O pseudo-darwinismo no mundo dos super-heróis

Questão Nerd
10 fev 2019
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Tirinha do Superman de 1939

O universo dos super-heróis da Marvel e da DC Comics obedece a leis naturais que têm uma semelhança superficial com as do nosso, mas que diferem delas de varias maneiras importantes. Algumas das principais divergências aparecem, exatamente, na questão da Evolução das Espécies.

No nosso universo, por exemplo, a evolução é, em essência, míope, ou seja, não enxerga bem de longe: um organismo é “apto”, ou “adaptado”, ao mostrar-se capaz de sobreviver e de se reproduzir com eficiência em seu ambiente imediato.

O que representa “aptidão” num determinado conjunto de circunstâncias pode se revelar deletério em outro; a evolução não é capaz de buscar benefícios de longo prazo ou de acumular “mudanças benéficas” em algum sentido absoluto. Por conta disso, não faz sentido falar em algum tipo de hierarquia evolutiva dos seres vivos, considerando alguns “mais evoluídos” que outros.

No mundo dos super-heróis não é assim. Logo na primeira história de origem de super-herói criada – a do surgimento do Superman – lemos que o planeta Krypton tinha habitantes que, “após milhões de anos de evolução”, tinham atingido a “perfeição física”. Os poderes do Homem de Aço seriam um produto da natureza “altamente evoluída” dos kryptonianos!

Tirinha do Superman de 1939

Em nosso universo, a evolução não tem uma meta. Uma consequência do caráter míope do processo, baseado na seleção natural, imediatista, de características hereditárias presentes numa população, é que não faz sentido falar que a evolução tem uma direção preferencial, ou que certas formas ou características são consequências inevitáveis da evolução.

No mundo dos super-heróis, no entanto, não é isso que ocorre: a evolução lá tem um objetivo bem claro, na direção de formas humanoides (isto é, semelhantes a seres humanos), inteligentes e dotadas de superpoderes.

O universo  das aventuras dos quadrinhos  é todo habitado por criaturas alienígenas assim (como os já citados kryptonianos), e as formas irracionais, de algum modo, “almejam” a essa condição: a primeira história de origem da Mulher-Aranha dizia que ela era, na  verdade, uma aranha “evoluída”, versão abandonada em relatos posteriores.

No universo Marvel, o Alto Evolucionário – personagem que às vezes aparece como amigo, às vezes como antagonista, dos heróis – detém uma tecnologia capaz de “acelerar a evolução” do que, naquela realidade, são “formas inferiores” (em nossa realidade, como já vimos, a distinção entre seres “inferiores” ou “superiores”, baseada na evolução, não faz sentido).

É o Alto Evolucionário que vemos em ação nos quadrinhos abaixo:

Alto Evolucionário, da Marvel ComicsAlto Evolucionário evoluindo lobo

 

Por que a evolução no mundo dos super-heróis é tão diferente da que existe no nosso mundo? Uma explicação possível aparece na clássica série Eternals, de Jack Kirby. Kirby, nascido Jacob Kurtzberg, em 1917, e falecido em 1994, foi figura ativa nos principais momentos de definição da gramática e da mitologia das narrativas super-heroísticas. Participou da criação do Capitão América, em 1940, e do lançamento do Universo Marvel, nos anos 60. Também trabalhou numa série de aventuras do Superman.

Em Eternals, Kirby revela que o mundo dos super-heróis é criacionista, do tipo design inteligente: a vida nesse universo foi manipulada por alienígenas inescrutáveis, os Celestiais, que como designers transmitiram à evolução das formas biológicas suas intenções e metas particulares. No mundo de Eternals, o ser humano e o macaco não são  descendentes de ancestrais comuns, como na nossa realidade, mas descendem, de fato, um do outro!

Quadrinhos de Jack Kirby

Não é de se estranhar que, em uma realidade onde gênios malucos constroem robôs gigantes para assaltar bancos – bancos onde, provavelmente, há menos dinheiro que o gasto na fabricação dos robôs – e onde órfãos atormentados resolvem se fantasiar de morcego para espancar assassinos vestidos de palhaço, a biologia seja dominada por deuses astronautas e design inteligente.

O que é de estranhar é que existam pessoas que imaginam que as mesmas coisas sejam verdade por aqui.

 

Carlos Orsi é jornalista e editor-chefe da Revista Questão de Ciência

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