Perigos da medicina alternativa em debate global

Questão de Fato
19 mar 2021
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A presidente do Instituto Questão de Ciência (IQC), Natalia Pasternak, participou na quinta-feira, 18, de um debate sobre medicina alternativa no Congresso Global de Pensamento Científico. Os riscos e perigos destas práticas, como homeopatia, quiropraxia, ozonioterapia e a indiana ayurveda, entre outras, foram tema de painel público no segundo dia do evento promovido pelo IQC em conjunto com o Aspen Institute Science & Society Program, dos EUA, em discussão coordenada pela bióloga e jornalista científica argentina Roxana Tabakman, que destacou a forte presença de algumas dessas práticas na América Latina, e lamentou sua incorporação por muitos dos sistemas de saúde da região.

No modelo de debate adotado no congresso, Natalia foi sabatinada por Narendra Nayak, presidente da Federação Nacional de Racionalistas Indianos, que anteriormente também já havia lamentado a grande adesão da população de seu país à medicina alternativa, em especial à homeopatia, sob a falsa impressão de que teria uma origem local, como a ayurveda. Esta, por sua vez, é outro grande problema na Índia, já que, segundo Nayak, muitos adeptos da prática, que também carece de evidências de eficácia e cujos produtos por vezes contêm substâncias tóxicas como chumbo, mercúrio e arsênico, apresentam-se como médicos licenciados, afastando pacientes de terapias efetivas para suas condições.

Na conversa com a presidente do IQC, Nayak dividiu sua preocupação com a condução da pandemia de COVID-19 em seu país e no Brasil, que têm em comum o fato de seus governos terem apostado na cloroquina no tratamento e prevenção da doença, apesar das seguidas e crescentes evidências científicas de que o medicamento antimalárico não só é inútil pra a doença viral, como potencialmente danoso para os pacientes.

“A hidroxicloquina foi e ainda é um grande problema na pandemia de COVID-19 no Brasil”, disse Natalia. “Ela é uma amostra de como os brasileiros têm uma forte tendência de acreditar em pseudociências. Até médicos continuam a prescrever e discutir sobre a hidroxicloroquina, embora o resto do mundo já tenha entendido que ela não funciona para a COVID-19 e não haja nenhuma evidência de que ela funcione”. 

E não é só a hidroxicloroquina, destacou a presidente do IQC, citando uma lista de medicamentos sem comprovação científica de ação contra a COVID-19 que também estão sendo prescritos no país e distribuídos em supostos “kits” de prevenção da doença no Brasil, como o remédio para piolhos ivermectina e o vermífugo nitazoxanida, e abordagens pseudocientíficas para sua profilaxia e tratamento, como homeopatia e ozonioterapia.

“As pessoas realmente acreditam que estes remédios funcionam para a COVID-19, tomam estas drogas e acham que estão protegidas. Elas pensam que não precisam fazer quarentenas, lockdowns porque estão tomando curas milagrosas que as protegerão da COVID-19 e assim chegamos a esta triste situação em que o Brasil está se tornando uma ameaça para a saúde pública global”, comentou.

 

Bolas de golfe

Após o debate com o indiano, Natalia, por sua vez, entrevistou Joe Schwarcz, químico e diretor do Departamento para Ciência e Sociedade da Universidade McGill, no Canadá, sobre a criação e atuação de seu setor na instituição, caso único no mundo de uma estrutura acadêmica voltada diretamente para a comunicação e esclarecimento do público sobre temas científicos. Segundo Schwarcz, é uma história de cerca de 40 anos: desde que começou a lecionar, ele procurava sempre uma forma de relacionar a ciência com o dia a dia das pessoas. Isso fez com que passasse a ser chamado para palestras para o público leigo, depois a programas de rádio e outras aparições na mídia, numa “bola de neve” que acabou levando a universidade a abrir o escritório, com a ajuda de um generoso patrocínio filantrópico.

“E tudo tem sido uma verdadeira montanha-russa, pois lidamos com todo tipo de coisa, não apenas medicina alternativa, mas também cosméticos, aditivos alimentares, todo tipo de charlatanismo”, contou. “Nunca tenho um dia tedioso, pois nunca sei qual vai ser a pergunta quando o telefone toca, como gente perguntando sobre suposto o risco de envenenamento por pesticidas ao beijar uma bola de golfe, e também, claro, todo tipo de questões sobre terapias alternativas”.

Schwarcz aproveitou e também exibiu parte de uma coleção de aparelhos médicos pseudocientíficos, supostamente capazes de diagnosticar, prevenir ou curar todo tipo de doença, de resfriados a câncer, como um bastão “gerador de hidrogênio”, pêndulos e garrafas com cristais e até um tipo de massageador de umbigo. 

“A razão que acho estes aparelhos interessantes é que as alegações feitas a favor de todos estes itens são basicamente as mesmas: ou desintoxicam, ou curam, ou eliminam doenças. Não interessa o que o aparelho faça ou onde seja empregado, no umbigo ou em outra parte de sua anatomia, todos supostamente funcionam da mesma maneira”, disse. 

“E isso me fez pensar em todas estas alegações, como todos estes aparelhos, que supostamente funcionam de maneiras diferentes, seriam igualmente eficazes. E a resposta, claro, é a mente. Há uma forte correlação entre o corpo e a mente. Se você acha que algo vai funcionar, frequentemente vai. É o que chamamos de efeito placebo, que ataca cerca de 30%, 40% das vezes. Então, algumas vezes, eles até podem ser úteis. O problema é quando são usados para substituir as terapias convencionais que de fato podem funcionar. Quando alguém decide usar um massageador de umbigo no lugar de ir para uma sessão de quimioterapia, aí temos um grande problema”.

Instado por Natalia, Schwarcz acrescentou que outro tipo de dúvidas a que costuma responder muito envolve a oposição entre produtos ditos “naturais” e os chamados “artificiais”, em que os primeiros supostamente seriam necessariamente melhores e benéficos e os outros, prejudiciais.

“Devo dizer que, nos meus 40 anos de atuação nesta área, este é o maior mito que já tive que enfrentar, de que alguma forma tudo o que é natural é visto como benigno e o que é sintético é automaticamente perigoso”, declarou. “E isso, claro, sabemos que não é o caso. A única maneira que podemos dizer se qualquer substância é benéfica ou prejudicial é estudando-a. Tenha sido produzida pela natureza num arbusto ou por um químico num laboratório, isso é totalmente irrelevante. O que interessa é o que ela é e o que faz, baseado em evidências”.

Neste ponto, Schwarcz contou que uma boa estratégia é guiar o interlocutor com perguntas sobre onde, como e de quem ouviu as alegações, de forma que ele mesmo comece a questioná-las.

“Ao fazer estas perguntas, é possível colocar a pessoa no rumo certo sem ser dogmático, sem dar-lhe um sermão”, explicou. “Na minha experiência, o método que melhor funciona é deixar a pessoa descobrir a verdade por si mesma. É fazer as perguntas certas, pois o charlatanismo infelizmente nunca vai sumir. Ele sempre esteve por aí e sempre estará, porque é muito sedutora a ideia geral de que existem soluções simples para problemas complexos. Convenhamos que quimioterapia ou radioterapia não são tão atraentes como homeopatia ou cromoterapia, ou suplementos coloridos”.

Por fim, coube a Schwarcz entrevistar Edzard Ernst, professor emérito da Universidade de Exeter, Reino Unido, e pesquisador de medicina alternativa, justamente sobre a própria denominação destas práticas tanto como “medicina” quanto como “alternativa”, numa conotação de que teriam alguma legitimidade do ponto de vista da saúde, quanto como opção à medicina convencional. Neste sentido, Edzard destacou que ficou conhecido justamente por denominar todo este conjunto de práticos como a “assim chamada medicina alternativa” (“so called alternative medicine”, ou “scam” na sigla em inglês, palavra que também pode ser traduzida como “golpe”, “enganação” e dá título a um de seus livros de maior sucesso sobre o tema).

“Ao criticar homeopatia, acupuntura ou qualquer coisa do tipo, prefiro mencionar diretamente a prática da qual estou falando, mas como guarda-chuva geral ‘medicina alternativa’ ainda é um termo útil, porque é o que as pessoas conhecem”, ressaltou.

Segundo Edzard, uma das razões para que estas práticas ainda façam sucesso, agora muitas vezes denominadas como “integrativas” ou “complementares”, está no fato de que tanto público quanto a academia, e os próprios profissionais de saúde, deixam-se seduzir por elas, seja por interesses econômicos quanto por inação ou omissão.

“As universidades vão para onde o dinheiro está, e muitas vezes organizações filantrópicas oferecem recursos para pesquisas nestas áreas”, criticou. “Correção política é outra chave para entender isso. Ninguém quer ser visto como um ‘dinossauro’ e rechaçar algo que esteja na moda. Já entre os profissionais de saúde, uma razão é que as faculdades de medicina ensinam muitas coisas, mas não pensamento crítico. Não é que os estudantes de medicina não sejam capazes de questionar, mas eles já estão muito ocupados com tudo que precisam aprender. Estão mergulhados em uma máquina de aprendizado, não de pensamento”.

Para acompanhar o Congresso e assistir às compilações em vídeo dos debates, acesse o site do evento no Aspen Institute

 

Cesar Baima é jornalista e editor-assistente da Revista Questão de Ciência

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