Quando a COVID-19 ganhou as manchetes em março, Charles Collins pegou uma máscara do estoque da fábrica, em Rockaway, Nova Jersey, onde era gerente de oficina, e usou. Uma dúzia de outros funcionários seguiu o exemplo. Não havia meio de manter distanciamento social na oficina, em que faziam tapetes de segurança para máquinas, e alguns trabalhadores com sintomas de gripe foram afastados. Melhor prevenir do que remediar.
A administração da empresa não gostou. Collins recebeu mensagem de texto de um dos supervisores, dizendo que as máscaras deviam ser usadas apenas para proteger os trabalhadores de farpas de madeira, partículas de metal e outras questões de segurança no trabalho. “Não fornecemos e nem temos máscaras para proteger ninguém da COVID-19”. E se os trabalhadores não parassem de usar máscaras para isso, escreveu o supervisor, “vamos ter de escondê-las, como se faz com doces”.
“Fiquei chocado”, disse Collins, de 38 anos. “Eles não estavam levando a pandemia a sério”. Pouco tempo depois, Collins tirou uma semana de férias. Quando voltou ao trabalho, a empresa mandou que ficasse de quarentena por duas semanas, porque tinha viajado. Mas, quando a quarentena acabou, ele não queria voltar ao trabalho. Colegas tinham contado que medidas de segurança, como manter distanciamento social e uso de máscaras, não tinham sido implementadas. Quando informou ao departamento de recursos humanos que tinha medo de se infectar e transmitir a doença para a mãe e o sobrinho de 8 anos que viviam com ele, Collins recebeu um ultimato: ou voltava ao trabalho, ou pedia demissão.
Collins permaneceu em casa e foi demitido. Contratou um advogado e entrou com queixa no Tribunal Superior de Nova Jersey, invocando a Conscientious Employee Protection Act, lei estadual que proíbe as empresas de demitir, rebaixar de cargo ou perseguir funcionários que se recusem a participar de atividades incompatíveis com as normas de segurança ou de saúde pública.
Com encorajamento do governo Trump, muitas empresas se apressaram a retomar atividades, mas um número crescente de empregados tem resistido a trabalhar em condições que consideram inseguras e perigosas em termos de COVID-19. Nos últimos meses, alguns estados americanos – poucos, é verdade – aprovaram leis específicas para proteger trabalhadores que enfrentam riscos associados à COVID-19 e retaliações por denunciá-los. Estados como Nova Jersey têm leis para proteger os que denunciam essas situações, mas advogados afirmam que ainda são necessárias proteções mais fortes, e de nível federal.
A Occupational Safety and Health Administration (OSHA), parte do Departamento do Trabalho dos EUA, é responsável por implementar os 23 estatutos federais que protegem o trabalhador que denuncia violações de segurança no ambiente de trabalho. Mas, de acordo com análises recentes, não está à altura da tarefa. O National Employment Law Project, um grupo de pesquisa e defesa de trabalhadores, descobriu que das 1.774 queixas associadas à COVID-19 registradas entre abril e agosto, 20% passaram a ser investigadas e apenas 2% foram resolvidas. Mais da metade foi descartada ou arquivada sem investigação.
“Antes mesmo da COVID, os trabalhadores tinham um péssimo histórico no que se refere a conseguir justiça para suas queixas de perseguição e retaliação”, diz Debbie Berkowitz, diretora do programa de segurança e saúde do National Employment Law Project e ex-funcionária da OSHA.
Os números estão crescendo. As queixas na OSHA aumentaram 30% entre fevereiro e maio e chegaram a 4.101, de acordo com um relatório de agosto do Departamento do Trabalho, que criticou a forma com que a agência estava lidando com esses processos. Cerca de 40% das reclamações se referiam à COVID-19, principalmente vindas de trabalhadores que sofriam retaliações por ter denunciado violações de normas de segurança no local de trabalho. Isso inclui indisponibilidade de equipamento de proteção e álcool gel, e falta de distanciamento social no local.
Enquanto aumentavam as queixas, o número de investigadores para as denúncias caiu em relação ao ano passado, de acordo com o mesmo relatório. O tempo médio para concluir uma investigação no final de maio era de nove meses.
A proteção aos funcionários que denunciam problemas de saúde e segurança no trabalho é bem mais frágil do que a dada por lei para outros tipos de problemas, segundo Berkowitz. Se a OSHA não acolhe uma queixa, o trabalhador não tem como recorrer da decisão e, além disso, não pode levar o caso aos tribunais por iniciativa pessoal. Advogados querem que esses estatutos sejam alterados.
Esses profissionais pressionaram a OSHA para adotar normas de segurança obrigatórias contra a COVID-19 nos ambientes de trabalho, mas a agência se recusou, alegando que essa medidas se encaixam nas normas gerais, que exigem que os empregadores mantenham um ambiente de trabalho “livre de perigos que possam causar morte ou dano físico aos funcionários”, e isso é suficiente.
“A Administração continua comprometida a fornecer todos os recursos para que o programa Whistleblower Protection cumpra sua missão”, escreveu um porta-voz do Departamento do Trabalho em email para a Kaiser Health News. “No ano fiscal de 2020, a OSHA pediu e recebeu cinco novos funcionários em período integral e requisitou mais dez para o ano fiscal de 2021”.
Se o trabalhador não faz sua queixa por intermédio da OSHA, ele pode recorrer à Justiça estadual com a acusação de “demissão injusta”, que é a que ocorre quando o funcionário se recusa a participar de atividade antiética ou ilegal ou que viole as normas do contrato de trabalho, como fez Collins.
De acordo com a Fisher Phillips, firma de advogados especializada em direito trabalhista, desde o início do ano 169 processos sobre retaliação foram abertos no país por causa da COVID – ficando atrás apenas dos casos de home office e licenças, com 206 casos. Os casos de dispensa injusta foram 27.
Juan Carlos Fernandez, promotor de Morristown, Nova Jersey, que representa Charles Collins, afirma que vem registrando um aumento considerável nas consultas de trabalhadores preocupados com sua segurança nos últimos meses. Antes da pandemia, Fernandez recebia dois ou três telefonemas por mês: agora são três a quatro chamadas por dia. Muitos afirmam que foram demitidos depois de pedir equipamentos de segurança. Outros, segundo Fernandez, pedem uma licença para poder cuidar de algum parente doente ou de uma criança cuja escola fechou por causa da COVID-19 e já são informados para não retornar ao trabalho.
Além de denunciar violações das normas de segurança, o processo de Collins afirma que ele foi demitido por ter pedido uma licença. Pela Lei de Resposta ao Coronavírus Família em Primeiro Lugar, trabalhadores têm direito a licença remunerada de duas semanas se estiverem de quarentena, e a outras duas semanas, com 2/3 do salário, para cuidar de criança cuja escola foi fechada, bem como de parentes próximos, além de licença médica. A escola do sobrinho de Collins foi fechada em março por causa da COVID-19.
Collins diz que a empresa em que trabalhava, a ASO Safety Solutions, pagou apenas a primeira semana da quarentena recomendada e que foi informado que o tempo adicional seria coberto por licença médica e férias acumuladas. Nem a empresa nem os advogados que a representam quiseram comentar o assunto.
Em sua resposta ao processo, o advogado da empresa negou que tenha havido retaliação contra Collins por causa da denúncia, e que ele teria pedido demissão. Além disso, John Olsen, advogado do Ferdinand IP Law Group, diz que a Lei de Resposta ao Coronavírus Família em Primeiro Lugar não se aplica à empresa.
Alguns estados e cidades têm dado apoio aos denunciantes. A Virginia foi o primeiro a determinar padrões de segurança para a COVID-19 em todo estado, por causa da preocupação entre os trabalhadores das indústrias de processamento de frangos, conta Rachel McFarland, advogada do Legal Aid Justice Center, de Charlottesville. As normas incluem proteção contra perseguição e retaliação contra funcionários que denunciam a falta de segurança ou se recusam a trabalhar em locais que consideram inseguros em termos da COVID-19. Normas semelhantes foram adotadas no Colorado e nas cidades de Filadélfia e Chicago.
Mas essas são exceções, diz Brent Newell, da Justiça Pública de Oakland, Califórnia, que tem representado os trabalhadores do setor de processamento de carne. “Muitos estados não fizeram e não vão fazer nada disso”, afirma. “Para o governo federal, fazer com que os estados protejam os trabalhadores é completa e fundamentalmente inadequado”.
Michelle Andrews é repórter da Kaiser Health News, onde este artigo foi publicado originalmente