Até 76% das reações adversas às vacinas são "placebo ao contrário"

Questão de Fato
20 jan 2022
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Pesquisadores de universidades americanas e alemãs revisaram doze testes clínicos de vacinas contra a COVID-19 e calcularam que 76% das reações adversas consistem no chamado efeito nocebo: as pessoas ficam mal porque estão ansiosas e acham que vão ficar mal, ainda que os imunizantes não tenham realmente culpa no cartório. Na segunda dose, a prevalência do fenômeno é só um pouco menor: 52% das cabeças e braços doloridos são obra do fenômeno.

O efeito nocebo é o oposto do efeito placebo. No placebo, um remédio falso, como uma pílula de açúcar, gera um efeito fisiológico positivo (como melhorar a dor) porque o paciente acha que está sendo tratado. No nocebo, o efeito fisiológico é negativo.

A semelhança entre as palavras decorre de sua origem comum: ambas são verbos latinos na mesma conjugação. Placebo é forma futura do verbo placere, que significa “agradar” e deu origem à palavra “prazer” em português. Nocebo, por sua vez, é o futuro do verbo nocere, que significa “ferir” e compartilha a mesma raiz da palavra “nocivo”.

Os testes clínicos de vacinas e outros produtos da indústria farmacêutica sempre têm um grupo de controle, em que os voluntários tomam placebos sem saber. Isso é importante para que os pesquisadores possam excluir da análise o que é efeito da expectativa dos pacientes, e considerar apenas o que realmente resulta da vacina ou do remédio.

Os grupos de controle demonstram o efeito nocebo acima de qualquer dúvida: nos estudos das vacinas de COVID-19, 35% dos voluntários que receberam a dose falsa sofreram reações adversas, como se tivessem tomado a vacina de verdade. Na segunda dose, foram 32%. Ou seja: o medo da vacina fictícia causa reações adversas reais. O grupo placebo sofre com efeito nocebo.

Esse problema não se manifesta só no caso das vacinas contra a COVID-19, embora haja a possibilidade de que, no contexto atual, o discurso antivaxxer atice os medos da população e, com isso, gere mais eventos de nocebo do que o esperado. Uma outra revisão sistemática, publicada em 2013, revela que um em cada 20 voluntários de testes clínicos de drogas contra depressão largam os estudos por causa dos efeitos colaterais, e depois descobrem que estavam no grupo placebo.

Ted Kaptchuk, professor de Harvard e autor principal do estudo sobre nocebo na COVID-19, defende que informar a população sobre o efeito pode diminuir sua incidência: se as pessoas entenderem que o medo causa mais reações adversas que a vacina em si, elas ficarão mais calmas e menos propensas a passar pelo problema. “A maioria dos pesquisadores acredita que os pacientes devem saber menos sobre os efeitos colaterais para reduzir a ansiedade", ele diz ao The Guardian. “Eu acho que isso está errado: honestidade é o caminho”.

 

Além do óbvio

Vale dizer que o efeito placebo não ocorre apenas com pílulas de açúcar ou seringas de água e sal. Ele também é capaz de amplificar o efeito de um tratamento real. Da mesma forma, o efeito nocebo não precisa necessariamente partir do zero – ele também pode piorar os efeitos colaterais, se eles já estiverem presentes.

Em um experimento realizado em 2001, pesquisadores deram um analgésico a pacientes com dor. Os pacientes, na esperança de se sentirem melhor, produziram suas próprias moléculas analgésicas, que se conectaram a receptores no cérebro e aumentaram o alívio. Quando os pesquisadores bloquearam esses receptores e deixaram só o remédio atuar, os pacientes relataram mais dor.

Esse experimento demonstra dois pontos importantes: 1. O efeito placebo não é só um fenômeno psicológico, ele mexe com a bioquímica do corpo; 2. O efeito placebo não entra em ação apenas quando ingerimos substâncias inócuas, ele também colabora com o funcionamento de remédios de verdade. A presidente do IQC, Natalia Pasternak, explica esse e outros experimentos sobre placebo neste texto da RQC.

Bruno Vaiano é jornalista

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