Para que serve essa tal de Teoria da Evolução?

Artigo
13 fev 2019
Autor
Archeopterix CC BY-SA 3.0, https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=406199
Fóssil de Archeopterix bavarica/ CC BY-SA 3.0, https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=406199

Há poucos dias, um periódico científico publicou a descoberta de um fóssil de tartaruga de 240 milhões de anos  com um câncer ósseo numa das pernas que é “virtualmente idêntico” aos osteossarcomas que afligem seres humanos hoje em dia. Em 2015, artigo publicado na revista Science mostrava que leveduras são capazes de se manter vivas e saudáveis mesmo quando até 50% de seu genoma é substituído por genes humanos.

Descobertas e experimentos assim mostram que toda a vida na Terra, independentemente da espécie, é construída a partir dos mesmos tijolos, segundo princípios e mecanismos básicos comuns. A constatação de que existe uma relação de parentesco que une toda a biosfera é quase inescapável.

Mas parentesco implica semelhança, não identidade. Genes com função idêntica podem, por exemplo, ser construídos de modos diferentes. Variações desse tipo, na estrutura de certos genes, são encontradas tanto entre indivíduos de uma mesma espécie quanto, com intensidade muito maior, entre espécies diferentes.

A divergência entre genes de humanos e de chimpanzés é menor que a que existe entre genes de humanos e de orangotangos, e muito menor que a que existe entre os nossos genes e os de gatos, ou leões. Mas todos os mamíferos divergem muito menos entre si do que com pássaros ou répteis. O que, de qualquer modo, não impede que nossos genes funcionem bem numa levedura. Somos parecidos o suficiente.

Parentesco universal

Os padrões de proximidade que emergem dessas comparações do DNA concordam, de forma excepcional, com a sequência do aparecimento de espécies e grupos de seres vivos no registro fóssil: em linhas gerais, quanto mais distantes de nós no tempo, segundo as camadas geológicas em que surgiram, maior a diferença genética entre esses grupos e nós: somos muito mais diferentes de bactérias, que aparecem em fósseis de 3 bilhões de anos, do que de animais que dão as caras pela primeira vez há centenas de milhares de anos.

Nenhum desses fatos – o caráter comum e quase universal da genética e da bioquímica, a coincidência entre as relações de proximidade bioquímica e cronológica dadas, respectivamente, pelo DNA e pelos fósseis – faria sentido sem o conceito de evolução. Especificamente, sem a ideia de divergência e especiação a partir de um ancestral comum.

É a evolução que requer que as relações de semelhança e proximidade dadas pelos fósseis e pela genética se apoiem mutuamente, como de fato se apoiam.  Sem a teoria proposta por Charles Darwin e Alfred Russel Wallace há 160 anos, essas coincidências seriam espantosas e quase inexplicáveis: se todos os seres vivos foram criados ao mesmo tempo por um poder superior, ou projetados, como autômatos, por uma inteligência alienígena, por que os indícios de diferentes graus de parentesco e de antiguidade? E por que parentesco e antiguidade haveriam de variar juntos?

Dedos de baleia

“Tetrápodes” são animais vertebrados dotados de quatro membros: quatro patas, duas pernas e dois braços, duas patas e duas asas, quatro nadadeiras, etc.  Galinhas, seres humanos e baleias são tetrápodes.

Quando cientistas estudam os esqueletos desses animais, algo surpreendente aparece: não importa se estamos falando da perna traseira de um porco ou da asa de um beija-flor, a estrutura geral dos membros dos tetrápodes é sempre a mesma: um osso ligado ao corpo principal (como o fêmur da perna humana, ou o úmero do braço), que se liga a dois ossos (ulna e rádio, no braço humano; tíbia e fíbula, na perna) e que se conectam a vários ossinhos, que no ser humano formam a mão (pé) e os dedos (artelhos), mas nas aves e morcegos, dão suporte às asas.

Mesmo  focas e baleias seguem o mesmo padrão, como ossos de “dedos” embutidos nas nadadeiras. Essa estrutura "um, dois, muitos", nos membros dos tetrápodes, sejam eles asas, braços, pernas ou nadadeiras, não atende a nenhuma necessidade de otimização funcional. Um designer, fosse ele sobrenatural ou apenas “inteligente”, dificilmente construiria, digamos, asas de avião que na verdade não passam de gambiarras feitas a partir dos eixos e raios de uma bicicleta velha. 

Mais uma vez, o que parece inexplicável ou espantoso sob a hipótese de criação ou design mostra-se apenas lógico, sob a tese da evolução por seleção natural, em que a pressão seletiva do ambiente atua em variações de estruturas naturais, pré-existentes num ancestral comum.

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O registro fóssil é incompleto e imperfeito. Estima-se que menos de 1% das espécies que já viveram tenham deixado restos fossilizados. Isso é compreensível: a fossilização, transformação de formas orgânicas em minerais, requer condições especiais para acontecer. Mas, ainda assim, há uma abundância de formas transicionais, que permitem traçar o processo de descendência com modificação.

O exemplo mais clássico é o Archeopteryx, fóssil descoberto no século retrasado – poucos anos após a publicação de "A Origem das Espécies, de Darwin" – e que exibe penas e asas de ave mas cauda, dentes e garras de réptil. O registro fóssil também mostra de modo muito claro a transição entre répteis e mamíferos, começando com fósseis de répteis datados de cerca de 300 milhões de anos atrás, e indo até registros da passagem do Triássico para o Jurássico, há 200 milhões de anos.

Escrevendo para o “Princeton Guide to Evolution”, Gregory C. Mayer aponta que “a transição é tão gradual que se torna uma questão de convenção definir qual o ‘primeiro mamífero’”. Bem documentado, nesse longo e lento processo, está a transformação, por meio de modificação ao longo das gerações, de três ossos que formam parte da mandíbula dos répteis nos três ossos – martelo, bigorna e estribo – do ouvido dos mamíferos.

Filatelia

O físico neozelandês e ganhador do Prêmio Nobel Ernest Rutherford (1871-1937) certa vez disse, com uma razoável dose de chauvinismo, que a Física era a única ciência “real”. Todas as demais, segundo ele, seriam mera “filatelia”.

O que Rutherford queria dizer com isso? Provavelmente, que enquanto a Física organiza os dados do universo de modo lógico, em teorias com o poder de explicar e prever eventos, as demais ciências seriam meras colecionadoras e classificadoras de fatos, sem dar-lhes uma lógica ou estrutura explicativa que realmente permita compreender o mundo.

Existem diversos contraexemplos que desmentem a pretensão de Rutherford, mas o papel da evolução na Biologia talvez seja o mais claro e evidente. Quem visita um museu de História Natural e se põe diante dos mostruários repletos de fósseis e animais empalhados talvez se sinta diante de uma coleção de selos; mas quando se tem as relações criadas pela evolução em mente, tudo muda.

A evolução não só explica as semelhanças e diferenças entre os seres vivos, seu parentesco e a evidência do registro fóssil, como permite prever e entender eventos como o surgimento de bactérias resistentes a antibióticos. É uma chave para compreender o mundo dos seres vivos.

Carlos Orsi é jornalista e editor-chefe da Revista Questão de Ciência

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