O Instituto Questão de Ciência completa dois anos em meio à maior crise sanitária dos últimos cem anos. E certamente, junto com a pandemia, a maior crise de desinformação em ciência, um mar sem fim de pseudociência, ciência mal feita, e nosso novo conceito, a ciência zumbi, aquela feita apenas para somar estrelinhas ao currículo dos pesquisadores, sem trazer nenhum fato relevante, seja para a ciência, seja para a sociedade.
Foi neste ambiente que o nosso Instituto entrou em seu segundo ano de vida. Optamos por rever todos os nossos planos para 2020 e cuidar de um Brasil doente. Ao longo deste ano, o IQC cuidou do paciente tentando mantê-lo alerta para as falsas promessas de curas milagrosas e charlatões, esclarecendo e traduzindo a ciência em tempo real, para que o público não especialista pudesse acompanhar as notícias, e oferecer orientação científica de como se comportar para minimizar o risco e proteger-se e aos entes queridos.
Os projetos para 2020 teriam que esperar. Foi com dor no coração que adiamos, por duas vezes, o Congresso Global de Pensamento e Atitude Científica, em parceria com o Aspen Institute de Nova York, que estava previsto para março de 2020 em Roma. Adiamos o World Skeptic Congress para 2022. Nosso primeiro curso de Comunicação Pública da Ciência, em parceria com o IPPRI-Unesp, também teve que esperar.
A campanha 1023, que deveria ter rodado o ano todo, com eventos, seminários, e palestras, também deu lugar para a pandemia. Resolvemos direcionar todas as nossas energias para cuidar do nosso país doente.
A equipe da Revista Questão de Ciência nunca esteve tão ativa. A contratação do novo editor assistente, o experiente Cesar Baima, veio em ótima hora. A equipe, de apenas quatro pessoas, publicou desde janeiro deste ano, 294 artigos, uma média de 5,3 artigos por semana. Tivemos mais de um milhão de acessos, um crescimento de 370% em relação ao ano anterior. Computamos 1,08 milhão de leitores novos e 1,75 milhão de acessos desde a inauguração. Nosso crescimento de audiência desde a inauguração em 2018 foi de 10.106.846,15%.
O artigo mais lido da revista este ano foi "Ivermectina é o novo bezerro de ouro da pandemia", por Natalia Pasternak (lido 163 mil vezes).
O IQC se manteve sempre na liderança da defesa da ciência. Fomos os primeiros a apontar o embuste da cloroquina, logo após a primeira publicação do médico Didier Raoult, em março, com nosso artigo Ninguém provou que hidroxicloroquina cura COVID-19, de Natalia Pasternak e Luiz Almeida. Denunciamos todos os tratamentos sem base científica oferecidos durante a pandemia, desde cloroquina, até homeopatia,ivermectina, nitazoxanida e ozonioterapia. Publicamos diversos artigos sobre vacinas, tirando dúvidas e esclarecendo tecnologias e testes clínicos. Fomos os primeiros a denunciar o uso equivocado de testes rápidos sorológicos para diagnóstico de COVID-19.
Fomos além da revista e criamos o Diário da Peste, uma “live” semanal apresentada pela nossa presidente Natalia Pasternak, em parceria com Maurício Nogueira, professor titular da Faculdade de Medicina de Rio Preto, da USP. A presidente também trouxe grande visibilidade para o Instituto com sua coluna semanal A Hora da Ciência no jornal o Globo, a coluna mensal – em parceria com o editor-chefe Carlos Orsi – na revista The Skeptic, do Reino Unido, além do convite para integrar o Comitê para Investigação Cética, dos EUA, tornando-se a primeira brasileira membro desta organização, fundada por Carl Sagan em 1976.
Pasternak recebeu também o prêmio internacional Navalha de Ockham, em reconhecimento pelo seu trabalho com promoção do ceticismo e do pensamento crítico no Brasil. Finalmente, a presidente foi convidada pela ONU para compor a Equipe Halo, um time de cientistas que presta esclarecimentos sobre vacinas no aplicativo TikTok.
Além das publicações na Revista Questão de Ciência, nossa presidente publicou mais de 120 artigos em jornais e revistas de grande circulação, e fez mais de 500 aparições públicas, entre participação em eventos, lives, seminários, palestras, cursos, entrevistas e jornais de redes nacionais de televisão.
O IQC também organizou, em parceria com a agência Bori, dois eventos exclusivos para jornalistas, um tira-dúvidas sobre vacinas, e um curso no formato de “bootcamp”, também sobre vacinas. O curso atraiu jornalistas dos maiores veículos de mídia do Brasil, e foi patrocinado pelo Instituto Sabin, de Washington, que já expressou interesse em novas edições e expansão para América Latina.
Em resposta ao anúncio do Ministério da Saúde de que realizaria um ‘Dia D” para promover sua estratégia – anticientífica, porque baseada em medicamentos ineficazes – para a COVID-19, o IQC rapidamente organizou, para a mesma data e horário, o “Dia C” da Ciência, e trouxe cientistas respeitados e jornalistas para orientar sobre cuidados básicos de prevenção da doença. O Dia C contou também com a participação de sete ex-ministros de Saúde, que avaliaram o papel do governo na pandemia.
O ano também foi marcado pela morte de um dos pais do movimento cético internacional, o mágico James Randi. Randi foi um de nossos apoiadores desde o começo, e gravou nosso vídeo de inauguração em 2018. Para homenageá-lo, o IQC ofereceu uma tarde de mágica e ceticismo, em parceria com o grupo Mágicos pela Ciência.
Chegamos aos nossos dois anos de vida cumprindo pelo menos parte do nosso projeto 10:23. Lançamos nosso Contra-dossiê de Evidências da Homeopatia, conforme prometido no ano passado, em resposta ao “Dossiê Especial: Evidências Científicas em Homeopatia”, elaborado pela Câmara Técnica de Homeopatia do Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo (Cremesp), e publicado em 2017 como edição especial da revista da Associação Paulista de Homeopatia (APH). No Contra-dossiê, avaliamos os principais argumentos e artigos apresentados no documento da Câmara Técnica com o melhor rigor científico, demonstrando inequivocamente que a homeopatia não se sustenta com base em evidências.
Para o próximo ano, quando o mundo estiver curado, devemos retomar o Congresso de Pensamento Científico, não mais em Roma, mas em formato virtual, no mês de março. O Congresso Cético Mundial deve acontecer em 2022. O IQC também pretende inaugurar sua linha editorial própria, e lançar a coleção “Que Bobagem!”, com temas de pseudociência, em livrinhos de bolso, curtos e fáceis de ler, para qualquer pessoa, sem conhecimento prévio em ciência, que tenha interesse nestes temas.
Pretendemos também inaugurar nosso braço de educação, e organizar cursos e workshops para professores de Ciências da rede pública, e finalmente realizar o curso de Comunicação Pública da Ciência em parceria com a Unesp.
Com muito orgulho, também anunciamos nossos primeiros passos para o fomento da pesquisa científica no Brasil. Uma parceria com a Dimension Sciences, nos EUA, nos permitirá fomentar seis bolsas de mestrado por ano, dentro da temática de políticas públicas baseadas em evidências. Pretendemos, assim, iniciar uma atuação mais marcante na formação de jovens cientistas, engajados em garantir que a ciência seja respeitada na gestão da sociedade.
Terminamos o ano exaustos, mas com a sensação de missão cumprida. A existência do IQC no Brasil durante a pandemia mostrou como a comunicação da ciência é tão importante quanto o desenvolvimento da ciência. Nossa equipe, com apenas nove pessoas, não teve feriados nem fins de semana este ano. Sabemos que nosso trabalho se reflete diretamente em vidas. Cada pessoa que deixa de usar uma cura milagrosa, que compreende a importância de usar máscara e fazer distanciamento físico, torna-se alguém capaz de salvar vidas. Cada pessoa que compartilha nosso conteúdo, também. A esses, somos extremamente gratos. São vocês que fazem nosso trabalho valer a pena.
Saímos deste ano com a certeza de que nunca fomos tão necessários, e a satisfação de um trabalho bem feito e reconhecido internacionalmente. Mas também com a certeza de que ainda temos muito a fazer. Somos, afinal, um bebê de dois anos, a dar os primeiros passos firmes, e arriscar correr. Com a certeza – ou ingenuidade – dos pequenos, de que estamos prontos para mudar o mundo.