Qual o buraco mais fundo já escavado na Terra?

Questionador questionado
5 fev 2024
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buraco

 

No final do ano passado, uma mina de exploração de sal-gema colapsou em Alagoas, depois de vários dias de um acentuado afundamento do solo; em 2007, parte das obras do metrô de São Paulo desabou, matando sete pessoas e abrindo uma cratera de 80 metros de diâmetro; e, ainda, no último dia 4 de janeiro, um idoso morreu em Minas Gerais depois de cair acidentalmente em um buraco que construiu dentro da sua casa, quando este já havia alcançado mais de 40 metros.

O destaque corriqueiro dado a eventos catastróficos do mundo subterrâneo pode fazer com que percamos de vista o fato de que "cavar" é uma atividade essencial na sociedade moderna, presente em diversos aspectos da nossa vida.

Instalações elétricas, hídricas e de esgotamento sanitário costumam ficar sob nossos pés; abrimos túneis pra superar montanhas; construímos linhas de metrô; retiramos carvão, petróleo e metais do subsolo; e até já instalamos o maior acelerador de partículas do mundo – o Grande Colisor de Hadrons (LHC) – embaixo da terra, por motivos que vão desde a economia de gastos (dado seu tamanho, foi mais barato enterrar a máquina do que comprar os terrenos necessários para construí-la na superfície) até o aproveitamento de um isolamento natural – ele está a 100 metros abaixo do solo, na fronteira entre a França e a Suíça – contra a radiação cósmica que atinge continuamente nosso planeta.

Quando começamos a prestar atenção no mundo escondido embaixo dos nossos pés, não demora a surgir uma pergunta intrigante: qual é o buraco mais fundo já cavado? Quem cavou? Onde? E quais são os desafios e os objetivos de se cavar profundamente na Terra?

 

Uma corrida para baixo

Quando se fala no período da Guerra Fria, costuma vir rapidamente à mente a tal da Corrida Espacial, que foi a competição tecnológica travada entre Estados Unidos e União Soviética com objetivo de levar, pela primeira vez, o ser humano à Lua. Em 1969, os Estados Unidos conseguiram o feito. A Corrida, longe de ser motivada apenas pela curiosidade humana, teve como pano de fundo um exibicionismo tecnológico de caráter político-militar: afinal, se seu inimigo é capaz de pôr homens na Lua, ele também deve conseguir pôr uma bomba bem aí no seu quintal.

No entanto, outra corrida tecnológica da mesma época, também entre as duas potências mundiais, é bem menos conhecida do público: a disputa para ver quem iria cavar o buraco mais profundo possível. O objetivo era chegar ao manto, localizado abaixo da a crosta terrestre. A crosta é a camada mais externa da estrutura do nosso planeta, e tem uma espessura da ordem de 40 km.

Quem venceu a disputa? Ninguém! Daí, talvez, o motivo de a corrida ser pouco conhecida. No entanto, embora o objetivo final – o manto – não tenha sido alcançado, os dois lados conseguiram feitos impressionantes.

Do lado norte-americano, uma das primeiras empreitadas científicas nesse sentido foi o “Projeto Mohole”, no início da década de 1960. O plano era cavar a partir do leito marinho, no Oceano Pacífico: a vantagem dessa estratégia é que a crosta terrestre no fundo do mar é um pouco mais fina; por outro lado, a escavação já começa exigindo que todo o equipamento suporte as enormes pressões da coluna de água acima dele. No fim das contas, o projeto foi encerrado em 1966, poucos anos após seu lançamento, por corte de verbas. A escavação havia atingido pouco mais de 180 metros abaixo do leito oceânico.

O poço mais profundo já cavado nos Estados Unidos foi perfurado entre 1972 e 1974: trata-se do Bertha Rogers, no estado de Oklahoma, na região centro-sul do país, utilizado para extração de gás natural até 1997, quando foi selado e abandonado. Esse poço atingiu cerca de 9,5 km abaixo da superfície terrestre e teve o recorde mundial de maior profundidade até 1979, quando foi superado pelo atual detentor do título: o poço de Kola, de construção soviética.

Conhecido como “Poço Superprofundo de Kola”, a abertura no solo, com diâmetro em torno de 20 cm, é a entrada principal de uma perfuração que acabou sendo ramificada em vários “braços”: o mais profundo deles, o SG-3, atingiu cerca de 12,2 km de profundidade.

Uma pausa: por consequência do fato bem conhecido, especialmente nas grandes cidades, de que muita gente se desloca dezenas de quilômetros todos os dias apenas no trajeto casa-trabalho, esses “poucos” quilômetros perfurados podem não parecer muito. Ledo engano. Vejamos: a crosta terrestre tem cerca de 40 km e os aviões comerciais modernos voam a uma altitude entre 10 e 11 km acima do nível do mar. Ou seja, o sistema de Kola atravessou em torno de um terço da camada mais externa do planeta, e foi mais “para baixo” do que os modernos aviões vão, cotidianamente, “para cima”.

A perfuração na Península de Kola – região russa próxima da fronteira com a Noruega – começou em 1970 e o projeto foi encerrado oficialmente em 1992, por corte orçamentário e pelas dificuldades de se continuar perfurando nas condições de pressão e temperatura encontradas (cerca de 180º C, bem acima do que era previsto para aquela profundidade). Com o fim da empreitada, o prédio acabou abandonado e, hoje, está parcialmente demolido, de modo que muitos turistas vão ao local para conhecer e fazer uma foto na entrada selada do poço.

 

A história continua

Mesmo que ninguém tenha conseguido chegar ao manto, houve avanços científicos e tecnológicos no processo. As perfurações em Kola indicaram, por exemplo, a presença de água a cerca de 5 km sob a superfície, onde se acredita que não poderia ter chegado por infiltração progressiva a partir da superfície, sugerindo, portanto, uma origem distinta que vale a pena investigar melhor; e micro-organismos fossilizados foram encontrados em amostras de rochas contendo depósitos marinhos do passado, a uma profundidade de 7 km.

Agora, é claro que as perfurações não foram motivadas somente pela curiosidade científica. Tal como na Corrida Espacial, há interesses políticos e econômicos: cavar até grandes profundidades exigiu avanços tecnológicos que acabaram abrindo novas possibilidades na prospecção e exploração de recursos subterrâneos, como gás natural, petróleo e minerais.

Interesses científicos, tecnológicos e econômicos continuam a mover as operações de perfurações profundas atualmente. O Brasil, por exemplo, explora petróleo do pré-sal, uma formação rochosa localizada no subsolo da região costeira, entre Santa Catarina e Espírito Santo, a uma profundidade da ordem de 5 km abaixo do nível do mar, sendo, aproximadamente, 2 km de água oceânica e 3 km sob do leito marinho; e uma missão japonesa realiza perfurações, também no leito oceânico, a partir da demanda de projetos científicos submetidos periodicamente, e já alcançou, até o momento, profundidades equivalentes às perfurações brasileiras do pré-sal.

É bem verdade que existem outras formas de conhecer o interior da Terra que não exigem “cavar para ver”: da mesma forma que um exame de ultrassom utiliza ondas sonoras para investigar as estruturas internas do corpo do paciente, ondas geradas por tremores de terra – que acontecem aos montes, todos os anos – propagam-se de modo distinto nas camadas de diferentes características do interior do planeta. Isso fornece pistas sobre a existência das três estruturas principais sobre as quais muita gente já ouviu falar: a crosta, a superfície do planeta, com uma profundidade da ordem de 40 km; o manto, que segue daí até algo em torno de 2.900 km; e o núcleo, que é o segmento final do caminho que nos separa do centro da Terra, a cerca de 6.400 km sob nossos pés.

Comparando as profundidades atingidas nas perfurações já feitas com o tamanho da Terra, percebe-se que apenas “arranhamos” sua estrutura. Mas, se, mesmo assim, já encontramos novas fontes de recursos naturais e descobertas científicas sobre a estrutura terrestre, imagine o que ainda há por aprender com futuras missões capazes de ir mais a fundo. Caso aconteçam, poderão proporcionar novos dados, e até novas amostras, que a análise sísmica não é capaz de fornecer: cavando mais fundo, estamos indo além do “ultrassom” – para manter nossa analogia médica – e colhendo amostras valiosas para “biópsia”.

Marcelo Girardi Schappo é físico, com doutorado na área pela Universidade Federal de Santa Catarina. Atualmente, é professor do Instituto Federal de Santa Catarina, participa de projeto de pesquisa envolvendo interação da radiação com a matéria e coordena projeto de extensão voltado à divulgação científica de temas de física moderna e astronomia. É autor de livros de física para o Ensino Superior e de divulgação científica, como o “Armadilhas Camufladas de Ciências: mitos e pseudociências em nossas vidas” (Ed. Autografia)

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