Um ano depois, Brasil vive o pior momento da COVID-19

Questão de Fato
9 mar 2021
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mapa covid

 

Prestes a fazer um ano em que foi decretada pela Organização Mundial da Saúde (OMS), em 11 de março do ano passado, a pandemia de COVID-19 recrudesce no Brasil. Levantamento feito pelo Observatório COVID-19, da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), mostra que pela primeira vez, desde o seu início, há um agravamento simultâneo de vários indicadores, como o crescimento de número de casos, de óbitos, a manutenção de níveis altos de incidência de Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG), alta positividade de testes e a sobrecarga de hospitais.

Esse agravamento da pandemia não é fruto do acaso. É o resultado esperado, causado pelas ações – ou inações – de várias instâncias governamentais, tendo à frente o próprio presidente da República, Jair Bolsonaro, que desde o surgimento dos primeiros casos no Brasil minimizou a gravidade da COVID-19, classificando-a de “gripezinha”. Depois, houve o desestímulo às medidas recomendadas pela comunidade científica, como o distanciamento social, a restrição de circulação e o uso de máscara. Por fim, houve declarações para desacreditar as vacinas e lentidão na compra, desenvolvimento e aplicação dos imunizantes.

Para piorar o quadro, mais recentemente, grande parte da população, que já não vinha seguindo as recomendações sanitárias à risca, parou de vez de fazê-lo. “Há um conjunto de fatores que levaram a este agravamento dos indicadores da pandemia”, diz Daniel Antunes Maciel Villela, pesquisador do Observatório COVID-19 e coordenador Programa de Computação Científica (PROCC) da Fiocruz. “No fim do ano passado e no início deste, houve um processo de flexibilização em relação a aglomerações e distanciamento, por causa de festas e férias”.

Ele lembra que mais aglomerações e maior circulação das pessoas favorecem o aumento da taxa de contágio do vírus. “Houve também aparecimento de novas variantes de preocupação, associadas a um escape imunológico”, acrescenta. “Além disso, há uma falta de ações coordenadas entre os vários níveis de gestão para fortalecer a vigilância, a atenção primária e a cobertura do sistema de saúde”.

Agora, a conta chegou. Dados divulgados por uma nota técnica extraordinária do Observatório COVID-19, referentes a 1º de março, confirmam a formação de um patamar de intensa transmissão da COVID-19. “Se até este momento mais de 255 mil pessoas morreram por COVID-19, em alguns casos sem acesso à assistência e ao direito à saúde previsto na Constituição Federal, nas últimas semanas foram registradas as maiores médias de óbitos por semana epidemiológica, e nos dias 13 e 28 de fevereiro pela primeira vez tivemos mais de 1.200 óbitos registrados em um único dia”, diz o texto dos pesquisadores da Fiocruz. “Na última semana epidemiológica (21 a 27 de fevereiro) foram registrados uma média 54.000 casos e 1.200 mortes diários por COVID-19”.

De acordo com eles, esse crescimento rápido a partir de janeiro vem criando o pior cenário no que se refere às taxas de ocupação de leitos de UTI COVID-19 para adultos em vários estados e capitais, onde estão a maior parte dos recursos de saúde e as maiores pressões populacionais e sanitárias. Pelos dados divulgados anteriormente, referentes ao dia 22 de fevereiro, havia 12 estados e o Distrito Federal na zona de alerta crítica quanto à ocupação de leitos públicos (acima de 80%). Agora, em 1º de março, passaram a ser 19.

Na Região Norte, mostra a nota técnica, exceto Amapá (64%), que se mantém na zona de alerta intermediária (de 60 a 80% de ocupação), todos os estados estão com taxas de ocupação de leitos de UTI superiores a 80%: Rondônia (97%), Acre (92%), Amazonas (92%), Roraima (82%), Pará (82%) e Tocantins (86%).

No Nordeste, o Maranhão (86%) e o Piauí (80%) também ultrapassaram a marca dos 80%, juntando-se ao Ceará (93%), Rio Grande do Norte (91%), Pernambuco (93%) e Bahia (83%). Paraíba e Alagoas se mantiveram na zona de alerta intermediária, mas com suas taxas se elevando, respectivamente de 62% para 69% e de 66% para 72%. Sergipe, com taxa de 59%, é o único estado brasileiro fora da zona de alerta.

Ainda segundo o Observatório COVID-19, “os estados da Região Sudeste também se mantiveram na zona intermediária de alerta, com crescimento dos respectivos indicadores de ocupação mais acentuado em Minas Gerais (70% para 75%), Espírito Santo (68% para 76%) e São Paulo (69% para 74%) e pouco expressivo no Rio de Janeiro (61% para 63%). Na Região Sul, todos os estados permaneceram na zona crítica: Paraná (92%), Santa Catarina (99%) e Rio Grande do Sul (88%)”. Por fim, na Região Centro-Oeste, Mato Grosso do Sul (88%) e Mato Grosso (89%) entraram na zona de alerta crítica, somando-se a Goiás (95%) e ao Distrito Federal (91%), que já estavam nela.

A nota técnica extraordinária também traz os dados das capitais. “Entre as 27, no momento há 20 com taxas de ocupação de 80% ou mais: Porto Velho (100%), Rio Branco (93%), Manaus (92%), Boa Vista (82%), Belém (84%), Palmas (85%), São Luís (91%), Teresina (94%), Fortaleza (92%), Natal (94%), João Pessoa (87%), Salvador (83%), Rio de Janeiro (88%), Curitiba (95%), Florianópolis (98%), Porto Alegre (80%), Campo Grande (93%), Cuiabá (85%), Goiânia (95%) e Brasília (91%). Além disso, cinco capitais estão com taxas superiores a 70%: Macapá (72%), Recife (73%), Belo Horizonte (75%), Vitória (75%), São Paulo (76%)”.

Os pesquisadores da Fiocruz lembram que “a questão de sobrecarga nos sistemas de saúde é uma preocupação desde o início da pandemia e agora, principalmente, deve-se olhar para estes indicadores como um alerta real. Os dados são muito preocupantes, mas cabe sublinhar que são somente a ‘ponta do iceberg’”. Villela explica por que. “Por trás desses dados estão dificuldades de resposta de outros níveis do sistema de saúde à pandemia, mortes de pacientes por falta de acesso a cuidados de alta complexidade, a redução de atendimentos hospitalares para outras doenças, possível perda de qualidade na assistência e uma carga imensa sobre os profissionais de saúde”, diz.

Com isso, ele alerta que o país está diante de novos desafios e de um novo patamar da pandemia. “Como dissemos na nota técnica, isso exige a construção de uma agenda nacional para enfrentamento da pandemia, mobilizando os diferentes poderes do Estado brasileiro (Executivo, Legislativo e Judiciário), níveis de governo (municipais, estaduais e federal), empresas, instituições e organizações da sociedade civil (de nível local ao nacional)”, recomenda. “Essa agenda deve combinar medidas de mitigação que devem durar até o fim da pandemia, com outras de supressão sempre que a ocupação de leitos UTI COVID-19 estiver acima de 80%, bem como as que envolvem campanhas de comunicação para maior fortalecimento dessas medidas”.

Entre ações de mitigação, os pesquisadores do Observatório COVID-19 recomendam a manutenção de todas as medidas preventivas (distanciamento físico, uso de máscaras e higiene das mãos) até que a pandemia seja declarada encerrada. “Também defendemos algumas de supressão, mais rigorosas, como a restrição da circulação e das atividades não essenciais, de acordo com a situação epidemiológica e capacidade de atendimento de cada região, avaliadas semanalmente a partir de critérios técnicos como taxas de ocupação de leitos e tendência de elevação no número de casos e óbitos”, acrescenta Villela.  

A equipe da Fiocruz também recomenda medidas envolvendo o sistema de saúde, entre as quais o reconhecimento legal do estado de emergência sanitária e a viabilização de recursos extraordinários para o SUS. “Mas, principalmente, deve-se fortalecer a vigilância em saúde integrada com atenção primária, ampliação da capacidade assistencial e intensificar e acelerar o programa de imunização de forma a obter ampla cobertura vacinal na população”, diz Villela. “Para somar-se a isso, recomendamos medidas de mitigação dos impactos sociais, com a aprovação de um Plano Nacional de Recuperação Econômica, com retorno imediato do auxílio financeiro emergencial, enquanto durar o estado de emergência, combinado com as políticas sociais existentes de proteção aos mais pobres e vulneráveis”.

Evanildo da Silveira é jornalista

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