O que é iridologia?

Questionador questionado
9 out 2023
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íris

 

Iridologia é a técnica pseudocientífica que se propõe a diagnosticar doenças, deficiências nutricionais e outros problemas de saúde a partir da análise da pigmentação da íris, a parte colorida dos olhos. O profissional da área estuda fotos dos olhos do paciente, ou avalia as írises ao vivo, e se vale de mapas – onde as írises aparecem divididas em setores, normalmente sessenta (como os minutos no mostrador de um relógio), cada setor representando uma parte do corpo, ou mais. Anormalidades no lado direito do corpo seriam reveladas no olho direito e vice-versa.

A iridologia se assemelha a outras práticas e doutrinas que existem na interseção entre misticismo, folclore e pseudociência e que podem ser chamadas de “homunculares” – porque pressupõem a existência de um “homúnculo”, ou “homenzinho”, uma coleção de miniaturas dos diversos componentes do organismo humano representada em alguma parte específica do corpo.

Outros integrantes da mesma família são a auriculoterapia (que põe o homúnculo nas orelhas), a reflexologia (na sola dos pés) e, é claro, a quiromancia, a arte de ler a saúde e o destino humano na palma da mão. A quiromancia é a mais antiga, simples e conhecida do grupo, mas todas as práticas homunculares seguem, no fundo, o mesmo princípio e têm exatamente a mesma validade científica da leitura da mão: deveriam ser usadas apenas para entretenimento, nunca para diagnosticar ou tratar condições reais de saúde.

Alguns iridologistas tentam defender seu “homúnculo” particular citando supostas conexões nervosas entre as írises e os demais órgãos, mas essas alegações carecem de base anatômica e fisiológica.  Além de fantasiosa e inútil, a iridologia pode ser perigosa: testes conduzidos nas últimas décadas mostram uma tendência dos profissionais da área a errar por excesso, gerando sobrediagnósticos – isto é, identificando condições de saúde que na verdade não existem, e levando os pacientes a entrar em tratamentos desnecessários.

Num teste clássico publicado em 1979 no periódico JAMA, três iridologistas (entre eles, Bernard Jensen, o profeta da iridologia moderna) foram convidados a analisar mais de uma centena de fotos de írises de voluntários, e identificar quais teriam marcadores de problemas nos rins. A taxa média de falso-positivo – isto é, pessoas saudáveis erroneamente identificadas como doentes – ficou em 62%. Jensen depois criticou o teste, afirmando que a qualidade das fotos era ruim. Mas o fato é que, antes de saber do resultado constrangedor, ele não havia reclamado de nada. Por fim, uma compilação de testes de iridologia conduzidos nos anos 1980 e 1990 mostrou que iridologistas têm uma taxa de acerto igual à que seria esperada por puro acaso.

A tendência da iridologia ao sobrediagnóstico é reforçada pela alegação de que a íris seria capaz de registrar doenças ainda em estágio “subclínico”, ou seja, antes de surgirem os primeiros sintomas. A afirmação aparece, por exemplo, no livro “The Science and Practice of Iridology”, de autoria de Jensen e publicado em 1974. Ele escreve que “muitas das condições reveladas na íris, hoje, não se manifestarão no corpo pelos próximos anos, mas o tempo mostrará, inevitavelmente, que a análise é correta”.

Vamos pensar um pouco no assunto. Isso significa que, segundo Jensen, a única forma de provar que um diagnóstico de iridologia estava errado seria acompanhar o paciente entre o momento em que sai do consultório e até a hora da morte – e mesmo aí, caso a doença diagnosticada não tenha aparecido, será possível alegar que foi o alerta do iridologista que levou o sujeito a adotar uma vida mais saudável ou a fazer um tratamento preventivo. É caso clássico de “cara eu ganho, coroa eu não perco”. E uma receita certeira para sobrediagnóstico e consumo desnecessário de suplementos, dietas, medicamentos etc.

Em seus escritos, o quiropata americano Bernard Jensen atribui a descoberta da iridologia ao homeopata húngaro Ignaz von Peczely, que aos dez anos de idade, em 1836, teria quebrado por acidente uma das pernas de uma coruja, observando – no mesmo instante! – o surgimento de uma mancha escura na íris de um dos olhos do animal. Décadas mais tarde, adulto e formado em medicina, Von Peczely decidiu compartilhar seu insight infantil com o mundo. Mas principal campeão da prática no século 20 foi, sem dúvida, Jensen, uma figura dominante no movimento de “curas naturais” dos anos 1970.

Falecido em 2001, ele é descrito no site da editora Penguin-Random House, que ainda mantém algumas de suas obras em catálogo (“Alimentos que Curam”, “Visões da Saúde”, entre outras), como “o pai da saúde holística”. Atualmente, existe uma linha comercial de suplementos alimentares com seu nome, incluindo clorofila líquida (sabor natural de menta), concentrado de cerejas escuras e – não poderia deixar de mencionar – alfafa.

Carlos Orsi é jornalista, editor-chefe da Revista Questão de Ciência, autor de "O Livro dos Milagres" (Editora da Unesp), "O Livro da Astrologia" (KDP), "Negacionismo" (Editora de Cultura) e coautor de "Pura Picaretagem" (Leya), "Ciência no Cotidiano" (Editora Contexto), obra ganhadora do Prêmio Jabuti, "Contra a Realidade" (Papirus 7 Mares) e "Que Bobagem!" (Editora Contexto)

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