O Brasil tem a maior incidência de raios do mundo. São 77,8 milhões de raios por ano. O Grupo de Eletricidade Atmosférica (ELAT) ligado ao Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) mantém um site no qual se pode acompanhar o mapa de raios que caem no Brasil em tempo real, além de várias pesquisas sérias sobre o assunto. Vejamos a seguir, como os raios são gerados, por que matam tantas pessoas pelo mundo, e como evitar mais mortes.
Quando era criança, acreditava que os trovões eram o resultado de duas nuvens que se chocavam: a colisão delas produziria os raios. É uma imagem simpática, mas errônea, como muitas outras explicações encontradas na mitologia antiga, e na internet atual.
Na verdade, o raio é uma descarga elétrica resultante da atração entre cargas positivas, existentes no solo, e negativas, acumuladas nas nuvens. Essa força produz um grande aquecimento do ar que, por sua vez, resulta em dois fenômenos concomitantes. Um deles é uma grande luminosidade e o outro é o trovão, uma onda sonora gerada pelo deslocamento de ar muito quente.
Como a velocidade da luz (300.000.000 m/s) é muito maior do que a velocidade do som no ar (343 m/s), a imagem do raio chega bem antes aos nossos olhos do que o estrondo, aos nossos ouvidos. O trovão pode atingir o nível sonoro de até 120 dB, equivalente a uma turbina de avião; e a corrente elétrica é, em geral, da ordem de 30.000 A(equivalente a 60 mil lâmpadas de 50 W ou 30 mil lâmpadas de 100 W), mas pode chegar a 200.000 A ou até 300.000 A (equivalente a 200 ou 300 mil lâmpadas de 100 W). O “A” é a abreviação de Ampère, a unidade usada para medir a intensidade de correntes elétricas.
O processo de formação das nuvens, a partir da condensação do vapor de água na atmosfera, junta partículas de gelo, água e granizo, que podem colidir entre si, gerando a eletrificação no interior das nuvens. Em geral, cargas positivas se acumulam na parte superior das nuvens e cargas negativas na sua parte inferior, propiciando descargas elétricas no seu interior.
Essas pequenas descargas induzem cargas opostas no solo e, então, vêm os raios que chegam a tocar o chão, e podem ser descendentes (da nuvem para o chão) ou ascendentes (do chão para a nuvem). O leitor mais interessado pode encontrar explicações detalhadas sobre esse processo neste link e algumas curiosidades aqui e aqui.
Cargas elétricas positivas e negativas se atraem, e buscam percorrer o menor caminho possível para se tocar. Um dos efeitos conhecidos do eletromagnetismo clássico é o “poder das pontas”, que diz que o campo elétrico torna-se mais intenso na vizinhança de uma ponta e, portanto, tende a concentrar as cargas nas regiões mais pontiagudas de um condutor [1].
Justamente por causa desse efeito, sempre que houver alguma ponta num ambiente um pouco mais plano, esse será o caminho escolhido pelas cargas para se juntarem. É comum que raios atinjam árvores, por exemplo. O Cristo Redentor, no Rio de Janeiro, recebe cerca de 6 raios por ano . Agora, imaginemos um jogador num campo de futebol ou um turista numa praia durante uma tempestade. Nosso corpo é basicamente água e sal e, portanto, um bom condutor elétrico. Conclusão óbvia: somos o caminho ideal para a passagem da descarga elétrica.
Também por essa razão, os para-raios são instalados em prédios altos, para que favoreçam ainda mais a passagem da descarga elétrica pela ponta e assim, asseguram, por meio de um aterramento eficiente, que ela escorra diretamente para a terra e não afete pessoas e instalações elétricas que se encontram próximas.
Portanto, nunca, jamais, em hipótese alguma, teste a sua sorte passeando ou ainda pior, nadando, numa praia durante uma tempestade. Também não se esconda da chuva embaixo de árvores, pontos de ônibus, tendas ou guarda-sóis.
E não jogue futebol na hora da chuva. Não contribua com a estatística de mortes por raios.
Débora Peres Menezes é Professora Titular do Departamento de Física da Universidade Federal de Santa Catarina, atual representante brasileira na Comissão de Física Nuclear (C12) da International Union of Pure and Applied Physics (IUPAP), membro do Comitê Gestor do INCT – Física Nuclear e Aplicações e Presidente do Grupo de Trabalho sobre Questões de Gênero da Sociedade Brasileira de Física. Foi Pró-Reitora de Pesquisa e Extensão da UFSC de 2008 a 2012.
NOTA:
[1] NUSSENZVEIG, Herch Moisés. Curso de Física Básica 3 Eletromagnetismo, São Paulo: Editora Edgard Blücher Ltda.