O novo coronavírus SARS-CoV-2 e a doença que ele causa, a COVID-19, continuam a se alastrar pelo país, sem sinais de arrefecimento. Novo estudo da Fundação Oswaldo Cruz mostra que nenhum estado apresenta, até o momento, sinais de redução da transmissão. A análise revela, ainda, o risco de se adotar políticas de flexibilização do isolamento social nas grandes metrópoles, como foi feito por alguns governadores e prefeitos, enquanto aumenta a interiorização da epidemia.
Segundo o geógrafo e mestre em saúde coletiva Raphael Saldanha, da Fiocruz, a ausência de indicadores de queda da transmissão da COVID-19 é preocupante.
“Essa tendência pode configurar um patamar (‘platô’), que pode se prolongar por tempo indeterminado”, alerta. “As medidas de relaxamento do isolamento social nas cidades maiores e nas capitais, sobretudo quando elas apresentam comportamento ascendente das curvas de óbitos, representam um risco para o agravamento do impacto da pandemia, tanto devido ao aumento da possibilidade de difusão do vírus em direção a municípios do interior, quanto pela sobrecarga dos serviços de saúde que isso pode provocar nas capitais e centros urbanos de maior porte”.
O estudo, feito pela equipe do MonitoraCovid-19 – um sistema criado por pesquisadores da Fiocruz e do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), que integra dados sobre o novo coronavírus no Brasil e no mundo –, da qual Saldanha faz parte, mostra que a epidemia está crescendo nos municípios que são mais dependentes do sistema de saúde das grandes cidades. O levantamento se baseia em uma nova metodologia de monitoramento da epidemia, que mostra a semana de maior concentração de casos (‘pico’), o que permite identificar e comparar tendências entre estados e municípios.
De acordo com a nota técnica divulgada pela equipe do MonitoraCovid-19, os estados do Espírito Santo, Goiás, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, Paraíba, Piauí, Rio Grande do Norte, Rondônia e Sergipe apresentaram na semana epidemiológica 24 (07/06 – 13/06), a última com dados consolidados, a maior concentração de casos até o momento. São Paulo, Distrito Federal, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Paraíba, Paraná, Piauí, Rio Grande do Norte, Rondônia, Roraima, Sergipe e Tocantins apresentaram, por sua vez, na mesma semana epidemiológica 24, a maior concentração de mortes até o momento.
Pode parecer uma contradição. Se houve uma semana de pico, depreende-se que nas seguintes houve uma redução do número de casos. Saldanha explica essa aparente incongruência.
“Alguns estados apresentaram a maior quantidade de casos até o momento na semana epidemiológica 24, e em outros, a de maior número de casos foi a 23 (31/05 – 06/06), 22 (24/05 – 30/05), ou mesmo a 21 (17/05 – 23/05).”, diz. “Contudo, observa-se que, nesses estados, a quantidade de novos contaminados apresenta forte oscilação, não exibindo um comportamento claro, semana após semana, de redução gradativa e progressiva”.
A nota técnica mostra ainda que a doença apresenta diferentes comportamentos epidêmicos, que variam de acordo com o tempo de introdução do vírus em uma localidade e o período necessário para a transmissão comunitária na população, quando se observa um crescimento acentuado no volume de casos e mortes.
“Alguns municípios brasileiros ainda apresentam um comportamento de recrudescimento dos casos e dos óbitos por COVID-19”, diz o texto. “Sendo assim, é importante reiterar que o agente patogênico não respeita limites políticos administrativos para sua disseminação e as cidades funcionam em redes de conexão tanto para seu desenvolvimento econômico quanto para tratamento de saúde da população”.
De acordo com a equipe, o que acontece numa região metropolitana se repete no interior, com duas ou três semanas de atraso. Por isso é importante manter as medidas de isolamento, mesmo depois de passado o “pico” nas capitais.
“A epidemia ainda está se alastrando nos estados, nas cidades, nos seus bairros e comunidades, levando a um aumento da quantidade de casos”, diz Saldanha. “Em alguns estados e capitais, as medidas de isolamento social estão começando a ser relaxadas em um momento em que a transmissão do vírus ainda é alta, e a quantidade de testes é insuficiente, o que pode ajudar a explicar a manutenção de registros de casos novos em patamares ainda altos”.
Os pesquisadores tomaram como exemplo Pernambuco, mas os resultados podem ser estendidos a outras unidades federativas.
“Os dados para esse estado, como um todo, apresentam uma tendência de queda na quantidade de casos novos até a semana epidemiológica 24”, explica Saldanha. “Mas, ao observar a contagem de contaminados por cidade, verifica-se comportamentos diferenciados. Dos 185 municípios do estado, 111 (60%) já têm mais de 30 casos; e destes, 30 apresentam a semana epidemiológica 24 como aquela com maior concentração de contaminados; 31 tiveram a semana 23 como a de maior concentração. Na capital Recife, a semana com maior número de casos foi a 21”.
Diante deste quadro, Saldanha diz que as medidas de isolamento social são as únicas ferramentas efetivas conhecidas para o combate da epidemia.
“Considerar o relaxamento delas em municípios ou regiões metropolitanas onde a quantidade de casos novos ainda não deu sinais claros, contínuos e progressivos de redução é um grande risco para a saúde pública”, alerta.
Segundo ele, argumentos como o aumento da capacidade hospitalar, maior disponibilidade de leitos de UTI e a possibilidade de retomada das medidas de isolamento frente a um cenário de novo aumento no número de casos novos são perigosos.
“Movimentos abruptos de flexibilização e retomada de medidas de isolamento podem levar a população a uma descrença no Estado, esvaziando a adesão”, diz. “O objetivo a ser alcançado é que as pessoas não adoeçam. Não há justificativa para que o Estado permita que a população contraia uma doença evitável, cujas sequelas são preocupantes, seja a COVID-19 ou qualquer outra”.
Evanildo da Silveira é jornalista