Medicina chinesa, jogada de marketing

Artigo
21 ago 2024
mapa de pontos de acupuntura

 

Notícia recente publicada na Folha de S. Paulo anuncia que a China aposta na ampliação de sua medicina tradicional e busca integrá-la à ocidental. Isso não representa exatamente uma novidade. A ação de marketing relacionada à medicina chinesa teve início ainda nos anos 1950.

Mao Tsé-Tung, fundador da República Popular da China e criador do termo Medicina Tradicional Chinesa (MTC), chegou ao poder com a revolução comunista de 1949. Mao não se fiava na eficiência da MTC, como fica evidente em fala registrada no livro de memórias de seu médico particular, Li Zhisui – “embora acredite que devemos promover a Medicina Chinesa, não acredito nela. Não uso Medicina Chinesa” –, o livro identificava nela o potencial de promover a imagem da China para o Ocidente.

A forma mais popular de MTC é a acupuntura. Adeptos da modalidade acreditam que o corpo humano seja percorrido por meridianos onde circula uma energia vital chamada “chi”. Bloqueios desse fluxo seriam a causa das doenças. A aplicação de agulhas em alguns pontos específicos do corpo faria com que a energia voltasse a fluir normalmente, restabelecendo a saúde do paciente. Nunca houve, porém, qualquer comprovação da existência dos meridianos, da eficácia dos acupuntura (diferentes “escolas”, aliás, preconizam diferentes pontos) e do chi.

Argumentos no debate público defendendo a prática apoiam-se, em sua grande maioria, em falácias lógico-argumentativas. Dizer que a prática funciona e seus princípios são sólidos porque é milenar equivale a defender a utilização de exorcismos: afinal, também é milenar e também estipula a ação de forças invisíveis (no caso, espíritos malignos) no corpo humano. Apelar à popularidade (“muitas pessoas no mundo usam, logo deve ser bom”) é análogo a dizer que fumar deve ser benéfico, porque mais de um bilhão de pessoas no mundo fumam.

A Colaboração Cochrane, organização internacional que avalia a evidência de eficácia de tratamentos médicos, analisou estudos sobre o uso da acupuntura para 60 condições de saúde. Quando se consideram apenas os estudos de boa qualidade, não existe evidência de benefício da acupuntura para nada.

À falta de evidência empírica soma-se também a implausibilidade teórica. Não há consenso entre as várias “escolas” sobre os pontos corretos para a aplicação das agulhas: imagine, em comparação, o escândalo que seria se houvesse diferentes “escolas” de cirurgia discordando sobre onde passam as veias e artérias. Esta discrepância é reconhecida até mesmo nas publicações dedicadas à acupuntura, como o Journal of Acupuncture and Meridian Studies.

A acupuntura integra as 29 Práticas Integrativas e Complementares (PICs) do SUS, que incluem diversas terapias desprovidas de embasamento científico. No âmbito pessoal, qualquer pessoa é livre para cuidar da saúde como achar melhor. A definição de políticas públicas, porém, não pode se pautar pela adoção de práticas duvidosas. Diferentemente de Mao, o Estado Brasileiro não deveria tratar a saúde da população como jogada de marketing.

 

Marcelo Yamashita é professor do Instituto de Física Teórica (IFT) da Unesp e membro do Conselho Editorial da Revista Questão de Ciência. 

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