Desemprego: números oficiais e previsões

Questão de Fato
23 dez 2019
desempregado na fila

 

No final de ano, uma coisa é tão certa quanto ceia de Natal e contagem regressiva no réveillon: reportagens na TV com previsões para o ano novo. Cartomante, leitores de bola de cristal, ceromancia (adivinhação por meio do movimento de chamas de velas!), quiromancia e afins surgem em telejornais para explorar nossas angústias existenciais e alimentar expectativas com base na incerteza e nenhuma evidência científica. Previsões sobre amor, carreira, saúde, economia e política invadem o imaginário popular. E é assim que muitas pessoas acreditam que o alinhamento de Plutão com Saturno em quadratura com o Sol indica alguma coisa, seja lá o que for. O hábito de associar previsão a algum tipo de método mágico fragiliza o esforço de previsibilidade assentado em métodos robustos, baseado em indicadores sociais. 

Os indicadores estão para a gestão governamental assim como um check up está para a medicina: sua principal função é auxiliar o profissional a tomar decisão[i]. Se o colesterol está alto, por exemplo, é preciso melhorar a alimentação e fazer exercícios físicos. De modo similar, quando a pobreza é extrema, uma saída é implementar políticas de redistribuição de renda e incentivar a geração de empregos. No Brasil, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística mede a taxa de desocupação a partir da razão entre a quantidade de pessoas desocupadas e o total de pessoas economicamente ativas de um determinado grupo etário[ii]. A Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua fornece estimativas mensais sobre a proporção de desocupados desde janeiro de 2012. Vejamos o Gráfico 1 (elaboração própria, a partir do IBGE).

grafic 1

 

A linha pontilhada vermelha indica a média da taxa de desocupação de janeiro de 2012 até agosto de 2019: 9,74%. A linha vertical azul, por sua vez, demarca o início do governo do presidente Jair Bolsonaro. Levando-se em conta os oito meses de 2019, a média é de 12,06%, com desvio padrão de 0,39%. Quanto à variação longitudinal, verificamos uma tendência consistente de redução desde 2017. No trimestre encerrado em outubro (ago-set-out), a taxa de desemprego foi de 11,6%. A Tabela 1 sintetiza a estatística descritiva da taxa de desocupação entre 2012 e 2019.

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Comparativamente, a menor média de desemprego foi observada em 2014 (6,88%), com desvio padrão de 0,27%. Já em 2017, ano mais crítico para quem buscava trabalho, a média da taxa de desocupação foi de 12,68%, com desvio padrão de 0,62%. O Gráfico 2 apresenta a variação do desemprego por sexo. 

 

graf2

   Para os homens, a média foi de 8,35% (ver linha pontilhada azul) e para as mulheres a média foi de 11,48% (ver linha pontilhada vermelha).  A diferença média é de 3,13%, ou seja, as mulheres no Brasil enfrentam mais dificuldades na hora de encontrar um trabalho, na comparação com os homens. E isso é consistente ao longo do tempo, como pode ser observado pela diferença de nível entre as duas linhas. Enquanto o desemprego entre os homens vem caindo desde 2017, a taxa de desocupação entre as mulheres sofreu um ligeiro incremento no período mais recente, passando de 14,08%, em 2018, para 14,30%, em 2019. 

Com o objetivo de contribuir com este debate, a série de desemprego foi decomposta para melhor entender o seu comportamento. Dessa forma, identificamos mais precisamente a tendência dos dados, bem como podemos detectar a presença de eventuais efeitos sazonais. O Gráfico 3, formado por um painel com quatro distribuições, ilustra essas informações.  

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A primeira distribuição simplesmente repete a variação da taxa de desemprego ao longo do tempo (observed), tal qual vimos no Gráfico 1. A segunda distribuição mostra a tendência da série (trend), na qual se observa um crescimento acelerado na taxa entre 2015 e 2017 (tendência positiva), seguida de uma leve queda (tendência negativa). A terceira distribuição indica a presença de sazonalidade, ou seja, um comportamento cíclico de curto prazo que se repete em períodos definidos no tempo. Por fim, a última distribuição ilustra o comportamento do componente aleatório da série (random), isto é, agrupa todos os elementos imprevisíveis de um determinado conjunto de dados.

A análise da distribuição mensal do desemprego, conforme se observa no Gráfico 4, ajuda a compreender melhor a dinâmica da desocupação ao longo do tempo (tendência e sazonalidade).   

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 Verifica-se que a taxa de desocupação obedece a um padrão temporal consistente. Entre março e outubro, a tendência é de queda. Em particular, os meses de novembro e dezembro exibem as menores médias históricas de desocupação por conta das contratações temporárias de final de ano.  Depois disso, observamos um incremento nos meses de janeiro, fevereiro e março. E esse padrão é consistente ao longo dos anos. 

Depois de compreender a variação da taxa de desocupação ao longo do tempo, o próximo passo é usar os padrões detectados para apresentar modelos preditivos até o final do ano. Isso pode soar um pouco como astrologia – usar padrões recorrentes no passado (no caso, da posição das estrelas) para prever o futuro (no mesmo caso, eventos históricos ou comportamentos), mas perceba que estamos usando dados sobre desemprego no passado para modelar o desemprego futuro. Isso está mais próximo da astronomia, que usa as posições conhecidas das estrelas hoje e ontem, e as leis da física, para prever as posições que essas mesmas estrelas terão no futuro. 

Em ciência social não temos leis tão inexoráveis quanto a da gravitação universal, e as interações entre seres humanos na sociedade são mais complexas do que entre massas girando no vácuo, então trabalhamos com cenários e incertezas, mas o princípio de fundo é o mesmo.

A Tabela 2 resume as estimativas de três diferentes modelos. 

tab2

 

 

Abaixo, reportamos também os intervalos de confiança de 80% e 95% para cada modelo. 

 

points

 

De acordo com nossas estimativas, para o modelo ETS, a taxa de desocupação no trimestre encerrado em novembro deve se aproximar de 11,45%. Em dezembro, em virtude das contratações de final de ano, a taxa deve cair ainda mais e atingir a marca de 11,34%. Por outro lado, o modelo ARIMA é ligeiramente mais conservador e indica uma taxa de desemprego de 11,50% em novembro e 11,42% em dezembro. O Gráfico 5 ilustra nossas previsões até janeiro de 2020. 

graf5

 

Em síntese, os principais resultados sugerem:

(1) considerando toda a série histórica, a média da taxa de desocupação no Brasil é de 9,74%; 

(2) considerando os oito meses de 2019, a média da taxa de desocupação no Brasil é de 12,06% (governo do presidente Jair Bolsonaro);

(3) a taxa de desocupação vem caindo, ainda que lentamente, desde 2017; 

(4) a menor taxa média de desocupação ocorreu em 2014, quando o percentual de desempregados atingiu 6,88%;

(5) no trimestre encerrado em outubro (ago-set-out), a taxa de desemprego foi de 11,6%;

(6) a desocupação entre mulheres (11,48%) é sistematicamente maior do que aquela observada entre homens (8,35%);

(7) a série da taxa de desocupação apresenta sazonalidade, com incrementos sistemáticos em janeiro e fevereiro e reduções cíclicas em novembro e dezembro;

(8) a taxa de desocupação deve se aproximar de 11,50% em novembro e atingir o mínimo de 11,42% em dezembro (modelo ARIMA). 

 

Entre búzios, astros e videntes, sugerimos ficar com as previsões da Ciência. Feliz Natal e um ótimo ano novo!

 

Dalson Britto Figueiredo Filho é professor-assistente de Ciência Política na Universidade Federal de Pernambuco (UFPE)

Juliano Domingues é professor-assistente do Centro de Ciências Sociais da Universidade Católica de Pernambuco (Unicap)

Antônio Fernandes é mestrando em Ciência Política pela UFPE

 

NOTAS

[i] Para Jannuzzi (2005), “no campo aplicado das políticas públicas, os indicadores sociais são medidas usadas para permitir a operacionalização de um conceito abstrato ou de uma demanda de interesse programático” (JANNUZZI, 2005, p.138). 

[ii] Ver: <https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv101459.pdf>. Entre 1980 e 2016, o principal indicador de desocupação no Brasil foi produzido pela Pesquisa Mensal do Trabalho (PME). Encerrada em março de 2016, a PME abrangia seis Regiões Metropolitanas (Recife, Salvador, Belo Horizonte, Rio de Janeiro e Porto Alegre). Para mais informações, ver: <https://www.ibge.gov.br/estatisticas/sociais/trabalho/9183-pesquisa-mensal-de-emprego-antiga-metodologia.html?=&t=o-que-e>. As séries históricas estão disponíveis em: <https://www.ibge.gov.br/estatisticas/sociais/trabalho/9183-pesquisa-mensal-de-emprego-antiga-metodologia.html?=&t=series-historicas>.

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