Dia e noite realmente duram 12 horas no equinócio?

Questionador questionado
25 set 2024
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nascer do sol visto do espaço

 

Domingo passado, 22 de setembro, ocorreu o equinócio de primavera para o Hemisfério Sul, e o de outono, no Norte. Na véspera, em entrevista que concedi sobre o significado astronômico da data, uma questão interessante veio à tona: consultando rapidamente algumas fontes na internet sobre o assunto (veja aqui, por exemplo), percebe-se que a característica considerada mais marcante da data é de que, durante o equinócio, deveríamos experimentar durações iguais para o dia e a noite – 12 horas para cada. Mas tomemos os horários do nascer e do pôr do Sol, no dia 22, aqui em Florianópolis (SC), onde moro: 06h03min da manhã e 18h10min da tarde, respectivamente. Colocando na ponta do lápis, o dia foi 7 minutos maior que as 12 horas redondas esperadas. Já em Macapá (AP), que é atravessada pela Linha do Equador terrestre, e que, por isso, deveria ter o ano inteiro dias e noites com mesmas durações, simplesmente não terá nenhuma vez no ano um dia com as tais das 12 horas redondas. Que confusão! Por que essa anomalia ocorre?

 

Equinócios e solstícios

Os solstícios e os equinócios existem porque a forma como nosso planeta recebe luz do Sol ao longo do ano não é sempre a mesma. Mudanças ocorrem porque o eixo de rotação da Terra – aquele movimento que ela faz em torno de si mesma, gerando dias e noites – é levemente inclinado. Na prática, isso significa que, durante seis meses, um dos polos está levemente mais “apontado” para o Sol do que o outro, fazendo com que o hemisfério terrestre correspondente receba mais luz solar; nos outros seis meses, a situação se inverte.

Ambos os hemisférios somente são iluminados igualmente em dois momentos específicos do ano – nos dias dos chamados “equinócios” –, que ocorrem em março e em setembro; em dois outros momentos, em um dia de junho e em outro de dezembro, ocorrem os “solstícios”, que correspondem ao ápice da diferença de iluminação recebida pelas faces sul e norte da Terra. Os solstícios são usados como referências astronômicas para marcar o início do verão e do inverno; os equinócios, para a primavera e o outono.

Com a iluminação equilibrada entre os dois hemisférios, nos equinócios, todos os locais da Terra deveriam experimentar dias e noites com mesmas durações, exceto os polos. Isso porque próximo do equinócio de primavera no Hemisfério Sul (em setembro), o Sol nasce para um observador situado no Polo Sul e somente vai se pôr cerca de 6 meses depois, em março; no polo oposto, o Sol se põe para só nascer ao redor da data do próximo equinócio. Já para observadores sobre a Linha do Equador, embora o trajeto do Sol no céu se modifique ao longo do ano, ele sempre deveria passar 12 horas no céu.

Agora, vamos complicar. O equinócio deveria mesmo corresponder à data de igualdade de tempos transcorridos de dia e de noite, desde que: a Terra não tivesse atmosfera; e o tamanho do Sol fosse insignificante quando visto da superfície do nosso planeta (fosse “pontual”, portanto). São esses 2 fatores os responsáveis tanto por aqueles tais 7 minutos adicionais em Florianópolis, no dia 22, como pela ausência de dias com 12 horas redondas em Macapá.

 

O tamanho aparente do Sol

O tamanho que um objeto parece ter não depende apenas de seu tamanho real, mas também da distância que nos separa dele. Vista de longe o suficiente, qualquer coisa se torna “pontual”: alguém que faça um voo panorâmico pelo litoral, por conta da grande distância até o chão, não deve conseguir distinguir muito bem quem são as pessoas mais altas (ou gordas) da praia. Para as estrelas, vistas da Terra, a lógica é a mesma. Betelgeuse, uma estrela gigante vermelha próxima das famosas “Três Marias” na abóbada celeste, é mais de 800 vezes maior que o Sol, mas, como a distância dela até aqui é mais de 40 milhões de vezes maior que a que nos separa do Sol, ela nos parece, a olho nu, apenas um “pontinho avermelhado” no céu. O Sol, por outro lado, tem um tamanho aparente bem maior: daqui, parece ter o mesmo diâmetro de uma moeda colocada a 1 metro dos nossos olhos.

Por isso, o Sol leva alguns minutos para atravessar completamente a linha do horizonte, tanto no momento em que está nascendo como no que está se pondo. E isso gera um problema que precisa de uma definição: o que se considera o instante do “nascer do Sol” nas tabelas astronômicas? É quando começamos a ver a bordinha dele despontar no horizonte? É quando seu centro geométrico se torna visível? Ou é somente quando todo o Sol já saiu de trás da linha do horizonte? Para o equinócio funcionar com dias e noites equânimes, a definição deveria envolver o centro geométrico, mas não é o caso: considera-se o nascer do Sol no momento em que começamos a vê-lo; e o pôr do Sol é o instante em que ele some completamente a oeste. E isso contribui para um período diurno levemente estendido.

 

O efeito atmosférico

Quando a luz muda o meio no qual está se propagando, ela sofre o que chamamos de “refração”, e uma das coisas que pode acontecer com ela no processo é um desvio de trajetória. Todo mundo pode ver isso diante de si, bastando observar um lápis, um pincel ou um garfo mergulhados dentro de um copo com água: dependendo da posição em que nossos olhos estiverem, o desvio de trajetória é suficientemente grande para fazer com que o lápis pareça estar quebrado. Outro exemplo vem de um vídeo disponível na internet, poderosíssimo para demonstrar o efeito: à medida que uma mulher muda de lugar dentro de uma piscina, sua cabeça (fora da água) e seu corpo (dentro dela) vão se encontrando gradativamente, parecendo efetivamente “se encaixarem” só quando ela vem para próximo da borda de vidro. O motivo é que, só ali, o efeito de desvio de trajetória da luz que veio de dentro da água (onde está o corpo da mulher) para fora (onde está a câmera que grava o momento) se torna pouco proeminente.

Como a Terra tem atmosfera no seu entorno, a luz solar que incide por aqui também sofre desvio, e esse desvio é mais proeminente justamente quando o Sol está mais próximo do horizonte, o que é, justamente, nos momentos em que ele está a nascer e a se pôr. Por conta disso, vemos o Sol despontar a leste, de manhã, um pouco antes de ele estar realmente acima do horizonte; e o mesmo ocorre no fim do dia, quando seguimos vendo o Sol por alguns minutos depois do momento em que ele já deveria estar completamente invisível, abaixo do horizonte oeste. E esse efeito é considerado para elaborar corretamente as tabelas de horários de nascer e de pôr do Sol.

Assim, graças aos efeitos da refração atmosférica e do tamanho aparente do Sol, o período diurno é levemente prolongado. É por isso que surge a aparente anomalia dos equinócios.

 

Equilux

Aliás, o dia em que realmente ocorrem durações equivalentes entre o dia e a noite, precisamente 12h00min para cada, tem um nome específico: chama-se “equilux”. Diferentes locais do planeta podem experimentar um, dois ou nenhum equilux durante o ano. Nos locais bem próximos à Linha do Equador, justamente pelos efeitos discutidos que dão uma “esticadinha” no dia, esse evento nunca acontece. Macapá, apontada no início do artigo, é um exemplo.

Para que determinado local experimente o fenômeno de dias e noites iguais é preciso que ele esteja ao menos um pouquinho distante da Linha do Equador, que é a referência para latitude de zero grau no nosso planeta. Os polos, que são os locais mais distantes da referência equatorial, têm latitudes de 90 graus a norte ou a sul, dependendo do hemisfério. Para experimentar um equilux, a latitude do local precisa ser maior que, aproximadamente, 2 graus. O motivo é que, a partir daí, os minutos extras de alongamento do dia, relacionados aos fatores de que já falamos, podem ser “cancelados” pelo encurtamento do dia, algo que vai acontecendo naturalmente à medida que o Sol vai iluminando de forma mais predominante o hemisfério oposto ao da localidade em questão.

Para localidades que ficam exatamente na latitude limite, apenas um equilux ocorre por ano, e a data é próxima (curiosamente) do solstício de inverno para o hemisfério desse local considerado. Locais com latitudes maiores passam por dois equilux. Tome, por exemplo, o caso de São Luís (MA): já sabemos que, por estar próxima ao equador, a duração do dia varia pouco ao longo do ano. Em 2024, o mais curto e o mais longo correspondem (sem surpresa) aos solstícios de inverno e de verão no Hemisfério Sul, respectivamente, com durações de 11h58min (20 de junho) e 12h16min (21 de dezembro). Mesmo que a variação anual do período diurno seja pequena, como sua latitude é de 2,5 graus sul, e isso já ultrapassa o mínimo necessário, São Luís experimentou, em 2024, equilux em 15 de maio e em 27 de julho.

Quando analisamos regiões próximas aos polos, embora seja possível que ocorram equiluxes por lá, a variação na duração do período diurno, mesmo de um dia para o outro, já se torna bastante expressiva, fazendo com que a chance de se encontrar, ao longo do ano, um dia com 12 horas redondas seja pequena. Um exemplo é Barentsburgo, na Noruega, com latitude de quase 80 graus. Em 17 de março deste ano, o dia durou 11h52min, e o dia seguinte já extrapolou o limite para ser um equilux, chegando a 12h07min. Já em setembro, o dia 24, o mais próximo de um equilux do ano, corresponde a um período diurno de 12h03min. Em 2025, a situação não muda muito; em 2026, no entanto, 18 de março terá um período diurno apenas 8 segundos mais curto que as 12 horas redondas esperadas de um equilux.

Por fim, uma ressalva: meu objetivo com este artigo não é o de fazer o papel de “chato de plantão” ao simplesmente “apontar defeitos” nas explicações mais comuns sobre o assunto. Quero deixar claro que reconheço a importância de se utilizar aproximações (como eu também utilizo) para elaboração de materiais para o público que ofereçam explicações breves e objetivas. Não tenho nada contra se apresentar o equinócio como sendo o momento em que dia e noite se equilibram em 12 horas cada um, ainda que colocar um “aproximadamente” antes não faça mal a ninguém. De qualquer jeito, fica aqui ao menos a chance de nos debruçarmos sobre algo que complementa o assunto, ou até mesmo o aprofunda, e que mostra como os eventos do cotidiano podem ser ainda mais curiosos e interessantes.

Observação: neste artigo, usei termo “dia” para me referir ao período transcorrido entre o nascer e o pôr do Sol, mas, como bem sabemos, outro significado para a mesma expressão é “dia completo”, que corresponde ao período aproximado de 24 horas. Aproximado? Sim. Na verdade, existem pequenas diferenças, na casa dos milésimos de segundo, entre um “dia completo” e outro, por vários motivos que já abordei em outro artigo na Revista Questão de Ciência. Em outras palavras: mesmo em um dia de equilux, se levarmos esses efeitos em consideração, talvez os períodos diurno e noturno ainda não estariam completamente equilibrados. Mas optei por desprezar as frações de segundo neste artigo, justamente porque os outros dois fatores explorados (refração e tamanho aparente do Sol) são bem mais relevantes para explicar a aparente anomalia dos equinócios.

 

Marcelo Girardi Schappo é físico, com doutorado na área pela Universidade Federal de Santa Catarina. Atualmente, é professor do Instituto Federal de Santa Catarina, participa de projeto de pesquisa envolvendo interação da radiação com a matéria e coordena projeto de extensão voltado à divulgação científica de temas de física moderna e astronomia. É autor de livros de física para o Ensino Superior e de divulgação científica, como o “Armadilhas Camufladas de Ciências: mitos e pseudociências em nossas vidas” (Ed. Autografia)

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