O mundo dos que acreditam que alienígenas estão entre nós é cheio de histórias de conspirações governamentais para manter este “fato” em segredo do resto da população da Terra, geralmente envolvendo agências obscuras como os “Homens de Preto”. Assim, quando uma pessoa que outrora ocupou cargos de alto escalão resolve “quebrar o silêncio” e “revelar” o que sabe sobre o assunto, suas declarações são logo destacadas pelos adeptos de teorias conspiratórias como “provas” que confirmam suas suspeitas, muitas vezes reverberando até na mídia tradicional, sedenta por audiência num ambiente cada vez mais competitivo e fragmentado.
E o mais recente caso deste fenômeno é o do ex-general e ex-diretor de segurança do programa espacial de Israel Haim Eshed. Em entrevista publicada no início deste mês no jornal israelense Yediot Aharonot (aqui, em hebraico) - depois noticiada em inglês pelo também diário israelense Jerusalem Post, e daí fartamente replicada pelo resto do mundo, Brasil inclusive -, Eshed contou que seu país e os EUA têm tratado e negociado com extraterrestres “há anos”, num relato recheado de clichês que parecem tirados tanto do conspiracionismo quanto da ficção científica.
Segundo o ex-general, o relacionamento de longa data de países como Israel, EUA, Rússia, Japão, Reino Unido e China com os ETs seria do conhecimento do atual presidente americano Donald Trump. Este, por sua vez, por pouco não teria rompido o sigilo, sendo demovido da ideia pelos próprios alienígenas, reunidos numa “Federação Galática”. Ainda de acordo com Eshed, os aliens estariam na nossa vizinhança cósmica com o objetivo de estudar o “tecido do Universo”, contando para isso com uma base secreta no subsolo de Marte com a presença de astronautas americanos, fruto de um acerto com nossa espécie.
“Há um acordo entre o governo dos EUA e os aliens. Eles assinaram um contrato conosco para fazer experimentos aqui”, afirmou.
Como costuma acontecer neste tipo de “denúncia”, porém, Eshed não apresentou qualquer evidência de suas alegações - fotos, vídeos, mensagens ou mesmo documentos como uma cópia do tal contrato para uma base em Marte (resta saber quem arbitraria uma disputa caso os alienígenas decidissem descumprir alguma cláusula. Haverá um tribunal em Proxima Centauri?). Isso apesar de, como integrante e líder da segurança do programa espacial israelense por mais de 30 anos, oportunidades para obter uma prova, qualquer destas provas, não devem ter faltado. Ainda mais para um experiente ex-membro da Direção de Inteligência Militar de Israel, país conhecido pela eficiência de sua comunidade de inteligência com organizações como o Mossad e o Shin Bet.
Mas o que chama a atenção mesmo na história do ex-general de 87 anos é a salada de referências cuturais-conspiracionistas de seu relato. A organização alienígena numa “Federação Galática” parece saída direto do roteiro de “Jornada nas Estrelas”, enquanto o pedido de sigilo sobre sua existência repete alertas tão antigos e pouco originais quanto os propalados em filmes B de ficção científica dos anos 1950, de que “a Humanidade ainda não está pronta” para a notícia, que poderia provocar uma “histeria em massa”.
Segundo Eshed, sua decisão de vir a público agora vem do que vê como “mudanças” no ambiente acadêmico, para o qual migrou após deixar o serviço público. Que “mudanças” são essas não está claro, mas provavelmente têm relação com a aceitação da possibilidade da existência de vida extraterrestre por alguns cientistas, reforçada pela descoberta de milhares de planetas extrassolares nas últimas duas décadas. “Se eu falasse o que digo hoje cinco anos atrás, provavelmente seria internado”, afirmou. O fato de a escritora israelense Hagar Yanai ter recém lançado um livro em que ele é o personagem central - The Universe Beyond the Horizon - Conversations with Professor Haim Eshed (“O Universo Além do Horizonte – Conversações com o Professor Haim Eshed”, numa tradução livre) - e aborda justamente este e outros temas relacionados, óbvio, não passa de mera coincidência.
A força da “autoridade”
Eshed, no entanto, não é a primeira figura proeminente a chamar a atenção para um suposto acobertamento da existência de alienígenas da população da Terra. Em 2005, Paul Hellyer, o ex-ministro da Defesa e dos Transportes do Canadá nos anos 1960, foi parar nas manchetes depois de anunciar acreditar em discos voadores e relatar ter visto ele mesmo um Objeto Voador Não Identificado (óvni), experiência que guardou para si e só voltou a refletir sobre ela após assistir a um programa sobre o assunto numa rede de TV americana.
Daí para frente, Hellyer foi aprofundando e ampliando suas alegações. Dois anos depois, em 2007, disse em entrevista ao então jornal canadense Ottawa Citizen que os extraterrestres poderiam ter tecnologia capaz de salvar a Terra do aquecimento global, e assim instou os governos do mundo, em especial os “militares”, a “abrir o jogo sobre o que sabem”. “Alguns de nós suspeitam que eles sabem muito, e talvez seja o bastante para salvar nosso planeta se (a tecnologia) for aplicada rápido o bastante”.
Já em 2014, em entrevista à então rede de TV russa transmitida em inglês Russia Today (atualmente, RT.com), Hellyer, hoje com 97 anos, foi além, urgindo a Humanidade a abandonar suas tendências “belicosas” para que os benevolentes alienígenas nos recompensem com maravilhas tecnológicas e avanços em áreas como agricultura e medicina, mais uma vez ecoando um discurso que parece saído de um episódio de “Jornada nas Estrelas”.
“Temos uma longa história de óvnis e claro que tivemos muito mais avistamentos nas últimas décadas desde que inventamos a bomba atômica”, disse. “Eles (os ETs) estão muito preocupados que as usemos de novo, e como todo Cosmo é uma união, e isso vai afetar não apenas a nós, mas a todas as outras pessoas no Cosmo, eles estão receosos de que sejamos estúpidos o suficiente para começar a usar bombas atômicas de novo”.
Interessante notar que, numa tendência inversa, a invenção das câmeras digitais e dos celulares, e a ubiquidade dos smartphones e suas câmeras de vídeo e fotos cada vez mais poderosas, não trouxe uma explosão similar nos registros de avistamentos de óvnis, tampouco uma melhoria equivalente na qualidade das imagens divulgadas pelos conspiracionistas.
Como ex-ministro da Defesa, porém, as declarações de Hellyer deram destaque a outro grupo também muito apontado pelos conspiracionistas como responsáveis por esconder a existência dos ETs do resto do mundo: não os governos em si - cujas lideranças mudam frequentemente em regimes democráticos, o que poria o “segredo” em risco maior -, mas um “braço” mais estável e disciplinado deles, os “militares”, ou seja, as Forças Armadas.
Tais suspeitas ganham força com a descoberta ou admissão pelas próprias Forças Armadas, notadamente as dos EUA, de que criaram, e muitas vezes ainda mantêm, escritórios, equipes ou forças-tarefa especificamente para investigar Ovnis. Estas “revelações” também costumam ser acompanhadas da divulgação de vídeos ou outros materiais relacionados, logo rotulados como comprobatórios pelos adeptos das teorias conspiratórias. Afinal, são “segredos militares”, que costumam ser guardados com zelo redobrado – e “risco” para seus delatores multiplicado.
Mas não que sejam necessariamente discos voadores pilotados por extraterrestres. Para um observador distante durante a Guerra Fria, por exemplo, um avião espião como um U-2 em alta altitude ou um SR-71 “Blackbird” bem pareceriam mesmo algo de outro mundo, e em tempos mais recentes o mesmo pode ser dito do caça stealth F-117 "Nighthawk" ou do bombardeiro atômico em formato de “asa voadora”, e também com tecnologia e design stealth, B-2 "Spirit". Não é porque o objeto é “não identificado” que ele seja automaticamente alienígena…
Cesar Baima é jornalista e editor-assistente da Revista Questão de Ciência