Xilitol, mais um adoçante que vira alvo de alarmismo

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20 jun 2024
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pasta de dente

 

Quase um ano após ter discutido os supostos efeitos deletérios (exagerados, e provavelmente falsos) do edulcorante eritritol, fui contemplado por um novo estudo, do mesmo grupo de autores, que agora volta suas atenções ao xilitol, um poliol utilizado como adoçante e que, de acordo com os resultados apresentados, aumenta o risco de formação de coágulos sanguíneos e está associado ao risco de complicações cardiovasculares. Como no caso anterior, o alarme é, para dizer o mínimo, exagerado.

Vários portais de notícia aproveitaram a suposta “descoberta” e, ao invés de discutir o tema de maneira sóbria, publicaram títulos sensacionalistas como: “Xilitol, o açúcar extraído da fibra das plantas, pode aumentar o risco de AVC, revela novo estudo; entenda”.

Obviamente, essa tática de “click-bait” é benéfica para os portais de notícia, já que aumenta o engajamento, mas prejudica quem usa o adoçante, pessoas que se tornam alvo de desinformação e que podem se assustar por estarem ingerindo uma substância “supostamente” perigosa.

No entanto, por mais que eu queira afirmar que a imprensa é a única culpada por esse problema, não é o caso. Conforme li em diversos portais de notícia brasileiros e dos Estados Unidos, os próprios autores deram entrevistas para aumentar a visibilidade do estudo e falar contra o consumo de xilitol - principalmente por pessoas que estão em grupos de risco para doenças cardiovasculares, como os diabéticos.

Para ilustrar, o autor líder da pesquisa, Stanley Hazen, afirmou – em tradução livre:

“Estamos jogando esse negócio em nossa pirâmide alimentar, e as pessoas que apresentam maior propensão de consumi-lo são as mesmas que apresentam maior risco de infarto e ataque cardíaco, como as pessoas com diabetes”.

Apesar desta alegação enfática, tenho minhas dúvidas quanto à solidez das evidências levantadas em sua pesquisa.

Mas antes de discutirmos isso, é importante entender o que é o xilitol.

 

Xilitol

Como bem descrito no artigo “Xilitol: edulcorante com efeitos benéficos para a saúde humana”, o xilitol é um álcool de açúcar, de baixo valor calórico (2,4 Kcal /grama) e baixo índice glicêmico. É amplamente utilizado pela indústria alimentar como aditivo para melhorar o sabor, textura e conservação de doces, chocolates, gomas de mascar, entre outros. Já na indústria farmacêutica, é utilizado para a confecção de pastas dentais, devido ao seu efeito anticariogênico (ação protetora contra cárie dentária), e na produção de xaropes de tosse.

Por apresentar um poder adoçante semelhante ao do próprio açúcar e não ter sabor residual, o xilitol ganhou popularidade entre pessoas que buscam alternativas ao açúcar e não se adaptam a outros adoçantes que têm retrogosto, como a sacarina. Além disso, devido ao seu baixo índice glicêmico e à capacidade de não ocasionar picos abruptos na glicemia, pode ser recomendado para pessoas com diabetes.

O adoçante é produzido industrialmente, a partir de biomassa vegetal, e também pode ser encontrado naturalmente, e em pequenas quantidades, em algumas frutas (como morangos e bananas, por exemplo), legumes (cenoura, cebola, berinjela, etc.) e, surpreendentemente, no próprio corpo humano a partir do metabolismo da glicose. Dentro de um organismo saudável e com um metabolismo normal, a produção de xilitol pode variar de 5g a 15g por dia

Além disso, o xilitol é considerado uma substância atóxica, classificado como um aditivo do tipo GRAS (Generally Regarded as Safe, ou “em geral, visto como seguro”) pela FDA e aprovado como aditivo alimentar por diversos órgãos regulatórios do mundo, incluindo União Europeia e Brasil.

Em outras palavras, até o momento, é considerado seguro para utilização na indústria e para o consumo humano. O estudo “Oral xylitol in American adults” verificou que doses de até 20g são bem toleradas pela maior parte das pessoas, mas o consumo superior a 60g por dia pode gerar efeitos laxativos.

Dado esse breve contexto, podemos tratar do que os autores alarmistas realmente encontraram nesta pesquisa – spoiler: uma hipótese que ainda precisa ser verificada, nada mais.

 

Complicações cardiovasculares

Witkowski, M. et al. publicaram um artigo intitulado “Xylitol is prothrombotic and associated with cardiovascular risk”, no qual conduziram diversos tipos de pesquisa para investigar se o consumo de xilitol está relacionado a um aumento no risco de eventos cardiovasculares.

Primeiramente, foi conduzida uma pesquisa do tipo “discovery cohort”, que, como o nome sugere, é um estudo observacional destinado a identificar fatores, padrões, populações ou substâncias associadas a um determinado desfecho. Neste caso,  analisaram-se 1.157 amostras de plasma sanguíneo para identificar substâncias cujas concentrações poderiam estar relacionadas ao desenvolvimento futuro de problemas cardiovasculares ao longo de um período de acompanhamento de três anos.

As amostras vieram de indivíduos inscritos entre 2001 e 2003 no GeneBank, um centro de pesquisa na Clínica Cleveland. Características gerais dos participantes: idade média de 65 anos; majoritariamente masculinos (64%); com IMC de 28,4 (indicativo de sobrepeso); com histórico de doença cardiovascular (76%), doença arterial coronariana (76%) e infarto do miocárdio (46%); hipertensos (72%); e cerca de 30% apresentava estenoses (obstrução) em três veias coronarianas.

O segundo ensaio clínico foi uma “validation cohort”, que, como o nome sugere, é um estudo onde investiga-se uma substância, padrão, etc. separadamente, para tentar confirmar os resultados encontrados no “discovery Cohort”.

Nesta pesquisa, foi utilizada uma análise de cromatografia líquida acoplada à espectrometria de massas (LC-MS/MS), uma técnica capaz de separar e medir a relação “massa/carga” de íons, identificar substâncias mesmo em misturas complexas e quantificá-las.

Salienta-se que esta análise foi desenvolvida especificamente para quantificar o xilitol e diferenciá-lo de seus isômeros estruturais, substâncias que apresentam a mesma fórmula molecular, mas estruturas moleculares diferentes.

A técnica foi aplicada em 2.148 amostras de plasma de voluntários do GeneBank, que se inscreveram entre 2003 e 2005, ou seja, uma amostra diferente do “discovery cohort”. As características gerais destes voluntários: idade média de 63 anos; majoritariamente do sexo masculino (64%); IMC de 28,4; hipertensos (70%); com histórico de doença cardiovascular (78%), doença arterial coronariana (75%) e infarto do miocárdio (40%); e 32% apresentando estenoses (obstrução) em três veias coronarianas.

O terceiro e último ensaio realizado em humanos consistiu em um ensaio clínico com dez voluntários saudáveis, com mais de 18 anos, que não utilizaram medicamentos antiplaquetários nos últimos 14 dias, antibióticos ou probióticos no último mês, ou que tivessem alguma doença que poderia alterar os resultados do experimento, como distúrbios gastrointestinais crônicos ou diabetes mellitus.

Ao iniciar o experimento, foram coletadas amostras de sangue de todos os voluntários para verificar os níveis de xilitol antes da intervenção. Depois, os participantes foram instruídos a realizar um jejum noturno de 12 horas ou mais. No dia seguinte, ao chegarem no laboratório, receberam uma bebida adoçada artificialmente com 30g de xilitol dissolvido em água e foram instruídos a consumi-la em, no máximo, dois minutos.

Em seguida, foram coletadas amostras de sangue de quatro voluntários, submetidas à espectrometria de massa por cromatografia em fase líquida, um método que fragmenta a amostra em componentes individuais, facilitando a identificação e quantificação das substâncias. Observou-se que os níveis máximos do xilitol ocorriam 30 minutos após a ingestão.

Paralelamente, os pesquisadores também investigaram quais mudanças ocorreriam nas plaquetas do sangue após a ingestão do xilitol. Para isso, o plasma rico em plaquetas foi isolado imediatamente após a coleta de sangue.

Os próprios participantes serviram como controles: compararam-se os níveis de xilitol e os índices de função plaquetária antes da ingestão e 30 minutos após.

Também foram realizados estudos complementares. Dentre eles, um estudo em modelo animal para testar se a elevação dos níveis plasmáticos de xilitol resulta em um aumento do potencial de trombose.

Como resultado, observou-se no “discovery cohort” que o xilitol – e seus isômeros – estavam em níveis elevados em sujeitos que experimentaram um evento adverso cardiovascular maior (MACE) nos três anos seguintes.

Resultados semelhantes também apareceram no “validation cohort”, onde, novamente, níveis elevados de xilitol foram observados em voluntários que sofreram um MACE. Análise estatística apontou que sujeitos com níveis plasmáticos mais altos de xilitol apresentaram um risco significativamente aumentado de MACE em 57%.

Além disso, dados do terceiro teste, que investigou os efeitos do consumo de xilitol, mostraram que os voluntários apresentaram inicialmente níveis plasmáticos baixos de xilitol antes da intervenção. Contudo, 30 minutos após a ingestão, esses níveis aumentaram em 1.000 vezes. Mais preocupante ainda, observou-se a ativação de várias medidas funcionais da responsividade plaquetária, indicando uma possível relação entre o consumo de xilitol e agregação plaquetária.

No entanto, é importante notar que depois de quatro a seis horas, os níveis plasmáticos retornaram próximo à normalidade, sugerindo que os valores observados no “validation cohort” são mais provavelmente representativos de variações na produção endógena do que do consumo de alimentos contendo o adoçante.

Estudos complementares demonstraram que o xilitol aumentou vários índices de reatividade plaquetária e da formação de trombose.

Por exemplo, em um estudo com animais, dois grupos de camundongos foram submetidos a uma lesão na artéria carótida. O grupo controle recebeu uma solução salina, enquanto o grupo de intervenção recebeu injeções de xilitol. Foi observado que os camundongos do grupo de intervenção apresentaram um aumento significativo na formação de coágulos e uma redução considerável no tempo até a cessação do fluxo sanguíneo após a lesão.

Com base nesses achados, os autores concluem que o xilitol está associado ao aumento do risco de incidência de MACE, além de  aumentar a reatividade plaquetária e o potencial de trombose in vivo.

 

Sem conclusão

No entanto, é importante notar que o estudo apresenta limitações significativas.

A principal é que tanto o “discovery cohort” quanto o “validation cohort” são estudos observacionais. Devido à sua metodologia, não têm o poder de provar uma relação de causa e efeito. Portanto, no máximo, esses estudos podem estabelecer correlações entre um fator e um desfecho. Explicamos melhor disso aqui, aqui e aqui.

Os próprios autores reconhecem que os estudos de coorte utilizados não coletaram informações dietéticas, impossibilitando a avaliação da qualidade da dieta, dos alimentos consumidos e, mais importante, da quantidade de xilitol ingerida normalmente pelos participantes. Isso levanta uma nova questão: se não foi analisado o quanto de xilitol foi consumido, e os autores afirmaram que os participantes com os maiores níveis circulantes de xilitol apresentavam maior risco de MACE, como podemos afirmar que esse aumento é devido ao consumo do adoçante? Não podemos. Uma explicação alternativa, muito mais plausível, é que se trata da produção endógena de xilitol, e que o consumo não teve relação direta com os níveis circulantes no sangue – algo que eles reconheceram ao verificar a velocidade em que os níveis de xilitol retornam à normalidade após o consumo da bebida adoçada.

Ainda é preciso salientar que os estudos de coorte também não investigaram a presença de outros hábitos relacionados à vida saudável, como a prática de atividades físicas. É possível que uma parte significativa da amostra fosse composta por pessoas sedentárias, mas como essa informação não foi coletada, nunca saberemos.

Se isso não fosse suficiente para mantermos um certo ceticismo em relação aos resultados, destaca-se que a maioria dos voluntários apresentava uma alta carga de fatores de risco para doenças cardiovasculares. Possivelmente, estamos diante de mais um caso de associação indevida entre os níveis circulantes de polióis e o consumo de xilitol, erro que este mesmo grupo de autores cometeu no passado, ao tratar do eritritol. 

No entanto, devo admitir que o ensaio clínico que investigou a responsividade plaquetária suscitou algumas hipóteses interessantes. Caso ele seja replicado e os resultados se confirmem, teremos uma base um pouco mais sólida para entender como o xilitol atua no organismo e os seus potenciais efeitos adversos.

Até lá, com base nas informações disponíveis até o momento, é seguro afirmar que os adoçantes – independentemente de sua natureza – continuam sendo opções viáveis e seguras para quem deseja reduzir o consumo de açúcar na dieta. Claro, esse entendimento pode mudar a qualquer momento, mas, para que isso ocorra, são necessários estudos com um grande número de voluntários, metodologicamente robustos e, idealmente, não apenas observacionais.

Uma versão um pouco diferente deste artigo foi publicada originalmente no American Council on Science and Health, você pode lê-lo aqui.

 

Mauro Proença é nutricionista

 

REFERÊNCIAS

MANTEL, B. Common sugar substitute linked to increased risk of heart attack and stroke. 2024. Disponível em: https://www.yahoo.com/news/common-sugar-substitute-linked-increased-130040929.html.

MUSSATTO, S. e ROBERTO, I. Xilitol: edulcorante com efeitos benéficos para a saúde humana. Rev. Bras. Cienc. Farm. 38 (4). Dez 2002. Disponível em: https://www.scielo.br/j/rbcf/a/W7wsrFqVKVkT8Lsp3RzYRgx/#.

CULBERT, S. et al. Oral xylitol in American adults. Nutrition Research. Volume 6, Issue 8, August 1986, Pages 913-922. Disponível em: https://www.sciencedirect.com/science/article/abs/pii/S0271531786800665.

WITKOWSKI, M. et al. Xylitol is prothrombotic and associated with cardiovascular risk. European Heart Journal, 2024, ehae244. Disponível em: https://academic.oup.com/eurheartj/advance-article-abstract/doi/10.1093/eurheartj/ehae244/7683453?redirectedFrom=fulltext..

JÚNIOR, D. et al. Revisão sobre cromatografia líquida acoplada à espectometria de massas aplicada à análise toxicológica de alimentos. Research, Society and Development, v. 10, n.5, e47910515419, 2021. Disponível em: https://rsdjournal.org/index.php/rsd/article/download/15419/13613/197600.

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