Este ano teremos duas aparições do Homem-Aranha confirmadas no cinema: A animação Homem-Aranha: No Aranhaverso, que estreou 10 de janeiro, e o Far From Home (Homem-Aranha: Longe de Casa) que tem estreia mundial marcada para o dia 05 de julho de 2019.
Não vamos entrar no mérito de Avengers: End Game, se teve spoiler da morte de Tony Stark no trailler de Far From Home ou se os Vingadores voltarão no tempo para salvar a coisa toda, inclusive o Homem-Aranha...
Vamos na lógica e na biológica de um dos superpoderes de Peter Parker, que é o sentido-aranha. Nos quadrinhos, esse poder é demonstrado como uma forma de percepção psíquica, um sexto sentido. Mas será que aranhas, de fato, têm um sexto sentido, ou sentem o mundo de uma forma diferente da nossa?
Em um trabalho de revisão publicado na revista Current Opinion in Neurobiology, Friedrich G. Barth discute três processos de captação de estímulos das aranhas. Se o Homem-Aranha adquiriu essas três peculiaridades ao ser picado pela aranha radioativa, ele certamente teria o poder de prever os movimentos dos inimigos, mesmo de olhos vendados.
Hipersensibilidade das aranhas
Os dois primeiros processos que Barth discute em sua revisão são as cerdas táteis e o tricobótrio.
A estrutura 1 mostrada na figura anterior são os pelos sensoriais. Eles são as estruturas mais comuns usadas para captação de estímulo no reino animal. Nas aranhas, os pelos sensoriais elevam o padrão de sensibilidade ao extremo. Para se ter uma ideia, as aranhas podem chegar a ter 40.000 pelos a cada cm2 de superfície do corpo, e três células sensoriais conectadas a cada pelo. Em humanos esses números são bem mais modestos: temos aproximadamente 60 pelos por cm2, cada um ligado a apenas uma célula sensitiva.
Como o próprio nome sugere, as cerdas são sensíveis ao toque. O fascinante dessa estrutura é a quantidade de força necessária para disparar o estímulo. Com mísero 0,000001 Newton, a aranha já sente algo. Quando seguramos na mão um objeto de 100 gramas, como uma maçã pequena, o peso que sentimos corresponde a uma força de aproximadamente 1 N. Ou seja, a aranha pode sentir um empurrão que é um milionésimo disso. Seria quase dizer que ela sente algo antes mesmo de ser tocada, o que pode explicar a agilidade do Homem-Aranha em desviar de golpes e objetos.
A estrutura 2 são os tricobótrios, responsáveis por auxiliar as aranhas a detectar mudanças no fluxo de ar. E se você achou que nada poderia ser mais sensível do que as cerdas táteis das aranhas, se prepare para conhecer essa estrutura que está entre os sensores biológicos mais sensíveis conhecidos até hoje.
O tricobótrio é capaz de detectar uma energia mecânica de até 10-20 J (0,00000000000000000002 joule). Esses valores correspondem a meras frações da energia de uma única partícula de luz verde. Então, se você quiser deixar uma aranha com raiva, basta apontar o laser verde na direção dela. Nem precisa ser nos olhos. Mire no tricobótrio. Isso também significa dizer que as aranhas conseguem sentir o bater de asas de uma mosca que está próxima. Ou a perturbação na atmosfera de uma nave em forma de Q chegando em Nova York.
Essa sensibilidade perde apenas para os pelos filiformes dos grilos, que são 10 vezes mais sensíveis que o tricobótrio. Em uma disputa de detecção de perturbação do ar, talvez o Homem-Aranha perca para o Black Kamen Rider.
Por fim temos os órgãos em fenda, que ajudaria muito o Homem-Aranha a ter superpoderes, caso a aranha radioativa geneticamente modificada causasse essas mutações em Peter.
Os órgãos em fendas (“slits” na figura anterior), ou órgãos vibracionais, são estruturas sensoriais distribuídas ao longo das patas das aranhas. Esses órgãos estão envolvidos na detecção de vibrações produzidas por companheiros, presas e predadores, e podem sentir até mesmo o menor dos movimentos. E é o menor MESMO. Uma distância menor do que um bilionésimo do metro (10-9 m) já é sentida pelas fendas. Então, qualquer vibração no chão poderá ser percebida por nosso herói cabeça-de-teia.
Pesquisadores sul-coreanos construíram um dispositivo que capta vibrações minúsculas usando o princípio por trás dos órgãos em fenda das aranhas. O sistema artificial recria as fendas usando camadas de platina e um polímero macio, com a passagem da eletricidade. Até mesmo pequenas mudanças no tamanho dessas fendas alteram a resistência elétrica, o que facilita a medição de vibrações fracas.
Os autores ainda sugerem a possibilidade de criar um sensor de frequência cardíaca virtualmente invisível, ou um dispositivo que permite que algumas pessoas com deficiência de fala voltem a ser ouvidas, por meio da captação das vibrações da garganta. E o melhor, nem vamos precisar ser picados por aranhas-mutantes-transgênicas-radioativas-orgânicas para ter esse superpoder!
Luiz Gustavo de Almeida é biólogo e pesquisador do Laboratório de Genética Bacteriana do Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade de São Paulo, coordenador dos projetos Cientistas Explicam e Pint of Science na cidade de São Paulo