Periódico europeu de Medicina publica ataque à homeopatia

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11 mai 2023
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remédios homeopáticos

 

Criação da mente de um médico e farmacêutico alemão do fim do século 18, a homeopatia é a chamada "medicina alternativa" mais popular e disseminada no planeta. Para além de incontáveis leigos, das mais variadas vertentes e crenças, que a ministram em países onde não é regulada, estima-se que 500 mil médicos em todo mundo têm algum treinamento em homeopatia, 45 mil deles na Europa, e a adotam nas suas práticas clínicas do dia a dia. Esta ampla aceitação, mesmo entre profissionais de saúde, no entanto, não vem sem prejuízos. Relíquia de uma era pré-científica, a doutrina produz impactos danosos nos pacientes e nos sistemas de saúde de hoje, destaca artigo publicado recentemente no periódico científico The Wiener klinische Wochenschrift - The Central European Journal of Medicine.

No texto, Yannick Borkens, Udo Endruscheit e Christian Lübbers, integrantes da Rede de Informações sobre a Homeopatia (Informationsnetzwerk Homöopathie, ou INH, na sigla em alemão) - grupo de céticos sediado na Alemanha que busca informar o público da ineficácia e riscos da prática e luta por mudanças na legislação local que legitima e estimula sua aceitação na terra natal de seu criador, Samuel Hahnemann -, não só apontam o caráter implausível das premissas dos supostos mecanismos de ação da homeopatia à luz da ciência atual (que a Revista Questão de Ciência também já lembrou muitas vezes: aqui, aqui e aqui, por exemplo) como a necessidade e importância de sua crítica na atualidade.

"À diferença de muitos outros métodos da era pré-científica, a homeopatia se mantém até hoje. As razões para isso são múltiplas, e muito mais socioculturais do que médicas", escrevem. "À vista de sua falta de validade científica, no entanto, ela não pode continuar a ser praticada sob o rótulo de medicina, e principalmente não sob o selo dos serviços públicos de saúde. Em razão disso, uma crítica da homeopatia cientificamente orientada tem sido cada vez mais bem-sucedida em chamar a atenção do público para os problemas da homeopatia nos últimos anos".

E não são poucos estes problemas, enumeram. Para o público em geral - e os pacientes em particular -, a falsa noção de que a homeopatia é uma terapia válida e eficaz pode levar ao adiamento na busca e início de tratamentos efetivos contra doenças potencialmente graves, como câncer e infecções, inclusive virais, como visto na pandemia de COVID-19. Perda de um tempo que pode ser precioso no caso de alguns tipos de câncer e outras doenças em que a janela terapêutica é muito estreita, comprometendo suas chances de sucesso ou trazendo eventos adversos mais severos.

Ainda nesta seara, a noção da homeopatia como uma terapia "inofensiva" e sem risco de efeitos colaterais - que advém justamente do fato dela ser "feita de nada" - pode levar pais e responsáveis a administrarem glóbulos ou gotinhas ao menor sinal de mal-estar ou machucado da criança, num processo de "medicalização" de condições corriqueiras e autolimitadas que arrisca trazer repercussões por toda a vida. "Isto pode causar uma duradoura afinidade pela medicação, já que crianças em particular podem ser rápida e permanentemente condicionadas a este tipo comportamento", alertam os autores.

Já para a sociedade como um todo, a incorporação da homeopatia por algumas empresas de seguro-saúde, como está acontecendo na Alemanha, encarece os serviços sem trazer nenhum benefício para os pacientes ao mesmo tempo que tira recursos que poderiam ser usados para cobrir gastos com coisas como dentaduras ou óculos, que normalmente não são cobertos. Pior, a legitimidade da homeopatia conferida por estas empresas ajuda a alimentar teorias conspiratórias como de que a prática é "perseguida" pela chamada "Big Pharma" por ser uma alternativa aos seus remédios. Conspiracionismo que convenientemente "esquece" que os "medicamentos" homeopáticos também são produzidos por empresas que visam lucro, algumas de grande porte, e que cobram preços exorbitantes para algo que, novamente, é feito de essencialmente nada, basicamente excipiente.

E daí os autores veem outro prejuízo da aceitação da homeopatia como a medicina que não é, ao invés da pseudociência que é: seu impacto na integridade científica. Segundo eles, esta tendência traz mais desinformação sobre a homeopatia para o debate, mantendo um "carrossel de frequentes estudos sem sentido sobre a homeopatia" em movimento, o que, por sua vez, "faz o público em geral acreditar em um não existente caráter científico da prática". "Um ciclo vicioso que precisa ser reconhecido e parado", complementam.

O trio cita como exemplos disso periódicos científicos de fora do circuito homeopático que insistem em publicar estudos sobre homeopatia, particularmente com resultados positivos, sem atentar para vieses como deixar a revisão por pares apenas nas mãos de homeopatas e tirando proveito da falsa polêmica em torno de sua eficácia para atrair a atenção do público. Em cima disso, os autores ressaltam que resultados de estudos em homeopatia raramente têm qualquer influência na prática do dia a dia dos homeopatas, o que reforça sua irrelevância para publicação em periódicos que de fato sigam princípios de integridade científica.

"A homeopatia não 'precisa' de estudos empíricos. Tudo que é preciso já foi estabelecido por Hahnemann: a adequação de substâncias como remédios homeopáticos é determinada pelo princípio da similaridade, e a escolha do remédio pelo retrato dos sintomas do paciente", lembram. "Sua aplicação correta em casos individuais é uma questão para os 'artistas da verdadeira cura' que estão convencidos da eficácia da prática. Seus 'estudos', sejam investigações clínicas ou da autointitulada pesquisa básica, que procura acima de tudo comprovar características específicas de soluções altamente diluídas, servem mais para alimentar a autoconfiança dos círculos homeopáticos, impressionar o público suscetível ou satisfazer um desejo de elevar sua reputação científica".

E assim a crença na homeopatia se mantém e se espalha, chegando à mídia e influenciando as políticas públicas em saúde, continuam os autores. Na Alemanha, relatam, a legislação de drogas de 1978 concedeu aos remédios homeopáticos um caráter especial que não só facilitou seu acesso ao mercado, ao dispersar a necessidade de provar eficácia como os medicamentos convencionais, como emprestou-lhes credibilidade por sua posição "única" entre as práticas da chamada "medicina alternativa". Esta "elevação" de status da homeopatia a um nível de equivalência com a medicina baseada em evidências - que no Brasil se dá no reconhecimento da prática como uma "especialidade médica" pelo Conselho Federal de Medicina (CFM), por volta da mesma época - também se refletiu na cobertura jornalística de temas ligados à saúde em nome de um dito "pluralismo" na medicina, tendência que só mudou na última década com o aumento da conscientização de profissionais e público sobre a falta plausibilidade biológica dos supostos mecanismos de ação e evidências científicas de qualidade da sua eficácia, justamente em razão do trabalho de grupos como o INH.

Isso não impediu, no entanto, que alguns políticos ainda vejam na homeopatia uma alternativa válida aos tratamentos da medicina convencional. Um exemplo disso é a ideia de que remédios homeopáticos possam ajudar a combater o problema do crescimento da resistência de bactérias aos antibióticos disponíveis, ao ponto do Parlamento da região alemã da Baviera encomendar um estudo neste sentido. "Quando investigada sob abordagens científicas rigorosas, a homeopatia não tem efeito além de um placebo. E o efeito placebo é irrelevante no tratamento de infecções bacterianas graves", lembram os autores do artigo.

Diante de tudo isso, o trio considera não ser cabível continuar a encarar a homeopatia como uma prática inofensiva tanto do ponto de vista da saúde pública quanto da de seus pacientes.

"É óbvio que a reputação generalizada da homeopatia como uma forma gentil de medicina, livre de efeitos colaterais e, acima de tudo, eficaz, gera problemas consideráveis dados os fatos estabelecidos. Por muito tempo, apesar do conhecimento sobre a irrelevância médica da homeopatia, círculos médicos e científicos não focaram nesta questão porque presumiam que o uso da homeopatia não trazia benefícios, mas também não provocava danos", contam. "Mas isto é inadmissível hoje. Está claro que, como uma prática ineficaz baseada em premissas insustentáveis, a homeopatia tem o potencial de iludir e prejudicar pacientes. Não é mais justificável continuar indiferente ou manter uma posição neutra no debate sobre a homeopatia. Razões de ética científica, e especialmente médica, requerem que a propaganda sobre a homeopatia seja combatida no interesse dos pacientes".

E concluem, citando declaração de 2020 da Associação Médica Mundial na qual considerou que "pseudociências e pseudoterapias representam um sistema complexo de teorias, suposições, afirmações e métodos erroneamente visto como científico, e podem levar alguns pacientes a perceberem uma relação de causa e efeito entre as pseudoterapias e a percepção de melhora, e desta forma podem ser muito perigosas e são antiéticas":

"Todos que se importam com o bem-estar dos pacientes devem então usar todas as oportunidades para combater a pseudomedicina, especialmente a disseminada e popular homeopatia, na prática médica, acadêmica, pesquisas e sistemas de saúde pública com esclarecimento e educação".

 

Cesar Baima é jornalista e editor-assistente da Revista Questão de Ciência

 

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