Como o que comemos afeta a fome?

Questionador questionado
1 fev 2023
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hambúrguer

 

Mais da metade dos adultos brasileiros tem obesidade ou sobrepeso, e para muitos deles, perder peso poderia resultar em ganhos de saúde. Mas perder peso pode não ser fácil. Não por falta de disciplina ou boa vontade, mas porque a evolução nos preparou para sobreviver em épocas de escassez. Como resultado, gostamos de comer, e gostamos especificamente de comer comidas ricas em calorias. Também somos altamente aptos a armazenar todo excesso de calorias que comemos como gorduras, devido a mecanismos metabólicos evolutivamente selecionados. 

Por este motivo, um dos pontos mais importantes na hora de analisar dietas em termos de bem-estar e saúde é entender como é regulada a sensação de fome. Neste campo houve avanços científicos imensos nos últimos anos, incluindo o desenvolvimento de novos medicamentos que moderam o apetite. De fato, a semaglutida - vendida comercialmente como Wegovy (indicado para tratamento de obesidade com comorbidades) e Ozempic (indicado para tratamento de diabetes tipo 2) - é altamente eficaz como moderadora de apetite e já foi aprovada para uso nacional. Infelizmente, por ora, seu custo elevado limita o acesso por um público amplo.

Além disto, a utilização é direcionada apenas a pessoas com condições médicas relacionadas à obesidade, como diabetes, hipertensão e alterações de quantidades de lipídeos, e precisa ser cuidadosamente controlada por especialistas médicos, pois há vários efeitos colaterais e contraindicações.

Neste sentido, é muito importante saber como a fome é regulada por mecanismos não farmacológicos, na ausência de medicamentos. Um dos maiores moderadores de apetite é, claro, ter comido no passado próximo. Logo após comer temos menos fome porque uma série de sinais moleculares são acionados no corpo, diminuindo a sensação de fome principalmente numa área do cérebro chamada hipotálamo, que regula a sensação de saciedade.

Além da sensação de fome ser regulada pela proximidade da última refeição, ela é determinada pela quantidade de gordura que temos no corpo. Isto acontece por meio da ação da leptina, um hormônio produzido pelas células adiposas (gordura) com papel importante na regulação do apetite e da gordura corporal. Ela atua no hipotálamo, enviando sinais para diminuir a fome e aumentar a sensação de saciedade. Quanto mais gordura corporal uma pessoa tem, mais leptina é liberada, o que ajuda a regular o peso. Infelizmente, este mecanismo super eficaz de controle de excesso de ganho de peso é disfuncional em algumas pessoas obesas, que têm resistência ao sinal enviado pela leptina.

Há também muitos estudos sobre como e o que você come durante uma refeição afeta a fome nas refeições seguintes. Neste sentido, é bastante interessante saber que forma de comer leva pessoas a ter mais fome no futuro. Um estudo novo de autores norte-americanos ampliou o já significativo conhecimento que temos nesta área, ao analisar diferentes tipos de dieta e como afetam a fome em refeições subsequentes.

Foram acompanhados 35 voluntários, que comeram mais de 2.700 refeições (três por dia) de forma supervisionada, portanto com conteúdo nutricional específico conhecido. Pediu-se para que cada um deles comesse o quanto quisesse de cada refeição, sem se preocupar com ganho ou perda de peso. Obviamente, o estudo tem a limitação de envolver poucas pessoas, e de que mediu saciedade através da quantidade ingerida pelos participantes, que podem alterar seus comportamentos alimentares simplesmente porque estavam sendo monitorados. Mas como cada voluntário foi submetido a uma série de tipos de refeição diferente, a influência do observador foi minimizada.

Alguns dos efeitos observados no trabalho são esperados, e confirmam dados de trabalhos anteriores. Por exemplo, os autores viram que comer mais em uma refeição diminui a fome em refeições seguintes, comprovando a efetividade de nossos sistemas fisiológicos de regulação da fome. Mas este efeito de moderação foi muito menor quando a refeição inicial tinha três características: ter sido ingerida rapidamente, ter alta quantidade de calorias por grama (o que tipicamente significa alta quantidade de gorduras, que possuem mais densidade calórica) e ser alimentos hiperpalatáveis.

Alimentos hiperpalatáveis, como o nome sugere, são comidas que gostamos muito de comer, pois estimulam bastante a sensação de prazer. É uma categoria de alimentos bem definida cientificamente, que inclui comida com alta gordura + sal (como um churrasco ou salgado frito, por exemplo), alta gordura + açúcar (como sorvete ou brigadeiro) ou alto carboidrato e sal (como batata frita ou macarrão instantâneo).

Além de atiçar nossos cérebros para comer mais, os dados deste artigo e outros sugerem, infelizmente, que comer este tipo de alimento resulta numa disfunção dos sistemas de moderação de fome, em que se empanturrar numa refeição não resulta na moderação esperada da refeição seguinte.

Além de demonstrar que alimentos hiperpalatáveis resultam numa falha de moderação de apetite, outro dado interessante do grupo se relaciona ao efeito de proteínas na dieta. Tipicamente se associa alimentação rica em proteínas a uma sensação maior de saciedade, e há inclusive alguns trabalhos científicos que sugerem que proteínas ajudam a promover saciedade. No entanto, o trabalho atual não viu uma moderação de apetite relacionada à alta ingestão de proteínas quando se comiam refeições normais, com baixo teor de carboidratos (low carb) ou com baixo teor de gorduras – viu justamente o contrário, que aumentar o teor de proteínas aumentava a fome na refeição seguinte.

A quantidade de proteínas aumentada na refeição só resultou em moderação de apetite em situações em que a refeição consistia de produtos ultraprocessados, tipicamente muito ricos em gordura, açúcar e sal. Globalmente, isto sugere que aumentar proteínas na dieta pode não ser a melhor forma de promover saciedade, pois estão associadas tanto a aumento quanto a diminuição da fome, dependendo da situação.

Claramente, ainda temos muito que entender da fisiologia da fome, e estudos como este adicionam a este conhecimento. Mas é bom saber que apreciar com calma uma refeição bem balanceada e variada, saborosamente preparada com uma variedade de alimentos frescos, ainda é a melhor maneira de comer e modular o que comeremos nas próximas refeições.

 

Alicia Kowaltowski é professora de Bioquímica do Instituto de Química da Universidade de São Paulo

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