Movimento antiflúor cresce nos Estados Unidos

Questão de Fato
12 abr 2024
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água saindo da torneira

 

Faz tempo que Regina Barrett, uma aposentada de 69 anos que mora na pequena cidade de Monroe, Carolina do Norte (EUA), não está feliz com a água da torneira.

"Nossa água tem estado turva e borbulhante e parece leitosa", disse Barrett, que culpa o flúor, um mineral que comunidades de todo o país adicionam, há décadas, ao abastecimento de água para ajudar a prevenir cáries e melhorar a saúde bucal.

“Eu não quero flúor em nada!”, disse Barrett, ecoando um número crescente de pessoas que não apenas duvidam da eficácia do mineral, como também acreditam que ele pode ser prejudicial, apesar de décadas de dados que apontam para os benefícios econômicos e de saúde pública de seu uso.

Em fevereiro, o Conselho Municipal do Condado de Union, cuja sede é Monroe, votou por 3-2 para parar de adicionar flúor à água potável na Estação de Tratamento do Rio Yadkin, a única fonte de água totalmente controlada e operada pelo condado. Mas a decisão veio depois de discussões acaloradas entre residentes e funcionários públicos.

“Meus filhos tiveram a bênção de crescer com flúor na água e ... eles têm bem poucos problemas dentários”, disse o conselheiro Richard Helms, antes da votação. Um colega de Conselho tinha opinião diferente: “Vamos parar de pôr algo na água que se destina a nos tratar, e dar às pessoas a liberdade de escolher”, disse David Williams.

A água de Barrett vem da cidade de Monroe, não das instalações de Yadkin. Então, por enquanto, ela continuará a beber água reforçada com flúor. "Estou desconfiada do motivo deles em adicionar isso à nossa água", disse ela à KFF Health News.

É um cenário que se repete por todos os Estados Unidos. Do Oregon à Pensilvânia, centenas de comunidades pararam, nos últimos anos, de adicionar flúor à água, ou votaram para evitar sua adição. Os defensores de tais proibições argumentam que as pessoas devem ter liberdade de escolha. A ampla disponibilidade de produtos odontológicos contendo o mineral faz com que não seja mais necessário adicioná-lo ao abastecimento público, dizem eles. Os Centros de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) dizem que, embora os produtos comprados em lojas reduzam a cárie dentária, a maior proteção vem quando eles são usados em combinação com a fluoretação da água.

O resultado de um caso federal em andamento na Califórnia pode forçar a Agência de Proteção Ambiental (EPA) a criar uma regra que regule, ou proíba, o uso de flúor na água potável em todo o país. Enquanto isso, a tendência vem alarmando pesquisadores de saúde pública que temem que, assim como as vacinas, o flúor possa ter se tornado uma vítima do próprio sucesso.

O CDC sustenta que a fluoretação de água comunitária não é apenas segura e eficaz, mas produz economia significativa de gastos em tratamentos odontológicos. Autoridades de saúde pública dizem que a remoção de flúor pode ser particularmente prejudicial para famílias de baixa renda — para as quais a água potável pode ser a única fonte de atendimento odontológico preventivo.

"Se você tem que se virar e se cuidar por conta própria, é um jogo totalmente diferente", disse Myron Allukian Jr., dentista e ex-presidente da American Public Health Association. Milhões de pessoas vivem com água fluorada há anos, “e não tivemos grandes problemas de saúde”, disse ele. “É muito mais fácil prevenir uma doença do que tratá-la”.

De acordo com o grupo antiflúor Fluoride Action Network, desde 2010, mais de 240 comunidades em todo o mundo removeram o flúor de sua água potável ou decidiram não o adicionar.

Basta olhar para o Condado de Union para ver o quanto as discussões podem ser intensas. Normalmente, quando os conselheiros se encontram no primeiro andar do Centro do Governo no centro de Monroe, há mais cadeiras vazias do que gente na audiência. Mas as sessões sobre a proibição do flúor no abastecimento público de água estavam lotadas, e os moradores que se inscreveram para falar estavam divididos.

Uma pessoa que veio ao microfone em 5 de fevereiro comparou a fluoretação da água a um cinto de segurança. Não “previne o acidente de carro, mas limita o dano causado”, disse ele. Outro argumentou que não há prova de que o flúor seja seguro ou eficaz. “É um marco potencial significativo reverter mais de 60 anos de envenenamento do público”, disse ele, usando uma alegação não comprovada e muitas vezes feita por oponentes da fluoretação.

Os oponentes do flúor afirmam que o mineral é responsável por tudo, desde acne até pressão alta, disfunção da tireoide e até câncer ósseo.

Os Institutos Nacionais de Saúde (NIH) reconhecem que, quando ingerido em quantidades extremamente grandes, o flúor de produtos odontológicos ou suplementos dietéticos pode causar náuseas, vômitos, dor abdominal, diarreia, dor óssea e até morte, em casos extremamente raros.

Bebês e crianças que recebem muito flúor podem desenvolver descoloração ou pequenos amassados nos dentes. Em adultos, o consumo excessivo de flúor por longos períodos pode levar à fluorose esquelética, uma condição muito rara que causa dor e rigidez nas articulações, ossos fracos, perda muscular e problemas nervosos.

No entanto, a dosagem recomendada na água potável sempre foi pequena. Em 2015, o Departamento de Saúde e Serviços Humanos do governo federal americano reduziu a concentração ideal de flúor de 1,2 miligrama por litro para 0,7 mg/L.

Juneau, Alasca, votou para remover o flúor de sua água potável em 2007. Um estudo publicado na revista BMC Oral Health em 2018 comparou os registros odontológicos de crianças e adolescentes que receberam atendimento odontológico para dentes cariados quatro anos antes e cinco anos depois que a cidade parou de adicionar flúor à água. Os procedimentos relacionados a cáries e os custos de tratamento foram significativamente mais altos no último grupo, mostrou o estudo.

Portland, Oregon, é a maior cidade do país que vem se recusando consistentemente a fluoretar sua água potável. Os eleitores rejeitaram repetidamente as medidas para adicioná-lo, primeiro em 1956 e a última vez, em 2013.

Apesar da forte recomendação de médicos e dentistas locais, os eleitores em Wichita, Kansas, rejeitaram a adição de flúor à água várias vezes, mais recentemente em 2012.

O Distrito de Serviços Públicos Municipais de Brushy Creek, no Condado de Williamson, Texas, vem adicionando flúor ao seu sistema de água desde 2007, mas encerrou a prática em dezembro.

Em 2016, os conselheiros do Condado de Collier, Flórida, optaram por não remover o flúor do sistema de água. Mas reverteram essa decisão, por unanimidade, após a decretação, em 2023, da Carta de Direitos da Liberdade em Saúde, em resposta à COVID-19, “para salvaguardar os direitos e liberdades de saúde dos residentes do Condado de Collier”.

A State College Borough Water Authority, na Pensilvânia, parou de adicionar flúor à água de seus 75.000 clientes em março de 2023. As autoridades usaram alegações frequentemente citadas por oponentes do flúor, como potencial contaminação ambiental, preocupações com a liberdade médica e possíveis efeitos adversos à saúde, como o potencial para o aparecimento de linhas brancas fracas nos dentes e redução do QI em bebês.

Um estudo publicado em JAMA Pediatrics em 2019, realizado em seis cidades canadenses, associou a exposição ao flúor durante a gravidez com menores pontuações de QI em crianças. Mas o estudo foi baseado em autorrelatos, e tem sido criticado por deficiências metodológicas.

Em 2016, vários grupos de defesa do consumidor, incluindo a Fluoride Action Network, Food & Water Watch e Moms Against Fluoridation, solicitaram à EPA que acabasse com a fluoretação da água, com base na Lei de Controle de Substâncias Tóxicas, alegando que pesquisas significativas mostravam que o flúor seria neurotóxico nas doses agora usadas. O mesmo grupo entrou com uma ação federal contra a EPA no ano seguinte, depois que a agência negou a petição.

Durante um julgamento de 10 dias em San Francisco, que terminou em meados de fevereiro, os dois lados debateram riscos e incertezas. Se o juiz distrital Edward Chen determinar que a fluoretação da água apresenta um “risco além do razoável” para a saúde humana, a EPA será forçada a criar uma regra que regule ou proíba a fluoretação da água nos Estados Unidos. Uma decisão é esperada em breve.

Por enquanto, as decisões sobre a fluoretação dos sistemas de água das municipalidades ainda são tomadas principalmente no nível local, o que Barrett espera que mude.

“Eles querem nossos dentes saudáveis, quando faltam necessidades básicas de moradia e comida”.

 

Melba Newsome. Publicado originalmente em KFF Health News. Leia o artigo original aqui.

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