio CBN. O comentário vai ao ar ao vivo toda terça de manhã no Jornal CBN, e às quintas à tarde no programa Ponto Final.
O ano ficou marcado também pela mudança da presidente e do editor-chefe da revista para os EUA, com o convite para Pasternak assumir uma posição como professora adjunta na Universidade de Columbia, no departamento de Ciência e Sociedade. Pelos próximos anos, desenvolverá atividades de pesquisa e docência na área de comunicação de ciência e políticas públicas, em parceria com o renomado neurocientista e comunicador científico Stuart Firestein. Essas atividades incluem oferecer um curso de pós-graduação na escola de relações internacionais e políticas públicas de Columbia, a SIPA, sobre políticas públicas baseadas em evidências científicas.
Curso parecido já é oferecido por Pasternak no Brasil, na Fundação Getúlio Vargas, escola de Administração Pública, onde a presidente também estreou em 2021 como professora convidada. O curso na FGV segue sendo oferecido anualmente no formato online.
O convite para Columbia marcou também uma maior participação e reconhecimento internacional do IQC. Se no ano passado já ficamos honrados com a nomeação da presidente para o Comitê Cético Internacional e a conquista do prêmio Navalha de Ockham, este ano trouxe oportunidades de participações em diversos eventos internacionais. Pasternak foi “keynote speaker” no Congresso 2021 Back and Neck Pain Forum, Austrália, para falar de comunicação de ciência para o público e gestores. Participou, em companhia de Jeffrey Sachs e Wilmot James, do evento promovido pelo ISERP (Institute for Social and Economic Research and Policy, Columbia University – Instituto de Pesquisas e Políticas Sociais e Econômicas) intitulado The History and Future of Planetary Threats (A História e o Futuro das Ameaças Globais). Foi convidada a fazer parte da Quinta Conferência de Gerenciamento de Infodemias pela Organização Mundial de Saúde (OMS). Foi convidada para falar sobre aceitação de vacinas no Brasil na ONG internacional Sabin Institute, em Washington DC, gravou um dos mais tradicionais e conhecidos podcasts de divulgação de ciência, o Talk Nerdy To Me, com Cara SantaMaria, e participou, como professora convidada, do curso introdutório de ciências para os calouros de Columbia, ao lado de Stuart Firestein. Estreou também como colunista no portal Medscape internacional.
O IQC termina este terceiro ano de vida comemorando o status de finalista do prêmio Jabuti do primeiro livro dos nossos diretores Pasternak e Orsi, “Ciência no Cotidiano”, da editora Contexto. Termos um livro que cumpre a missão do instituto como finalista do maior prêmio literário do país é certamente uma grande conquista para uma organização tão jovem. O segundo livro do casal, “Contra a Realidade”, da editora Papirus 7 Mares, retratou as origens e o desenvolvimento dos diversos negacionismos, e seus desdobramentos no Brasil e no mundo.
Fechamos o aniversário relembrando e homenageando a repórter Ruth Helena Bellinghini, que nos deixou em agosto. O prêmio de jornalismo criado em seu nome buscará reconhecer as qualidades do jornalismo de ciência e de saúde que eram tão marcantes em nossa colega: o rigor científico, a excelência do texto, e sobretudo, a coragem de tratar de temas vistos como polêmicos e controversos.
Quando estabelecemos o IQC, Edzard Ernst, o maior especialista mundial em terapias alternativas, veio a nosso convite ao Brasil e falou sobre a importância de “apontar e expor os charlatões”. A pandemia transformou esse lema audacioso em condição necessária, imperativo absoluto para reduzir, na medida do possível, a contagem de corpos.
Chegamos ao centro do debate público brasileiro contemporâneo não por projeto ou desejo, mas por necessidade – não nossa, mas do Brasil. Preferiríamos que não fosse assim. Mas, tendo aceitado o desafio, não fugiremos dele.