Pesquisas paralisadas, projetos adiados ou interrompidos, atrasos em uma parte dos trabalhos realizados com animais, estudos e coletas em campo postergados, congressos, viagens, visitas acadêmicas, cursos de extensão e presenciais cancelados. Esta é a situação das universidades e instituições de pesquisas brasileiras, por causa da pandemia de COVID-19. Alguns pesquisadores também estão tendo dificuldades em atender compromisso financeiros com fornecedores de insumos e equipamentos.
Segundo a médica, também formada em Educação Física, Neiva Leite, do Núcleo de Pesquisa em Qualidade de Vida (NQV) da Universidade Federal do Paraná (UFPR), há prejuízo em curto prazo na “ciência brasileira como um todo” e talvez haja em médio e longo, dependendo do tempo que durar o isolamento social. “Nós, cientistas, precisamos nos adaptar a algo que ultrapassa a dimensão pessoal ou governamental do Brasil”, diz. “O problema é para a ciência em termos mundiais, independentemente do país, ou seja, é global”.
Seu colega do Departamento de Zoologia da mesma universidade, John Lattke, diz que, por conta do isolamento social, não pode ter mais de um estudante em cada sala do seu laboratório. “Temos poucos equipamentos e temos que desinfetar os microscópios de utilização compartilhada após cada uso”, conta. “Os estudantes que moram longe ficam prejudicados pelos riscos de pegar ônibus. Os de pós-graduação não podem fazer suas práticas em docência, com as aulas suspensas. A utilização de certos serviços, como microscopia de varredura, por exemplo, também está interrompida”.
As pesquisas Lattke são principalmente taxonômicas, que por enquanto podem ser feitas utilizando exemplares de museu. “Podemos examinar espécimes pertencentes à nossa coleção de entomologia, mas não pedir empréstimo de outras instituições, nem enviar amostras de nossa coleção para pesquisadores externos”, conta. “Essa atividade está prejudicada por limitações com pessoal que está fazendo home office, em grupo de risco ou observando isolamento social”.
De acordo com o pesquisador Emerson Camargo, do Departamento de Química da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), de modo geral, alguns trabalhos que dependem de cobaias e testes clínicos, por exemplo, poderão sofrer prejuízo e talvez seja necessário descartar os resultados recentes, que foram interrompidos, e reiniciar experimentos. “Algumas pesquisas na área de economia, baseadas em séries temporais, também poderão ser afetadas, porque o ano de 2020 é atípico”, acrescenta. “Contudo, esses problemas são inerentes à situação que estamos vivendo”.
Há regiões em que as dificuldades causadas pela pandemia podem ser ainda maiores, como é o caso da Amazônia. “Aqui, há o agravante de que nem todos os alunos conseguem acesso de qualidade à internet e, portanto, aulas online tornam-se um desafio, já que há a preocupação institucional de não prejudicar nenhum deles”, diz a bióloga Claudia de Barros e Azevedo Ramos, do Núcleo de Altos Estudos Amazônicos (NAEA), da Universidade Federal do Pará (UFPA). “A solução ainda está sendo discutida internamente”.
De acordo com ela, outra preocupação não menos grave é que muitas pesquisas são feitas fora das quatro paredes de laboratórios. É preciso visitar comunidades e interagir com a população. Alguns pesquisadores fazem estudos no campo com biodiversidade ou ciências da terra, entre tantas outras. “Todas estas atividades hoje envolvem risco para a equipe e para as comunidades”, diz. “No momento, há necessidade de readaptação dos objetivos e métodos ou esperar pelo arrefecimento da epidemia. De toda forma, o prejuízo já é presente. Projetos de pesquisa, bolsas de alunos, aulas, prazos, recursos foram todos afetados. A solução, como em qualquer outro setor, está à mercê do tempo e de estratégias efetivas de contenção do contágio pela COVID-19, para que possamos voltar a alguma normalidade o mais breve possível”.
Entre os prejuízos causados pela pandemia está o cancelamento de encontros, seminários e congressos. É o que aconteceu com a também bióloga da UFPA Maria Luísa da Silva, que estava organizando o I Congresso Brasileiro de Bioacústica, que seria realizado em Minas Gerais, em julho deste ano, mas teve que ser adiado para o ano que vem. “Meu trabalho também havia programado coleta de dados em campo para um projeto em colaboração com pesquisadores do exterior e tivemos de cancelar”, conta. “Além disso, não houve condições de darmos andamento a projetos de pesquisas dos alunos e um grande de extensão com as aves do campus da UFPA. Vamos pensar em um congresso online e reuniões virtuais para tomar decisões”.
A pandemia de COVID-19 trouxe também dificuldades de importação de equipamentos e insumos para pesquisa. “Adquirimos um aparelho de suma importância para nossos estudos, que deveria chegar ao nosso laboratório na semana de 17 de março, mas todas as entregas e instalações foram adiadas indefinidamente”, lamenta o engenheiro químico Gustavo Mockaitis, da Faculdade de Engenharia Agrícola da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). “Também estávamos prestes a assinar um convênio de colaboração científica e tecnológica com uma grande empresa, e este processo desacelerou bastante”.
A formação dos alunos também sofre, principalmente no caso da pós-graduação, como mestrado e doutorado. “Administrativamente é fácil prorrogar o prazo de defesa de teses e dissertações, frutos dos trabalhos dos pós-graduandos, mas será que as agências de fomento vão conseguir prorrogar as bolsas também?”, indaga Mockaitis.
Para a bióloga especialista em microbiologia Carolina Neumann Keim, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), o prejuízo maior será para aprendizado dos alunos de graduação e pós-graduação, principalmente os mais jovens. “Alguns ainda não conseguem se virar sozinhos em casa para entender os artigos científicos que estão lendo, ou extrair as informações mais relevantes para o trabalho deles, ou lidar com a falta de prazo”, explica. “Nem todos têm um canto da casa sossegado para se concentrar no estudo e no trabalho. Acho que a maioria não está aproveitando o tempo de forma produtiva”.
Os prejuízos da pandemia só não são maiores para a ciência porque muitos pesquisadores e alunos estão aproveitando o tempo para redigir artigos científicos, dissertações e teses, por exemplo. “Estamos aproveitando para colocar em dia a parte de redação de artigos científicos, relatórios, e os estudantes estão adiantando a escrita de seus projetos de tese”, diz a farmacêutica bioquímica Agnes Marie Sá Figueiredo, da UFRJ. “Ou seja, estamos mudando as nossas prioridades, de forma que possamos trabalhar no sistema de home office”.
Portanto, acrescenta ela, assim que retornarem aos laboratórios, como a redação foi adiantada, haverá mais disponibilidade para se dedicar à parte experimental. “Essas estão sendo às estratégias” conta. “Fazemos também reuniões online para discutirmos os nossos trabalhos e resultados, e as perspectivas futuras”.
A revalorização da ciência é apontada como um aspecto positivo trazido pela pandemia. “Essa crise mostra que investir em ciência e no ensino dela nas escolas de nível médio e fundamental é estratégico para o país”, diz Camargo. “As pessoas que aderiram ao isolamento compreenderam a importância dele, porque sabem como ocorre a transmissão de um vírus. Apesar das fake news sobre a origem dele, as pessoas voltaram à compreensão da Teoria da Evolução, para entender como esse novo coronavírus surgiu. Ele não foi uma praga que apareceu instantaneamente. É uma evolução natural de um vírus anterior”.
Para a geneticista Marcia Giambiagi de Marval, da UFRJ, “a sociedade como um todo” começou a entender a necessidade de ter pesquisa e cientistas para realizá-la. “Sem dúvida, isto representará um ganho para os projetos em desenvolvimento e possivelmente mais financiamento”, acredita. “Por outro lado, os alunos estão ficando mais cientes da sua responsabilidade do processo de formação e o lugar que virão a ocupar na sociedade. Com certeza estarão mais amadurecidos na retomada. Este amadurecimento pessoal sem dúvida se verá refletido nos projetos desenvolvidos”.
Evanildo da Silveira é jornalista