Universidades federais sofrem nova rodada de cortes em 2021

Questão de Fato
27 ago 2020
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sala de aula

Nada é tão ruim que não possa piorar. Pelo menos para as Instituições Federais de Ensino Superior (IFES), esse ditado popular vem sendo verdadeiro desde 2016, quando seus orçamentos começaram a minguar ano a ano. Situação que vai se agravar no ano que vem, caso o Projeto de Lei Orçamentária (PLO) para 2021, a ser encaminhado pelo governo federal ao Congresso Nacional, que prevê corte de 18,2% no orçamento das universidades e dos institutos federais, não sofra mudanças e seja aprovado pelos parlamentares.

O anúncio, feito pelo Ministério da Educação (MEC) há duas semanas, foi recebido com preocupação pela Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes) e pelas próprias universidades. “Nenhuma das 69 universidades, nem os dois centros tecnológicos, ligados à Andifes, assim como os 38 institutos federais e o Colégio Pedro II, tem capacidade de absorver um corte desta magnitude”, diz Edward Brasil, presidente da Andifes e reitor da Universidade Federal de Goiás (UFG). “Todas essas instituições estão ameaçadas”.

Segundo o secretário de Planejamento e Orçamento da Universidade Federal de Santa Cataria (UFSC), Fernando Richartz, a consequência desta perda de recursos é a dificuldade na manutenção das atividades de ensino, pesquisa e extensão em nível de excelência. “Sem investimentos, por causa da significativa perda do poder aquisitivo do nosso orçamento, a qualidade dos serviços fica comprometida”, explica. “Como a redução é constante, a universidade entra em um estágio de sucateamento das instalações, uma vez que recursos para manutenção e investimentos ficam cada vez mais escassos”.

Richartz dá os números dos orçamentos em queda constante. Em 2016, o valor foi de R$ 179,6 milhões, que depois caiu para R$ 163,9 milhões em 2017 e R$ 147,2 milhões em 2018. Em 2019, houve uma pequena recuperação, para R$ 150,5 milhões, mas o repasse voltou a cair em 2020, quando foi de R$ 146 milhões. Se o corte previsto no PLO 2021 for de fato efetivado, o orçamento da UFSC será de apenas R$ 113,9 milhões. “Isso nos leva a valores inferiores aos de 2010”, diz Richartz. “O que significa que, se corrigido pela inflação, sem qualquer aumento real de orçamento, o de 2021 precisaria ser de mais de R$ 240 milhões”.

Os números da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) são outro exemplo da evolução orçamentária das IFES em marcha à ré. De R$ 461 milhões em 2016, o valor caiu para R$ 421 milhões em 2017, R$ 388 milhões em 2018, R$ 375 milhões em 2019 e R$ 374 milhões em 2020. Com o corte anunciado pelo MEC, o orçamento de 2021 será reduzido para R$ 303 milhões.

Por meio da assessoria de imprensa da UFRJ, seu pró-reitor de Planejamento, Desenvolvimento e Finanças, Eduardo Raupp, disse que o corte proposto pelo governo afeta todo o funcionamento da universidade. “Todos os programas, como assistência estudantil, bolsas de iniciação científica, extensão, monitoria, além da manutenção, limpeza, segurança e investimentos serão impactados”, afirma. “Certamente, teremos que suspender serviços e encerrar atividades. Ainda estamos avaliando os danos e, claro, tentando desde já sensibilizar o Congresso para que isso seja revertido”.

A Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), também por meio de nota da sua assessoria de imprensa, diz que tem havido cortes no orçamento discricionário, que é o Orçamento de Despesas de Custeio e Capital (OCC), que não inclui despesas de pessoal. “De 2016 para 2020, o OCC da UFRGS sofreu redução de mais de 20%”, informa. “As consequências disso são a redução da capacidade de realizar despesas para o funcionamento básico da universidade, desde a necessidade de reduzir os serviços de vigilância e limpeza, até a menor capacidade de aquisição de insumos e componentes para as atividades de aulas práticas e pesquisa, passando pela limitação drástica de realizar obras e reformas da infraestrutura e de aquisição de máquinas e equipamentos”.

A proposta de corte do governo não poderia ter vindo em pior hora, quando, premidas pela pandemia de COVID-19, as universidades tiveram que redirecionar muitas de suas atividades para o controle e combate da doença, aumentando seus gastos. “As universidades responderam a esse chamado da sociedade”, diz a reitora da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Sandra Goulart Almeida, por meio de sua assessoria de imprensa. “São elas que estão desenvolvendo pesquisas e ensaios com vacinas, propondo testes para diagnóstico e atendendo às populações vulneráveis”.

Além disso, há outras demandas, segundo Sandra, que surgiram para pressionar a já delicada situação orçamentária e financeira das universidades. “Foi preciso investir em tecnologia da informação, inclusão digital e em infraestrutura e capacitação para atuação em um cenário de ensino remoto emergencial”, explica. “Na área de saúde, por exemplo, algumas atividades presenciais, como estágios de estudantes nos hospitais e em centros de saúde, terão de ser retomadas, e precisaremos investir em equipamentos de proteção individual (EPI)”.

Segundo Raupp, há estimativas de que os gastos para a retomada, só em limpeza, podem ser de 30% a 50% maiores. “Esperávamos programas governamentais que dessem suporte a isso”, diz. “Ao contrário, estamos arcando sozinhos com os custos e, agora, surpreendidos com essa redução para 2021. O sistema universitário federal está posto em risco frente a essa decisão. A UFRJ tem uma redução de R$ 71 milhões em termos nominais. Sem falar na falta de correção pela inflação. Nosso orçamento, que, antes, só cobria 10 meses do ano, agora não chegará à metade. Teremos que fazer cortes drásticos, suspender atividades, justamente no momento em que a sociedade mais precisa dos nossos serviços”.

De acordo com o pesquisador Emerson Camargo, do Departamento de Química da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), as primeiras atividades que serão prejudicadas são aquelas relacionadas com a manutenção da infraestrutura das universidades, como limpeza dos prédios, troca de lâmpadas, pintura, pequenos reparos. “Já vi muito professor tirar dinheiro do bolso para fazer a manutenção dos seus laboratórios de pesquisa ou para ajudar alunos sem bolsa”, conta.

Camargo diz que ainda lembra que quando houve uma greve dos funcionários da empresa terceirizada, os alunos e professores assumiram as tarefas de limpeza das salas de aula. “Era uma greve justa e todos apoiaram os funcionários terceirizados.”, diz. “Os alunos entenderam a situação e colaboraram. Alguém vai ter que explicar para as famílias dos estudantes, muitas das quais se sacrificando para manter os seus filhos morando longe de casa, a razão de faltar dinheiro para o custeio das universidades onde seus filhos estudam. Eu não entenderia. Acho que eles também não vão entender. Quem entenderia?”

As universidades ainda têm esperança, ainda que tênue, de que o corte anunciado não venha a ser realizado. “Há a expectativa de que possa haver uma mudança na proposta a ser enviada ao Congresso, já que os ministérios da Educação e da Economia estão informados da grave situação que se criará para as universidades caso se efetive esse corte”, diz a administração da UFRGS, por meio de nota.

Também por nota, a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) deu seu posicionamento e o do MEC:

“O Ministério da Educação informa que, conforme Referencial Monetário recebido pelo Ministério da Economia, a redução de orçamento para suas despesas discricionárias foi de 18,2% frente à Lei Orçamentária Anual 2020 sem emendas. Esse percentual representa aproximadamente R$ 4,2 bilhões de redução.

“O Ministério da Educação solicitou ampliação no referencial ao Ministério da Economia, mas em razão da crise econômica em consequência da pandemia do novo coronavírus, a Administração Pública terá que lidar com uma redução no orçamento para 2021, o que exigirá um esforço adicional na otimização dos recursos públicos e na priorização das despesas.

“Diante do atual quadro o MEC continuará com tratativas junto ao Ministério da Economia no sentido da recuperação do orçamento.

“A CAPES tem pago, em dia, todas as 95 mil bolsas da pós-graduação no País e 3,3 mil no exterior, assegurando a continuidade, mesmo no período de pandemia, do trabalho de pesquisa dos estudantes atendidos.

“Além da manutenção de todos os programas existentes, a CAPES lançou e colocou em execução, este ano, o Programa de Combate a Epidemias, para apoiar pesquisas de enfrentamento à Covid-19. São 2.600 bolsas e investimento de R$ 200 milhões.

“Em outros dois programas – um específico para a Amazônia Legal e outro em parceria com as Fundações Estaduais de Amparo à Pesquisa, lançados recentemente, serão destinadas outras 2.500 bolsas para apoiar os estados no desenvolvimento da pós-graduação.

“Além disso, todas as ações da CAPES, como o Portal de Periódicos, estão em funcionamento normalmente para assegurar o trabalho de pesquisa dos estudantes da pós-graduação no Brasil e no exterior”.

Evanildo da Silveira é jornalista

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