Será que os rituais supersticiosos funcionam?

Questionador questionado
29 jun 2019
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Ilustração antiga de superstição

 

Vamos começar pela premissa que não existe mágica. Truques, ilusionismo, ilusão e evocação, sim, mas não há nenhuma mágica “real”. A maioria das pessoas com mentalidade científica concorda com isso. Mas, quando se trata de superstição, sempre sobra uma questão adicional, menos óbvia. É claro que as superstições não têm um efeito mágico no mundo, mas será que elas têm benefícios psicológicos? Será que elas poderiam tornar as situações difíceis mais fáceis de lidar? Além disso, se elas têm um benefício emocional ou psicológico, poderiam produzir também um melhor desempenho em situações que envolvem habilidades? Ou seja, os benefícios psicológicos da superstição (se existirem) poderiam ser inócuos para mudar a sorte na roleta, mas talvez o ritual de um ator antes de subir ao palco possa reduzir a ansiedade, permitindo uma melhor atuação.

Mesmo com várias décadas de pesquisa sobre superstição, essas questões ficaram sem resposta por muitos anos. A maioria dos pesquisadores assumiu que as superstições eram irracionais e focou suas atenções em descobrir por que as pessoas eram supersticiosas. A suposição é de que poderia haver alguns benefícios psicológicos diretos da superstição, mas estes raramente eram estudados.

Daí, em 2010, houve um grande avanço ou pelo menos assim pareceu. Pesquisadores da Universidade de Colônia, na Alemanha, conduziram o agora famoso estudo da bola de golfe (Damisch et al. 2010). Os participantes do estudo receberam um taco tipo putter e instruções para acertar uma bola de golfe em um buraco no tapete de um laboratório. Metade dos participantes recebeu a bola e ouviu: "Esta bola está com sorte hoje". A outra metade ouviu: "Esta é a sua bola". Ao final do teste, mais de 80% dos participantes alemães relataram acreditar no conceito de sorte, e quando os resultados foram contados, os pesquisadores descobriram que os participantes do grupo da bola da sorte acertaram o buraco significativamente mais vezes que o outro grupo. Além disso, Damisch e colaboradores replicaram este resultado com diferentes tarefas e várias superstições ativadoras de sorte diferentes. É claro que ainda não havia mágica, mas esses estudos pareciam demonstrar que acreditar na sorte dava aos participantes a confiança de ter um desempenho melhor do que o contrário. Um fenômeno há muito tempo especulado apenas como possibilidade finalmente havia sido demonstrado em um ambiente de laboratório.

No entanto, havia uma pegadinha. Como relatei na minha coluna on-line de janeiro de 2017, um grupo de pesquisadores da Universidade Dominion, em Illinois, EUA, replicou a pesquisa de Damisch et al. em 2014 e não encontrou nenhum efeito de melhoria na colocação relacionada à sorte (Calin-Jageman e Caldwell 2014). Mais: o estudo de 2014 incluiu mais de três vezes mais golfistas e foi um estudo pré-registrado – o que significa que o design e os métodos do estudo foram divulgados publicamente antes do início da coleta de dados. O estudo da Dominion foi muito mais completo e cientificamente sólido, e terminou nulo. Então, pelo menos no que diz respeito ao efeito da sorte no desempenho, ainda não temos um veredito! 

E quanto aos rituais?

Alguns tópicos deixam de ser estudados por muitos anos até que alguém encontre uma maneira inteligente de conduzir o tipo certo de experimento para eles. Foi assim com rituais. O uso de rituais em momentos de dificuldade parece ser atemporal e universal. Veja a prática judaica de observar “shivá” quando morre alguém da família, e o longo ritual de luto que se segue. Esse e outros rituais de luto parecem ter um valor reconfortante para os enlutados, mas como alguém testaria essa hipótese? Seria antiético criar uma perda semelhante no laboratório, e mesmo se você pudesse superar esse obstáculo, como escolheria o ritual correto a ser usado?

Em 2014, dois pesquisadores da Harvard Business School (sim, da Business School, a faculdade de administração) encontraram um caminho. Michael I. Norton e Francesca Gino (2014) realizaram uma série de experimentos que analisaram o papel dos rituais para enfrentar perdas. Para criar uma sensação de perda, eles convidaram as pessoas para o laboratório, separadas em grupos de 9 a 15 membros, e realizaram um sorteio de um prêmio em dinheiro de 200 dólares. A pessoa que ganhou o prêmio podia pegar o dinheiro e sair mais cedo, e o restante ficava para a parte do experimento.

Para observar o efeito dos rituais, Norton e Gino criaram um ritual aleatório para os presentes no laboratório. Depois de perder o sorteio, eles foram colocados em um cubículo separado e ouviram que “Pesquisas anteriores descobriram que as pessoas frequentemente fazem rituais após uma perda”. Em seguida, eles foram convidados a seguir o procedimento abaixo.

Passo 1: Por favor, pegue um papel e desenhe como você se sente, sentado em sua mesa por dois minutos; 

Passo 2. Polvilhe uma pitada de sal no papel com o seu desenho; 

Passo 3. Rasgue o papel; 

Passo 4. Agora, por favor, conte até dez em sua cabeça cinco vezes. 

Passo 5. Você concluiu a tarefa.

Outros participantes receberam a mesma informação de que “Pesquisas anteriores mostraram ...” sobre os rituais, mas não foram solicitadas a fazer um ritual.  Outros ainda receberam uma instrução similar: “Pesquisas anteriores descobriram que as pessoas geralmente ficam em silêncio após uma perda” e foram solicitadas a ficar em silêncio em seus cubículos.

As principais conclusões da pesquisa foram que a realização do ritual aumentava os sentimentos de controle e reduzia as emoções negativas da perda. Sentar-se em silêncio ou simplesmente ouvir que algumas pessoas se envolvem em rituais não era suficiente. Apenas o  desempenho do ritual de fato produziu o efeito.

Rituais Supersticiosos

Depois que Norton e Gino abriram o caminho para rituais e perdas, não demorou muito para que outros adaptassem seus procedimentos a outros usos dos rituais. Norton e Gino também haviam apontado que o ritual que planejavam envolvia rasgar uma imagem de "como você se sente no momento", uma característica que dava às ações uma espécie de significado simbólico. As implicações para a superstição e outros rituais de melhoria de desempenho foram fáceis de enxergar. Os resultados com bolas de golfe da sorte haviam sido nebulosos, mas se os rituais simbólicos fossem eficazes para lidar com a perda, talvez pudessem ser úteis em outras situações também.

Em 2016, Alison Wood Brooks, também da Harvard Business School, juntamente com colegas de outras quatro instituições, publicou um estudo chamado “Don't Stop Believing: Rituals Improve Performance by Decreasing Anxiety” (“Don’t Stop Believing: Os rituais melhoram o desempenho diminuindo a ansiedade”, em tradução livre) (Brooks et al. 2016). Em vez de criar uma situação de perda, Brooks e seus colegas trouxeram pessoas para o laboratório e as confrontaram com várias tarefas potencialmente ativadoras de ansiedade: fazer um teste de matemática difícil e cronometrado ou cantar a música “Don't Stop Believing”, da banda Journey, na frente de outros participantes.

Depois que os participantes souberam o que teriam que fazer, Brooks e seus colegas dividiram as pessoas em grupos rituais ou não-rituais. Antes da tarefa ativadora de ansiedade, o grupo ritual realizou uma sequência de atividades muito semelhante à usada por Norton e Gino:

Por favor faça o seguinte ritual: Faça um desenho de como você está se sentindo agora. Polvilhe sal em seu desenho. Conte até cinco em voz alta. Amasse o seu papel. Jogue-o no lixo.

Em uma série de experimentos, Brooks e colaboradores mostraram que os participantes que realizaram esse ritual se saíram melhor na tarefa (resolver problemas difíceis de matemática ou cantar) do que os que não o fizeram. Além disso, eles conseguiram mostrar que o efeito foi mediado por uma redução na ansiedade. Portanto, realizar um ritual simbólico antes de uma tarefa de alta ansiedade reduziu a ansiedade, que, por sua vez, produziu melhor desempenho. Os pesquisadores testaram vários controles para determinar o que estava por trás desse efeito redutor da ansiedade. Por exemplo, tanto no estudo de Norton e Gino quanto em alguns dos estudos de Brooks et al., o ritual pedia para o participante desenhar uma imagem de seus sentimentos naquele momento, para depois rasgá-la ou amassá-la e jogar o papel fora. Para determinar se esta era uma parte importante da fórmula, Brooks e colaboradores  criaram uma nova sequência que removeu a expressão artística da emoção e a destruição simbólica/descarte das emoções:

Por favor, conte em voz alta lentamente de zero a dez, depois conte de volta de dez a zero. Você deve dizer cada número em voz alta e escrever cada número no pedaço de papel à sua frente conforme vai dizendo. Você pode usar o papel inteiro. Polvilhe sal em seu papel. Amasse o seu papel. Jogue seu papel no lixo (Brooks et al. 2016, p. 80).

Para um grupo de participantes, essa nova sequência foi descrita como "comportamentos aleatórios" e, para outra, foi descrita como "ritual". Finalmente, um terceiro grupo não executou a sequência de ações. Os resultados mostraram que o grupo ritual teve menor ansiedade e desempenho significativamente melhor em um teste de matemática cronometrado do que o grupo de comportamentos aleatórios ou o grupo sem ritual. Os autores sugeriram que meramente chamar a sequência de “ritual” era suficiente para lhe dar a função simbólica necessária para reduzir a ansiedade e melhorar o desempenho. No entanto, não perceberam  nos participantes um maior senso de controle, o que foi surpreendente porque o desejo de controle foi frequentemente citado como motivação para um comportamento supersticioso (por exemplo, Hamerman e Johar 2013). Em vez disso, o efeito no desempenho se deu inteiramente pela redução da ansiedade.

Então, o que isso tudo significa?

Significa que os rituais supersticiosos funcionam? Sim e não. O estudo de Brooks sugere que os rituais supersticiosos funcionam – não porque sejam supersticiosos, mas porque são rituais. Qualquer ritual velho serve, incluindo escrever números em um pedaço de papel, amassá-lo e jogá-lo fora. Parece ser importante que a sequência de ações seja definida como um ritual e não como comportamentos aleatórios. Portanto, não há mágica real, mas há um pouco de mágica calmante na execução de uma sequência ritualística antes de se tentar uma atividade de alta pressão.

Como um prelúdio para a realização dos experimentos em seu estudo, Brooks e seus colegas entrevistaram 400 pessoas com a seguinte pergunta:

Pense numa ocasião em que você enfrentou uma tarefa difícil e se sentiu ansioso (por exemplo, uma prova, uma competição esportiva, uma entrevista). Você realizou algum ritual antes de fazer a tarefa? (SIM/NÃO)

Quarenta e seis por cento dos participantes responderam "sim". Curiosamente, os rituais que essas pessoas relataram eram esmagadoramente não-religiosos e sem quaisquer referência a sorte ou superstição. Quando Brooks e colaboradores  passaram a fazer seus estudos de laboratório, escolheram rituais que não eram expressamente supersticiosos e, no entanto, os rituais "funcionavam". A quantidade mínima de simbolismo exigida era o rótulo "ritual". Além disso, há algumas evidências de que os rituais funcionam mesmo se você não acredita neles. Em seu estudo de rituais e perdas, Norton e Gino (Experimento 2) perguntaram às pessoas se haviam usado rituais no passado e se acreditavam que “realizar rituais influenciou o modo como as pessoas se sentiram (por exemplo, mais calmas, menos tristes)”. As respostas dos participantes a essas perguntas não tinham relação alguma com o fato de os rituais realizados no estudo funcionarem ou não. Você não precisa acreditar na eficácia de um ritual para se sentir melhor. Todos esses estudos são preliminares, e será importante ver se eles se sustentam quando outros pesquisadores tentarem reproduzir seus resultados. Há muito mais que precisamos saber sobre porque e como os rituais funcionam. Mas essas descobertas iniciais são bem interessantes.

Qualquer ritual velho serve

Para os céticos que gostariam de desencorajar o pensamento supersticioso e irracional, essa linha de pesquisa tem vantagens e desvantagens. A desvantagem é que a pesquisa de Brooks e colaboradores sugere que os rituais supersticiosos funcionam – não porque são mágicos, mas porque são rituais. Como resultado, as características calmantes dos rituais supersticiosos e o melhor desempenho que eles geram provavelmente sustentarão o pensamento supersticioso. As crenças da pessoa supersticiosa parecerão ser validadas. A vantagem, no entanto, é que os céticos agora têm uma resposta pronta para aqueles que afirmam que suas superstições funcionam: sim, suas superstições funcionam, mas é o ritual, não a superstição, que faz você se sentir melhor. Qualquer ritual velho serve.

Stuart Vyse é psicólogo e autor de “Believing in Magic: The Psychology of Superstition”, que ganhou o prêmio William James Book Award da American Psychological Association. Também é autor de “Going Broke: Why American’s Can’t Hold on to Their Money”. Como especialista em comportamento irracional, ele é frequentemente citado na imprensa e fez aparições na CNN International, na PBS NewsHour e na Science Friday da NPR. Sua conta no Twitter é @stuartvyse. Este artigo foi publicado originalmente na revista "Skeptical Inquirer". Traduzido e reproduzido com permissão do autor.

 

REFERÊNCIAS

Brooks, Alison, Juliana Schroeder, Jane Risen, et al. 2016. Don’t stop believing: Rituals improve performance by decreasing anxiety. Organizational Behavior and Human Decision Processes 137: 71–85.

Calin-Jageman, Robert J., and Tracy L. Caldwell. 2014. Replication of the superstition and performance study by Damisch, Stoberock, and Mussweiler (2010). Social Psychology 45(3): 239–245.

Damisch, Lysann, Barbara Stoberock, and Thomas Mussweiler. 2010. Keep your fingers crossed!: How superstition improves performance. Psychological Science 21(7): 1014–20. Disponível online em http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/20511389.

Hamerman, Eric J., and Gita V. Johar. 2013. Conditioned superstition: Desire for control and consumer brand preferences. Journal of Consumer Research 40(3): 428–443.

Norton, Michael I., and Francesca Gino. 2014. Rituals alleviate grieving for loved ones, lovers, and lotteries. Journal of Experimental Psychology: General 143(1): 266–272.

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