A alta do dólar no Brasil tem sido um dos tópicos mais controversos do governo Bolsonaro. Em outubro de 2018, quando o atual presidente foi eleito, o valor do dólar estava abaixo de R$ 3,70, e até 2020 manteve flutuações “modestas”: queda de 0,48% em 2018 e alta de 3,5% em 2019. Foi apenas em 2020 que ocorreu o grande salto para os valores que vemos hoje. O dólar, que abriu valendo R$ 4,01 em janeiro daquele ano e fechou a R$ 5,189 em dezembro, acumulou uma alta de 29,33%.
Em edição recente, o jornal Folha de S. Paulo abordou o tema da alta do dólar sob a perspectiva do investimento externo no Brasil. Através do denominado “custo Bolsonaro”, refletido tanto na alta do dólar para além da previsibilidade de modelos macroeconômicos como também em inflação e juros, a reportagem buscou explicar a “queda abrupta no ingresso de investimentos estrangeiros produtivos” e a alta da miséria no país. De acordo com a reportagem, a cotação de mercado do dólar se diferenciou em mais de 27% da cotação baseada em fatores estruturais. Dessa forma, essa alta poderia ser atribuída ao tal “custo Bolsonaro”, definido pela transmissão da instabilidade política do atual governo para a economia.
Vale lembrar que o caso não é especial. Um exemplo recente é o do Brexit, termo que se refere à saída do Reino Unido da União Europeia. Ali, após a vitória daqueles que votaram pela saída, economistas e investidores ficaram pessimistas e muitas análises macroeconômicas fizeram projeções negativas refletindo as incertezas políticas, econômicas e financeiras. Em relatório publicado pela London School of Economics, projeções de longo prazo estimaram uma perda de até 10 pontos porcentuais no PIB do Reino Unido como consequência do Brexit.
De fato, a atenção para os efeitos comportamentais sobre os índices econômicos tem representado um momento importante no campo da macroeconomia. O campo, responsável pelo estudo dos agregados econômicos, é um dos dois pilares da ciência econômica, junto com a microeconomia, e estuda variáveis como produto, desemprego e inflação a partir de efeitos de curto, médio e longo prazo (Blanchard, 2007). Contudo, desde a crise financeira de 2008, originada nos Estados Unidos e envolvendo as hipotecas “subprime”, enfrenta críticas e o desafio de construir modelos que sejam capazes de melhor prever flutuações acentuadas pela expectativa e humor dos principais agentes econômicos.
Uma área que se beneficiou com a recente mudança de perspectiva foi o das ciências comportamentais, em especial a economia comportamental. Unindo economia à psicologia, a economia comportamental busca estudar o efeito de diferentes variáveis, como fatores sociais, econômicos e emocionais, no processo de decisão de indivíduos e instituições. Contribuições recentes no campo renderam um Prêmio Nobel para Richard Thaler, em 2017, pesquisador que “ao explorar as consequências de racionalidade limitada, preferências sociais e falta de autocontrole, mostrou como essas características humanas afetam sistematicamente decisões individuais, assim como resultados de mercado”,
No campo da macroeconomia, a economia comportamental tem sido importante ao demonstrar como esses efeitos sistemáticos podem afetar resultados dos agregados econômicos, inclusive propondo aplicações práticas em políticas públicas, ao lado de instituições governamentais.
Em São Paulo, por exemplo, o (011).lab, Laboratório de Inovação em Governo da Prefeitura de São Paulo, buscou um aumento da arrecadação municipal por meio da aplicação desses insights. Após simplificar a carta enviada para quem está em situação de inadimplência, o (011).lab conseguiu propor uma versão do documento que aumentou a taxa de regularização em 8,4%, em um experimento aleatório controlado que envolveu mais de 15 mil paulistanos. Em um ano, esse valor poderia corresponder a um acréscimo de cerca de R$ 60 milhões à arrecadação do munícipio.
Mas além de contribuições práticas, a economia comportamental trouxe uma maior clareza para os vieses existentes em projeções macroeconômicas. Um estudo brasileiro, recentemente publicado, procurou verificar a existência desses vieses ao aplicar, ao contexto brasileiro, a análise de evidência da literatura. Após examinar projeções de PIB e IPCA, publicadas principalmente entre 2000 e 2018, os cientistas foram capazes de identificar uma reação exagerada ou sub-reação no comportamento dos profissionais que realizam tais projeções, revelando viés otimista em ambos os casos.
É importante notar que índices econômicos como esses são importantes para medir e balizar expectativas do mercado, e uma análise desses dados é uma etapa fundamental no processo de tomada de decisão dos principais agentes do mercado financeiro.
Recentes estudos realizados por economistas comportamentais mostram como parte dos resultados de mercado pode ser atribuída a vieses emocionais dos agentes econômicos, tanto nos processos de decisão que compõem esses resultados como na projeção desses resultados por profissionais. Os dados corroboram a hipótese do chamado “custo Bolsonaro”, que relaciona um dólar mais caro, mais inflação e juros à crise de imagem pública e ao excesso de polêmicas do atual governo.
Neste momento, o governo Bolsonaro atravessa sua maior reprovação, embalado por escândalos como a suspeita de corrupção na compra de vacinas para a COVID-19. Segundo pesquisa divulgada pelo Atlas Político no final de julho, a rejeição de Bolsonaro já alcançou 62%, e o candidato perderia para todos os principais rivais em um eventual segundo turno. Enquanto isso, o IPCA, índice que mede inflação, sobe pela vigésima semana seguida e aparece relacionado à perda de qualidade do prato feito dos mais pobres, causada por diminuição do poder de compra do brasileiro.
Davi Ribeiro Bueno é graduando em Economia na Universidade de São Paulo e bolsista no projeto PUB-USP de extensão Economia Comportamental e a Divulgação Científica da Psicologia. Trabalho elaborado como parte das atividades do projeto e extensão PUB-USP “Economia Comportamental e a Divulgação da Psicologia”, coordenado por Marcelo Benvenuti (IP-USP)