Carnes vegetais são saudáveis?

Questionador questionado
3 jul 2024
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vaca no pasto

 

Como de costume na área da nutrição, a única resposta possível para o título deste texto é: depende.

Carnes vegetais, também conhecidas como plant-based meat, são produtos alimentícios, classificados como ultraprocessados, formulados a partir de ingredientes de origem vegetal como proteína de ervilha, soja, grão-de-bico ou de fungos, além de algum tipo de óleo – ou aglutinante - para aumentar a suculência, e geralmente aditivos para adicionar textura, cor, aroma e sabor. A função principal desses produtos é mimetizar as propriedades organolépticas – as características percebidas pelos sentidos: cheiro, cor, sabor, textura – que os produtos de origem animal apresentam. Na minha opinião, as carnes vegetais cumprem esse papel perfeitamente.

No entanto, esses produtos apresentam, de fato, um problema em sua composição nutricional: o alto teor de sódio.

Para exemplificar, o Futuro Frango, um produto da empresa Fazenda do Futuro, contém 560 mg de sódio por 100g de alimento. Segundo a Tabela Brasileia de Composição de Alimentos (TBCA), um filé de peito de frango, grelhado e temperado com alho, sal e pimenta do reino apresenta 227 mg/100g.

No corpo humano o excesso de sódio força uma maior retenção de água, resultando no aumento da quantidade de líquido dentro dos vasos sanguíneos e, consequentemente, elevando a pressão – fator de risco para problemas cardíacos e renais. Essa é a principal razão para tantas diretrizes nutricionais recomendarem reduzir a utilização de sal e o consumo de alimentos ricos em sódio, como embutidos, enlatados e temperos prontos.

 

Consumo de sódio no Brasil

Só para entendermos a gravidade desta situação, Félix, P. et al. publicaram em 2022 um artigo intitulado “Prevalence of excess sodium intake and main food sources in adults from the 2017 – 2018 Brazilian National Dietary Survey”. O estudo estimou a ingestão de sódio em uma amostra representativa de adultos brasileiros utilizando dados da Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF): Análise do consumo alimentar no Brasil, do IBGE.

Verificou-se que os adultos brasileiros consomem, em média, 2.432 mg de sódio por dia. A Região Norte apresenta o menor consumo, 2.223 mg/dia, enquanto a Região Sul tem a maior ingestão: 2.485 mg/dia.

O trabalho detectou que o consumo de sódio diminuía com a idade. Indivíduos com idade entre 20 e 29 anos consomem em média 2.595 mg/dia, enquanto os de 50 a 59 anos apresentaram um consumo médio de 2.306 mg/dia.

Além disso, houve uma disparidade entre os sexos, com os homens apresentando o maior consumo médio de sódio, 2.769 mg/dia, enquanto as mulheres e os indivíduos que relataram seguir uma dieta específica apresentaram os menores níveis de consumo, com médias de 2.259 mg/dia e 2.204 mg/dia, respectivamente.

Em relação aos grupos alimentares, constatou-se que 25 grupos representavam mais de 90% da ingestão total de sódio na dieta dos adultos brasileiros. Os cinco principais grupos responsáveis por essa ingestão são: “Pão branco e torradas”, responsável por 12,3% de todo o consumo de sódio, com destaque para o pão francês, responsável por 9,5%; grupo “Feijão” (11,6%); “Arroz branco” (10,6%); “Carne de Vaca” (7,7%); “Carne de Frango” (5,5%). Juntos, esses grupos contribuem para 47,6% do consumo total diário de sódio.

Curiosamente, alimentos tradicionalmente reconhecidos por serem ricos em sódio, como carnes curadas e salsichas, não tiveram destaque.

A limitação mais evidente foi a utilização da autodeclaração de consumo de alimentos feita pelos participantes para estimar o consumo de sódio, em vez de um biomarcador direto, como exames de urina. A autodeclaração tende a subestimar a ingestão de nutrientes.

Há uma grande possibilidade de que os números encontrados, que já estão acima do valor estabelecido pela OMS (2.000 mg/dia), sejam ainda maiores. Acredito que este seja o caso, dado que a Pesquisa Nacional de Saúde (PNS) de 2013 estimou, com base na dosagem urinária de sódio de 8.083 indivíduos selecionados aleatoriamente, que o consumo médio de sal era 9,34g/dia (equivalente a 3.736 mg de sódio).

Se considerarmos que as carnes à base de plantas substituiriam as proteínas de origem animal nas principais refeições, há uma grande probabilidade de que, com elas, o consumo de sódio seja ainda maior.

 

Saudável?

A área da nutrição é mais complexa do que parece à primeira vista. Apesar de destacar o alto teor de sódio desses produtos, o que é problemático, existe uma discussão relevante na academia sobre os impactos da substituição das proteínas de origem animal por carnes à base de plantas.

Aprofundando nesse debate, Nagra, M. et al. publicaram uma revisão narrativa intitulada “Animal vs Plant-Based Meat: A Hearty Debate”, com o objetivo de responder à seguinte questão: será que as carnes à base de plantas (PBMAs) são melhores para a saúde cardiovascular do que as carnes de origem animal?

Os autores fizeram uma busca na literatura sobre publicações em inglês, feitas entre janeiro de 1970 e agosto de 2023, que discutiam a composição nutricional das PBMAs, ensaios clínicos que utilizaram PBMAs como intervenção dietética, e revisões da literatura sobre ingredientes comuns presentes em PBMAs associados a fatores de risco e desfechos de doenças cardiovasculares.

O primeiro grande obstáculo observado pelos autores foi a grande diversidade nutricional entre as marcas de PBMAs.

Por exemplo, o hambúrguer da marca Impossible Foods apresentava 6g de gorduras saturadas (AGS), 370 mg de sódio e 5g de fibras, enquanto o hambúrguer da marca Dr Praeger’s Perfect Burguer apresentava 1g de AGS, 530 mg de sódio e 3g de fibras. Como diferentes nutrientes podem afetar o risco cardiovascular de maneiras variadas, essas diferenças entre as marcas dificultam determinar os impactos dos alimentos na saúde a longo prazo.

Apesar da variabilidade encontrada, os autores afirmam que, de acordo com uma revisão publicada em 2022, várias análises conduzidas em diferentes mercados internacionais sugerem que, no geral, PBMAs têm um perfil nutricional mais favorável para reduzir o risco cardiovascular em comparação com as carnes. Além disso, são fontes de proteína mais sustentáveis ambientalmente.

Essa hipótese foi corroborada por pesquisa realizada no Reino Unido, que analisou 207 PBMAs e 226 produtos à base de carne de 14 varejistas, e concluiu que as PBMAs apresentavam menos calorias, menor quantidade de gordura total, AGS e proteína, mas um maior teor de sódio e fibras.

Similarmente, uma pesquisa realizada no Brasil analisou 125 PBMAs disponíveis no mercado e determinou que apresentaram conteúdo calórico, proteico, de AGS e sódio semelhantes aos produtos de proteína animal, mas com um maior aporte de fibras.

Entretanto, duas análises realizadas nos Estados Unidos verificaram que cortes magros de carne podem fornecer quantidades semelhantes, ou até menores, de AGS, calorias totais e sódio quando comparados a algumas PBMAs. Isso sugere que as PBMAs podem ser opções mais saudáveis quando comparadas a cortes gordurosos e produtos embutidos, mas não com carnes magras.

Concluindo a seção da composição nutricional, os autores destacam que, embora as PBMAs apresentem uma maior concentração de fibras e um menor teor de AGS e colesterol em comparação com produtos de origem animal, há um receio de que o alto teor de sódio possa aumentar a pressão arterial, anulando os benefícios potenciais.

Existem ensaios clínicos randomizados que buscaram comparar o impacto, na saúde cardiovascular, do consumo de proteína animal e vegetal (sob a forma de PBMAs ou de fontes como nozes, soja e leguminosas). Mas essas pesquisas não mediram desfechos “duros” (número de ataques cardíacos em cada grupo, por exemplo), e sim indicadores indiretos, como nível de colesterol e pressão arterial. Os resultados em geral indicam algum benefício do consumo de proteína vegetal e resultados neutros ou negativos da proteína animal – principalmente, no caso dos efeitos negativos, do consumo de carnes processadas.

É preciso notar que, além de usar desfechos indiretos, esses trabalhos têm variados problemas de qualidade (um grande ensaio clínico sobre o impacto no colesterol não foi randomizado, por exemplo). O quadro final, enfim, é inconclusivo, principalmente quando se tenta extrapolar o que foi visto no estudo para o que acontece no dia a dia das pessoas.

Mas há algumas conclusões que parecem fazer sentido.

Primeiro, a substituição de alguns produtos de origem animal, como embutidos e cortes gordurosos, por PBMAs parece ser uma decisão saudável.

Segundo, a substituição de cortes magros de carne vermelha e de carnes brancas por PBMAs talvez não gere benefícios cardiovasculares, uma vez que não há ensaios clínicos com metodologias rigorosas e um bom número de voluntários que tenham verificado tal relação.

Terceiro, é preciso levar em consideração que, quando tratamos de uma "alimentação saudável", estamos falando de algo mais complexo do que simplesmente substituir um tipo de proteína por outra. Partindo do pressuposto de que as PBMAs possam, de fato, gerar um efeito cardioprotetor, isso não significa que uma pessoa que as incorpore em sua alimentação diária passará automaticamente a usufruir desse efeito. O motivo é simples: tão importante quanto avaliar quais alimentos estão sendo ingeridos é verificar a frequência com que esse consumo ocorre, a quantidade ingerida e, claro, como é o restante da dieta.

Com exceção de alguns ingredientes que, de fato, sabemos que fazem mal à saúde, como as gorduras trans, o restante em sua maioria, desde que consumidos em moderação e dentro dos limites estabelecidos, não devem ocasionar efeitos deletérios em indivíduos saudáveis.

 

A evolução

Foi publicado em Future Foods, um periódico dedicado à sustentabilidade na ciência dos alimentos, um artigo intitulado “Meat Substitutes – past, present, and future of products available in Brazil: changes in the nutritional profile”, que explorou a evolução dos substitutos de carne disponíveis no mercado brasileiro. Os autores buscaram, em sites de empresas e publicações locais (supermercados e lojas de alimentos naturais na cidade do Rio de Janeiro) substitutos de carne que atendessem aos seguintes critérios: serem à base de plantas, pré-cozidos, assemelharem-se a carne, frango, peixe ou carne processada, e apresentar informações nutricionais.

Após o levantamento dos produtos, os autores os classificaram de acordo com o estágio de desenvolvimento tecnológico empregado. Eles foram divididos em: substitutos de carne tradicionais, feitos exclusivamente de ingredientes frescos e minimamente processados, como hambúrgueres de lentilha; 1ª geração de substitutos de carne, presentes no mercado desde 1990, produzidos principalmente com proteína vegetal texturizada seca e com textura fibrosa e esponjosa; e 2ª geração de substitutos de carne, produtos cuja aparência, teor de proteína, aroma e sabor são muito semelhantes aos produtos de carne autênticos, como iscas de frango.

Também foram analisados os ingredientes inseridos nos produtos, a composição nutricional e a qualidade nutricional. Composição nutricional refere-se às informações nutricionais apresentadas no rótulo dos produtos, como quantidade de carboidratos e total de kcal. Qualidade nutricional diz respeito às informações que devem estar contidas no rótulo frontal caso algum nutriente esteja em quantidade excessiva, como sódio, ou sobre possíveis alegações nutricionais, como 'rico em vitamina X’.

A busca encontrou 180 produtos que se enquadravam nos critérios estabelecidos. No entanto, como 11 deles não tinham informações online, a análise foi realizada com base em 169 produtos. 

Verificou-se que a maioria dos produtos analisados era da 1ª geração (55,6%), seguida pelos substitutos de carne tradicionais (28,4%) e, representando a menor parcela (16%), os substitutos de carne de 2ª geração.

Em relação à composição nutricional, observou-se que os produtos da 1ª geração apresentavam um valor calórico médio de 192 kcal/100g do produto, enquanto os da 2ª geração tinham 175 Kcal/100g do produto.

Além disso, houve queda na concentração de carboidratos e sódio da 1ª para a 2ª geração, acompanhada por aumento na concentração de gorduras totais e saturadas. Não foram encontradas diferenças significativas na quantidade de proteínas.

Em relação à qualidade nutricional, constatou-se que os produtos de 2ª geração tinham quantidade suficiente de fibras dietéticas e proteínas para poderem alegar ser “ricos em fibras” e “fonte de proteína”. Entretanto, também observou-se que 21 deles (77,8%) traziam alto teor de gorduras saturadas.

Surpreendentemente, no que diz respeito ao sódio, todos os produtos da 2ª geração estavam dentro da margem aceitável.

Em relação às gorduras saturadas especificamente, os autores explicam que esse aumento abrupto ocorre porque os produtos de 2ª geração tentam reproduzir o efeito marmorizado das carnes de origem animal, utilizando gorduras vegetais semissólidas visíveis e ricas em gordura saturada, como o óleo de coco e a manteiga de cacau. É importante destacar que o consumo excessivo de gorduras saturadas está associado ao aumento do risco de doenças cardiovasculares e diabetes tipo 2.

Os resultados apontam uma evolução na composição nutricional e na lista de ingredientes dos substitutos de carne, desde os tradicionais até os de 2ª geração, indicando que, apesar de serem classificados como ultraprocessados, seu perfil nutricional não é prejudicial.

No entanto, reconhece-se que o perfil nutricional ainda precisa melhorar. Ao longo do desenvolvimento desses produtos, a indústria estava principalmente preocupada com sabor e a textura. Agora, o foco deve voltar-se para a redução da gordura saturada – e, na minha opinião, do sódio, que continua elevado – e dos aditivos.

Espero que no futuro, a indústria, seja por pressão do mercado ou de políticas mais rigorosas, formule composições mais saudáveis. Até lá, caso você opte por consumir esses alimentos, use de moderação e esteja atento à quantidade de sódio e gordura saturada que está ingerindo.

Maur Proença é nutricionista

 

REFERÊNCIAS

FÉLIX, P. et al. Prevalence of Excess Sodium Intake and Their Corresponding Food Sources in Adults from the 2017 – 2018 Brazilian National Dietary Survey. Nutrients. 2022 Sep 28;14(19):4018. Disponível em: https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/36235671/.

IBGE. Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF) 2017 - 2018: Análise do consumo alimentar no Brasil. Disponível em: https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/7222745/mod_resource/content/2/relatorio%20publicado%20IBGE_POF_2017_2018.pdf.

MILL, J. Estimativa do consumo de sal pela população brasileira: resultado da Pesquisa Nacional de Saúde 2013. Rev. bras. Epidemiol. 2019: 22 (SUPPL 2): E190009. Disponível em: https://www.scielo.br/j/rbepid/a/Z4bKXzyLGF7shzb3Kwk8qsy/?format=pdf&lang=pt.

NAGRA, M. et al. Animal vs Plant-Based Meat: A Hearty Debate. Can J Cardiol. 2024 Apr 10:S0828-282X(23)01882-2. Disponível em: https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/38934982/.

FRANCA, P. et al. Meats substitutes – past, present, and future of products available in Brazil: changes in the nutritional profile. Future Foods 5(1):100133. Disponível em: https://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S2666833522000211.

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