Estudo publicado ano passado no periódico Archaeological Prospection, do Grupo Wiley, afirmando que o Monte Pandang, uma colina vulcânica localizada na ilha de Java, Indonésia, é na verdade uma pirâmide de 27 mil anos foi retratado no início desta semana. “Retratação” é o processo pelo qual uma publicação científica reconhece ter acolhido resultados inválidos – um trabalho retratado é formalmente excluído do registro científico.
Segundo nota da Wiley, a retratação ocorre porque foi determinado que as amostras usadas para estabelecer a datação do sítio “não estavam associadas a quaisquer artefatos ou características que pudessem ser interpretados de forma confiável como antropogênicos ou ‘feitos pelo homem’”. Em outras palavras, os autores do artigo aplicaram a técnica de datação por carbono 14 a amostras naturais de solo obtidas em suas escavações, não a vestígios de ocupação humana.
A descoberta de uma pirâmide 27 mil anos na Indonésia, se verdadeira, teria representado uma reviravolta no entendimento da história das civilizações: as pirâmides do Egito, por exemplo, têm menos de 5 mil anos, e o complexo de Gobekli Tepe, na Turquia, que contém os mais antigos pilares de pedra conhecidos, cerca de 9 mil.
O artigo retratado, “Geo-archaeological prospecting of Gunung Padang buried prehistoric pyramid in West Java, Indonesia”, havia sido duramente criticado quando da publicação original. Seu autor principal, Danny Hilman Natawidjaja, é acusado, há pelo menos uma década, por arqueólogos indonésios e de outras partes do mundo, de promover “fantasias pseudoarqueológicas” sobre o sítio arqueológico de Gunung Pandang, localizado no topo da suposta “pirâmide”.
Gunung Pandang é um conjunto de cinco terraços, ou plataformas, construídos com rochas e terra batida na encosta e no topo do Monte Pandang, provavelmente como base para celebrações religiosas, há cerca de 2 mil anos. Trata-se de um sítio já bem conhecido e estudado por arqueólogos indonésios. Na versão promovida por Hilman Natawidjaja, os terraços seriam apenas o topo de uma pirâmide pré-histórica soterrada.
No X-Twitter, o arqueólogo americano Flint Dibble, que já havia entrevistado especialistas indonésios sobre o sítio para seu canal no YouTube, acusou a exposição de motivos da retratação feita pela Wiley de ser “insuficiente” frente o caráter pseudocientífico do artigo ao se ater ao detalhe técnico da datação do solo. “Todos os arqueólogos que conheço que leram o artigo de Natawidjaja de 2023 sobre Gunung Padang puderam imediatamente identificar o fato de que não havia nenhuma evidência de que o local fosse uma pirâmide, nem qualquer evidência de que houvesse ocupação humana do local nas camadas mais antigas, da Era Glacial”, disse Dibble à revista Times Higher Education.
A pirâmide imaginária de Gunung Padang foi parte da série “documental” Revelações Pré-Históricas, apresentada na Netflix pelo jornalista escocês Graham Hancock em 2022. De fato, o artigo retratado traz um agradecimento a Hancock. Escrevem os autores: “Agradecemos ao Sr. Graham Hancock pela gentil revisão do manuscrito e à sua equipe por lançar luz sobre Gunung Padang em Revelações Pré-Históricas da Netflix”.
Carlos Orsi é jornalista, editor-chefe da Revista Questão de Ciência, autor de "O Livro dos Milagres" (Editora da Unesp), "O Livro da Astrologia" (KDP), "Negacionismo" (Editora de Cultura) e coautor de "Pura Picaretagem" (Leya), "Ciência no Cotidiano" (Editora Contexto), obra ganhadora do Prêmio Jabuti, "Contra a Realidade" (Papirus 7 Mares) e "Que Bobagem!" (Editora Contexto)