Impacto de reabertura de escolas ainda é desconhecido

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1 abr 2021
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O jornal Folha de S.Paulo publicou matéria, no dia 30 de março, mencionando um preprint (um artigo ainda não submetido à análise pelos pares) que mostraria que a volta às aulas não teria nenhum efeito significativo no agravamento da pandemia. Os autores do estudo citado afirmam que a comparação entre cidades que permitiram e que não permitiram o retorno de atividades presenciais nas escolas não mostra nenhum impacto das aulas na escalada da COVID-19. E isso é verdade, mas simplesmente porque o desenho do estudo foi inadequado para responder de forma clara à questão. Parece que o desastre da cloroquina, desencadeado pela divulgação apressada de preprints na imprensa, não ensinou nada a alguns jornais.

O chuchu costuma ser encarado como um alimento sem graça, que adquire o sabor dos demais ingredientes que compõem a receita. Suponha, porém, que um restaurante faça um experimento com dois pratos de feijoada para estudar o sabor desse vegetal. Em um prato, a feijoada foi preparada com alguns cubos de chuchu e, no outro, sem. Se fizermos este experimento fictício para ver se as pessoas conseguiriam identificar o prato com e sem chuchu na preparação, desde que os cubos não sejam claramente visíveis no caldo, é certo que não teremos nenhum resultado além daquele esperado por mero acaso.

Uma variação deste exemplo já foi utilizada no artigo publicado nesta revista que responde à pergunta "A água gira diferente nas pias do Hemisfério Norte?". A moral da história é que não podemos propor um experimento para verificar o efeito de algo se este efeito simplesmente desaparece no meio do conjunto total dos dados analisados.

Os autores do artigo mencionado não observam diferença nas cidades que abriram e que não abriram as escolas porque qualquer efeito é mascarado pela análise realizada, que levou em conta todo o conjunto da população das cidades. O porcentual de pessoas que é afetado pelo retorno das aulas desaparece na própria incerteza dos dados.

Isso também explica por que os autores observam uma "melhora" da pandemia em algumas cidades que abriram escolas. Baseado no estudo equivocado, o texto da Folha dá, erroneamente, a entender que não haveria impacto negativo no retorno às escolas, já que isso não afetaria os contágios.

A matéria acerta, porém, ao mencionar que não houve efeito estatisticamente significativo (melhor seria dizer estatisticamente perceptível) e que a análise "não afasta a possibilidade de que a volta às aulas traga riscos para estudantes, suas famílias e funcionários da escola".

O que se depreende do preprint é que a reabertura de escolas parece não causar um agravamento perceptível da pandemia – quando os dados globais de cada município são analisados. Mas um agravamento imperceptível – como o sabor do chuchu no caldo de feijoada – não equivale a agravamento inexistente, ao suposto “fato” de que o chuchu não está lá.

Crucialmente, o estudo não diz nada sobre o impacto da reabertura das escolas na população escolar e seu entorno. Voltando à metáfora do chuchu, se você quer determinar se ele está na feijoada ou não, não basta provar o prato, é preciso peneirar o molho. E isso não foi feito.

A matéria, tal como publicada, descrevendo acriticamente o artigo, dando voz apenas a seus autores, presta um desserviço ao sugerir que as aulas poderiam retornar sem nenhum prejuízo à sociedade. O estudo citado simplesmente não analisa o efeito das aulas porque, da maneira que foi feito, não é possível observar e concluir nada sobre o efeito das aulas.

Para estimar o efeito da escola precisaríamos fazer uma comparação entre um grupo que interagiu de alguma maneira, direta ou indireta, com pessoas que retornaram à escola e outro grupo sem contato. A análise, conforme aponta a matéria da Folha, "exige dados individuais de casos, hospitalizações e mortes de alunos, funcionários e famílias, tanto para escolas que não abriram quanto para as que voltaram a funcionar". Em resumo, o conteúdo do estudo discutido não está de acordo com o que o título da matéria afirma, que “reabertura de escolas não afetou ritmo da pandemia em cidades paulistas”. É impossível concluir isso dos dados apresentados.

Isso mostra, mais uma vez, a necessidade de um cuidado redobrado de se basear em preprints para noticiar qualquer conclusão para a sociedade. A conclusão que o título aponta é ainda mais perigosa neste momento em que uma nova variante do vírus, não incluída no estudo, está se espalhando pelo país.

Marcelo Yamashita é professor do Instituto de Física Teórica (IFT) da Unesp e membro do Conselho Editorial da Revista Questão de Ciência

Otaviano Helene é professor sênior do Instituto de Física da USP

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