As universidades estaduais paulistas, responsáveis por mais de um terço de toda a produção científica nacional e que coletivamente oferecem educação a quase 200 mil estudantes, são financiadas principalmente pela vinculação legal de parte da arrecadação de um tributo específico, o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) do Estado de São Paulo. No entanto, na esfera federal, discute-se agora uma reforma tributária ampla que pode extinguir o ICMS em todos os estados. O possível impacto de tal medida sobre a ciência brasileira não parece ter entrado, ainda, no radar dos políticos e da comunidade acadêmica.
Enquanto a Reforma da Previdência monopoliza os holofotes, outra reforma estrutural, também de amplo impacto, tramita em Brasília com menos alarde. A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 45/19, de autoria do deputado Baleia Rossi, do MDB-SP, propõe uma reforma tributária que extingue cinco tributos: IPI, PIS e Cofins no âmbito federal; ICMS, no estadual; e ISS, no municipal. No lugar surge o IBS - Imposto sobre Operações com Bens e Serviços, de competência de municípios, estados e União.
Embora houvesse a expectativa de que a discussão sobre a Reforma Tributária ocorreria apenas após a conclusão da Reforma da Previdência, o Congresso se antecipou e, em 22 de maio, a Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados decidiu pela admissibilidade da PEC 45/19, que agora vai para uma comissão especial e, sendo aprovada, para o plenário.
Durante o governo de Orestes Quércia (1987-1991), USP, Unesp e Unicamp adquiriram autonomia didático-científica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial; obedecendo ao princípio da indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão, como preconiza o artigo 207 da então recém-promulgada Constituição Federal de 1988.
O Decreto nº 29.598/89, assinado por Quércia, inicialmente destinava às estaduais paulistas 8,4% da cota-parte do estado de ICMS (ICMS-QPE), que equivale a 75% da arrecadação global (25% são destinados aos municípios). Após alterações em 1992 e 1994, o valor de repasse do ICMS-QPE às estaduais paulistas foi elevado para os atuais 9,57%, distribuídos da seguinte maneira: 5,0295% para a USP; 2,1958% para a Unicamp e 2,3447% para a Unesp.
Nas discussões mais frequentes sobre a aplicação do ICMS no financiamento do ensino superior público paulista, tanto dirigentes quanto entidades representativas das universidades manifestam-se a favor da ampliação do valor transferido a partir do tesouro estadual, via ICMS. Pouco ou nada se discute, todavia, sobre a dependência do orçamento das universidades em relação ao ICMS-QTE e sobre os riscos orçamentários, potencialmente catastróficos, em um cenário onde pode haver significativa alteração (ou extinção) do tributo.
A USP, por exemplo, tem 96,56% de suas receitas totais previstas para 2019 originadas do tesouro estadual. Unicamp com 91,4% e Unesp com 89,5% não se encontram em situação mais confortável. Embora a discussão sobre esse ponto em específico – a dependência de uma única fonte de receita – seja relevante e oportuna, há algo mais urgente em questão: havendo aprovação da reforma tributária de modo que, em algum prazo, o ICMS deixe de existir, será necessário redefinir o pacto de financiamento das universidades paulistas.
É certo que haverá ampla discussão e pressão para evitar prejuízo no repasse às estaduais, e é possível que haja alterações significativas na PEC quando de sua discussão no Congresso.
Mas é perigoso, para dizer o mínimo, que as forças sociais interessadas na preservação do financiamento público do ensino superior e da pesquisa, em São Paulo, sigam alheias aos debates em Brasília e não formulem uma proposta alternativa a ser defendida frente ao governo paulista. Ademais, há precedentes que indicam que alterações na definição da fonte de recursos tenham levado à redução do aporte recebido, pelas universidades, do tesouro do Estado.
Assim, mesmo evitando discutir gestão e governança universitárias e considerando, ainda, que a reforma pode seguir uma linha que não toque no ICMS, não seria uma má ideia que as estaduais paulistas se preocupassem em diversificar suas fontes de receita, criar e dar voz a observatórios do impacto que leis e regulamentações possam vir a ter sobre suas atividades, manter equipes técnicas avaliando externalidades críticas e, principalmente, assumir papel ativo no debate que pode definir os rumos de sua sobrevivência.
Paulo Almeida é psicólogo, advogado, doutorando em administração pública e membro do Conselho Editorial da Revista Questão de Ciência