Refrigerantes são veneno? E os adoçantes?

Questionador questionado
5 ago 2022
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latas

 

O projeto de lei (2183/2019) institui Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (Cide) sobre a comercialização da produção e da importação de refrigerantes e bebidas açucaradas (Cide-Refrigerantes). Essa medida prevê um aumento de 20% dos tributos sobre esses produtos e, segundo estudo desenvolvido pela Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe), esse aumento reduziria em até 20% o consumo. O estudo estima, ainda, que o imposto arrecadará R$ 4,7 bilhões  – recursos que serão repassados para o Fundo Nacional de Saúde.

Sou a favor de aumentar os tributos sobre os refrigerantes. Realmente é um alimento escasso de nutrientes e com um alto teor de açúcar adicionado (uma lata da marca que rima com mola excede em 48% a quantidade de açúcar recomendada pela Organização Mundial da Saúde - OMS).

Além disso, a Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS) e a OMS recomendam a tributação de bebidas açucaradas como uma das medidas de melhor custo-benefício para a saúde, combatendo o crescimento da obesidade e das doenças relacionadas a esta condição.

Se formos otimistas, talvez tenhamos os mesmos resultados do Chile, onde o consumo domiciliar de bebidas açucaradas caiu 23,7% após a adoção do imposto de 5% sobre o preço final desses produtos.

Mas espere aí, se eu concordo com o projeto de lei, por que este texto nasceu?

Simples: só tomei conhecimento do projeto de lei graças à Doce Veneno, uma organização que anunciou no programa “O É da Coisa” de Reinaldo Azevedo. E acredito que o anunciante cometeu dois erros crassos que merecem destaque. Primeiro, confundiu correlação com causalidade; segundo, igualou os malefícios dos refrigerantes zero açúcar e diet aos das bebidas com alta quantidade de açúcar.

Embora correlação e causalidade possam existir ao mesmo tempo, a correlação não implica causalidade. Correlação é, simplesmente, uma justaposição que pode existir entre dois eventos. Causalidade, por sua vez, é a relação em que o evento posterior é decorrente do anterior. Durante as férias de verão, há um aumento tanto no número de afogamentos quanto na venda de sorvetes, ou seja, são fenômenos correlacionados, mas seria absurdo supor que os afogamentos causam venda de sorvetes, certo?

Segundo a publicação do anunciante, as bebidas diet ou zero contêm aspartame e outros aditivos que devem ser evitados, principalmente por crianças. Além disso, eles afirmam – com base no estudo ”Association Between Soft Drink Consumption and Mortality in 10 European Countries (1)” de 2019, que abordaremos logo mais – que o consumo diário de dois ou mais copos de bebidas diet aumenta em 52% o risco de doenças circulatórias.

O estudo citado contou com a participação de 451.743 voluntários de dez diferentes países europeus. Os autores excluíram da análise participantes com doenças pré-existentes (câncer, diabetes, doenças cardíacas, entre outras) ou que apresentavam um consumo energético incomum (consumo dietético implausível), ou, ainda, que não revelaram o quanto consumiam de refrigerantes, entre outros fatores excludentes.

Para análise alimentar, os avaliadores utilizaram questionários, entrevistas, questionários semiquantitativos e diário alimentar. Agora, para identificar a quantidade de refrigerante ingerida, os autores solicitaram que os voluntários registrassem a quantidade de copos de refrigerante ingeridos por dia, semana e mês.

Ao final do estudo, foi identificado que um maior consumo de refrigerantes (dois ou mais copos ao dia) adoçados com açúcar e/ou adoçados com edulcorantes estava associado com um maior risco de mortalidade para todos os tipos de mortes investigadas. Destaca-se que o consumo de refrigerantes diet estava positivamente associado com mortes envolvendo doenças do sistema circulatório, enquanto refrigerantes “normais” estavam associados com mortes envolvendo o sistema digestivo.

Por fim, os autores reconhecem que, apesar deste ser o maior estudo que investigou a associação entre consumo de refrigerante e mortalidade, o trabalho apresenta várias limitações. A primeira – e possivelmente a mais importante – é que se trata de um estudo observacional, não sendo possível estabelecer causalidade entre o consumo de refrigerante e mortalidade. Além disso, os pesquisadores reconhecem que pode haver viés nas observações, devido à presença de fatores de confusão. Contudo, os pesquisadores envolvidos no estudo acreditam que o grande número de participantes e a alta quantidade de registros de óbitos (aproximadamente 42 mil) permitiram que fossem realizadas diversas análises nos subgrupos com outros fatores de mortalidade.

Os dados apresentados são incríveis e preocupantes. Porém, antes de sair jogando sua Moca-Mola sem açúcar pelo ralo, vamos observar os pontos levantados pelo médico Steven Novella (2), fundador e editor executivo do Science Based Medicine, um dos sites mais confiáveis quando o assunto é ciência e pensamento crítico – sim, essa é uma posição enviesada minha, mas não posso fazer nada, “The Skeptics Guide to the Universe” é um dos meus livros favoritos.

Novella aponta um fator de confusão óbvio: entre as pessoas com maior risco de doenças vasculares encontram-se, também, muitas das mais propensas a beber refrigerantes diet: a relação causal correta é a de que certos grupos de pessoas com maior risco de desenvolver problemas cardíacos ou circulatórios (por exemplo, obesos) tendem, exatamente porque têm consciência de seus problemas de saúde, a optar por refrigerantes sem açúcar. E não o oposto (pessoas saudáveis que tomam refrigerante sem açúcar de repente ficam obesas e têm ataques do coração).

 

O que são adoçantes?

Segundo a Anvisa (3): “Edulcorantes são substâncias – diferentes dos açúcares – que conferem sabor doce aos alimentos. Dentre os aditivos edulcorantes mais conhecidos estão o aspartame, a sacarina e o ciclamato, comumente utilizados, por exemplo, em adoçantes artificiais e em refrigerantes de baixo teor calórico”.

Dentre eles, ainda podemos classificá-los em artificiais e naturais ou, ainda, em nutritivos e não nutritivos com alta intensidade adoçante – por mais que as palavras “não nutritivos” assustem, é necessário lembrar que isso só denota a ausência de nutrientes e calorias.

Adoçantes nutritivos são aqueles que adicionam calorias aos alimentos, enquanto os não nutritivos apresentam ou baixas calorias ou nenhuma caloria (caso do aspartame).

 

São seguros?

A resposta mais direta é: sim, até o momento, o corpo de evidências científicas demonstra que os adoçantes são seguros. Contudo, não precisa acreditar neste que vos escreve – além disso, quem garante que eu não recebi um Pix da indústria malvadona alimentar?

Brincadeiras à parte, para um edulcorante poder ser comercializado e utilizado em diversos produtos, é obrigatório passar pelo crivo do órgão fiscalizador do país onde se deseja adotá-lo, ou seja: o acessulfame K, a sacarina e até mesmo o xilitol – tão ovacionado pelo seu apelo natural – só puderam chegar às lojas após serem submetidos a diversos testes que certificaram sua segurança.

Vale ressaltar que a regulamenteção dos edulcorantes utilizada pela Anvisa baseia-se em avaliações toxicológicas de comitês científicos internacionalmente reconhecidos, caso da FDA, da EFSA e nas normas do Codex Alimentarius.

Além disso, a maioria dos órgãos fiscalizadores utiliza como base de segurança para os aditivos alimentares os valores estipulados na IDA (Ingestão Diária Aceitável). Esses limites máximos foram estabelecidos por meio de análises de segurança realizados pelo JECFA, comitê científico vinculado à Organização para Alimentos e Agricultura das Nações Unidas (FAO) e à OMS.

Aliás, a própria OMS realizou, agora em 2022, uma revisão sistemática com metanálise (4) sobre os efeitos na saúde dos adoçantes não calóricos. Foram incluídos 283 estudos, com diversos desenhos experimentais.

Após a revisão dos trabalhos, os autores concluíram que a utilização dos adoçantes resulta em uma baixa diminuição do peso corporal e do IMC dos adultos (baixo nível de evidência), sem afetar significativamente outros aspectos cardiometabólicos (nesse caso, a qualidade da evidência varia de muito baixa a alta).

Apesar dos inúmeros estudos que certificam a segurança da utilização dos adoçantes, há alguns pontos que merecem destaque, caso do aumento do consumo de alimentos ultraprocessados que apresentam adoçantes em sua composição, podendo extrapolar a IDA (Ingestão Diária Aceitável), e dos possíveis impactos negativos sobre a microbiota intestinal e ao aumento da sensação de fome.

Estudos mostram que é difícil ultrapassar as recomendações de ingestão diárias, mas não impossível. Cenários hipotéticos (5) envolvem o consumo, num mesmo dia, de diversos produtos adoçados artificialmente, como leite achocolatado, iogurte, gelatina, suco de fruta. Isso corrobora a tese de que o problema não é o adoçante em si, mas a dieta “final”, que em termos ideais deveria ser baseada em produtos minimamente processados.

Os adoçantes apresentam sabor doce, mas não calorias, o que pode aumentar a sensação de fome e a busca por comidas ricas em açúcar ou caloricamente densas ou, ainda, supercompensar as calorias em uma próxima refeição. Além disso, sua presença no aparelho digestório pode ter efeitos sobre a microbiota intestinal – a delicada ecologia de microrganismos que nos ajuda a digerir alimentos, aproveitar os nutrientes contidos no que comemos e que está ligada a diversos aspectos da saúde.

No entanto, os estudos sobre esses aspectos do consumo de adoçantes ainda são pequenos e pouco conclusivos. Como no caso dos estudos sobre os impactos mais gerais dos adoçantes na saúde, é extremamente difícil isolar os fatores de confusão.

O sentido geral da literatura parece ser o de que adoçantes não trazem nenhum prejuízo grave para a saúde, mas também não produzem, por si sós, grandes benefícios. Como uma maneira de garantir mais um texto aqui para a revista, fui surpreendido por um rascunho das possíveis diretrizes que a OMS tomará com relação à utilização dos adoçantes não calóricos.

Caso não se altere, a recomendação (6) da Organização Mundial da Saúde será: “A OMS sugere que os adoçantes não calóricos não devem ser utilizados como auxiliares no controle de peso corporal e nem para reduzir o risco de doenças crônicas não transmissíveis.”

Eu poderia encerrar este texto e ficar em paz com os ávidos naturalistas – um dia precisaremos conversar seriamente sobre por que tantas pessoas recorrem à falácia do “quanto mais natural, melhor”. Para isso, só bastariam algumas frases, como “opte por água, essa sempre será sua melhor opção” ou, ainda, “seja consciente, ao invés de adoçar uma bebida, tente se adaptar ao seu sabor natural”. São recomendações que vão ao encontro das diretrizes do Guia Alimentar Para a População Brasileira. Por mais que representem mesmo as opções mais saudáveis, não precisam ser seguidas como dogmas.

As conclusões sobre adoçantes são conflitantes, os estudos, em sua maioria, são observacionais, em modelo animal ou, ainda, com amostras pequenas. Grandes revisões não encontraram evidências suficientes para condenar os adoçantes. No máximo, ressaltam a importância de mais estudos que elucidem algumas associações observadas.

Concluindo, tomar água é melhor do que refrigerante diet, mas caso você opte pelo segundo, beba com moderação – o que vale para tudo na vida.

 

Mauro Proença é nutricionista

 

REFERÊNCIAS

1. MULLE, A. et al. Association Between Soft Drink Consumption and Mortality in 10 European Countries. JAMA Intern Med. 2019 Nov 1;179(11):1479-1490. Disponível em: https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/31479109/

2. NOVELLA, S. Soft Drinks and Death Risk. Science-Based Medicine. 2019. Disponível em:https://sciencebasedmedicine.org/soft-drinks-and-death-risk/.

3. Revista FI. Dossiê Edulcorantes. Food Ingredients Brasil No 24 – 2013. Disponível em: https://revista-fi.com/upload_arquivos/201606/2016060388823001464965762.pdf.

4. LEYVRAZ, M. e MONTEZ, J. Health effects of the use of non-sugar sweeteners: a systematic review and meta-analysis. WHO 2022. Disponível em: https://www.who.int/publications-detail-redirect/9789240046429.

5. SAMBRA,V. et al. Overuse of Non-caloric Sweeteners in Foods and Beverages in Chile: A Threat to Consumers Free Choice? Front. Nutr., 17 June 2020 Sec. Nutrition and Food Science Technology. Disponível em: https://www.frontiersin.org/articles/10.3389/fnut.2020.00068/full.

6. WHO. Draft WHO guideline: use of non-sugar sweeteners. 2022. Disponível em: https://www.foodnavigator-usa.com/content/download/785750/15603743

 

 

Outras referências

 Revisão sistemática:

  1. TOEWS, I. I. et al. Association between intake of non-sugar sweeteners and health outcomes: systematic review and meta-analyses of randomised and non-randomised controlled trials and observational studies. BMJ. 2019;364:k4718. Disponível em:  https://www.bmj.com/content/bmj/364/bmj.k4718.full.pdf

 

Aumento da sensação de fome:

1. LAVIN, J., FRENCH, S. e READ, N. The effect of sucrose and aspartame sweetened drinks on energy intake, hunger and food choice of female, moderately restrained eaters. International Journal of Obesity (1997) 21, 37±42. Disponível em:  https://www.eur.nl/sites/corporate/files/Lavin__IJO__1997.pdf.

 

2. WANG, Q. et al. Sucralose Promotes Food Intake Through NPY and Neuronal Fasting Response. Cell Metabolism 24, 75–90, July 12, 2016. Disponível em: https://www.cell.com/cell-metabolism/pdfExtended/S1550-4131(16)30296-0

 

3. CRÉZÉ, C. et al. The Impact of Caloric and Non-Caloric Sweeteners on Food Intake and Brain Responses to Food: A Randomized Crossover Controlled Trial in Healthy Humans. Nutrients. 2018 May; 10(5): 615. Disponível em:  https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC5986495/.

 

Microbiota e microbioma intestinal:

1. OJEDA, F. et al. Effects of Sweeteners on the Gut Microbiota: A Review of Experimental Studies and Clinical Trials. Adv Nutr. 2019. Jan; 10(Suppl 1): S31-S48. Disponível em:  https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC6363527/

 

2. BIAN, X. et al. The artificial sweetener acesulfame potassium affects the gut microbiome and body weight gain in CD-1 mice. PLoS One. 2017 Jun 8;12(6):e0178426. Disponível em: https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/28594855/

 

3. AHMAD, S., FRIEL, J. e MACKAY, D. The Effects of Non-Nutritive Artificial Sweeteners, Aspartame and Sucralose, on the Gut Microbiome in Healthy Adults: Secondary Outcomes of a Randomized Double-Blinded Crossover Clinical Trial. Nutrients 2020, 12(11), 3408. Disponível em: https://www.mdpi.com/2072-6643/12/11/3408.

 

4. SERRANO, J. et al. High-dose saccharin supplementation does not induce gut microbiota changes or glucose intolerance in healthy humans and mice. Microbiome. 2021. Jan 12;9(1):11. Disponível em: https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/33431052/

 

5. SUEZ, J. et al. Artificial sweeterns induce glucose intolerance by altering the gut microbiota.Nature volume 514, pages181–186 (2014). Disponível em:  https://www.nature.com/articles/nature13793.

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