Mortes fora de ambiente hospitalar dobram durante a pandemia

Questão de Fato
25 jul 2020
cemitério

Os danos da COVID-19 vão além das infecções e mortes que a doença causa diretamente. Um estudo da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) revela que houve um aumento expressivo de mortes em casa, sem assistência médica e por causas mal definidas (sem diagnóstico). A pesquisa também mostra impactos secundários da pandemia, como a exacerbação de doenças crônicas, a dificuldade de acesso a serviços de saúde para atendimento de emergências, bem como outras manifestações clínicas da COVID-19 não diagnosticadas como tal, como infartos e problemas respiratórios.

O levantamento feito pelo MonitoraCovid-19 – um sistema criado por pesquisadores da Fiocruz e do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), que integra dados sobre o novo coronavírus no Brasil e no mundo – aponta para um quadro de falta de assistência geral nos primeiros meses da pandemia, o que não se restringe aos hospitais especializados, mas principalmente à rede de atenção básica e ao sistema de vigilância em saúde – serviços do Sistema Único de Saúde (SUS) – que devem ser reforçados nos próximos meses, sob pena de aumentar os impactos diretos e indiretos da pandemia no país.

Segundo o pesquisador da Fiocruz Christovam Barcelos, coordenador do MonitoraCovid-19, foi observada uma “migração” de mortes, que antes ocorriam em ambiente hospitalar e que, durante abril e maio de 2020, passaram a ser mais frequentes nos domicílios. “Esse é o caso de cânceres, doenças metabólicas (entre as quais, predominam as diabetes), do sistema nervoso (com grande peso da Doença de Alzheimer) e cardiovasculares e do aparelho geniturinário (com diversos casos de insuficiência renal), configurando um grave cenário de desassistência vivido naqueles dois meses e que pode permanecer ao longo da epidemia”, diz. “A maior parte dessas doenças é crônica e o óbito pode ser considerado evitável por ações de prevenção e atenção básica de saúde”.

Na nota técnica que divulgaram, os pesquisadores do MonitoraCovid-19 dizem que essa situação é mais grave notadamente nas regiões metropolitanas de São Paulo e Campinas, São Luiz, Belém, Fortaleza, e Manaus. Nos meses de abril e maio de 2020, houve um aumento de 55% das mortes ocorridas em hospitais, 110% em outros estabelecimentos de saúde e 95% nos domicílios.

De acordo com Barcelos, de todos os óbitos registrados em abril e maio, cerca de 75% podem ter sido devido à infecção pela COVID-19. “Os demais devem ter ocorrido por outras doenças, muitas delas crônicas, que não foram tratadas oportunamente na rede de atenção de saúde da cidade”, diz. “Um padrão semelhante foi também observado na Itália e Reino Unido, que foram duramente atingidos pela pandemia”.

Barcelos diz que houve um aumento muito grande de mortes por problemas respiratórios e por infecção viral. “Isso se deve claramente à circulação do coronavírus”, explica. “Mas outras doenças como as diabetes, câncer, problemas renais também causaram muitos óbitos que poderiam ser evitados. Houve um aumento assustador de mortes 'mal definidas', porque ocorreram dentro de casa, sem assistência médica e sem diagnóstico, o que também mostra este quadro de desassistência”.

O município do Rio de Janeiro é um caso emblemático dessa situação. “Lá, nos meses de abril e maio de 2020, as mortes aumentaram em 64% (cerca de 7.500 óbitos) em relação à média dos três anos anteriores no mesmo período”, conta Barcelos. “No Brasil, outras cidades, como Manaus, Recife, Fortaleza e São Paulo também apresentaram um número muito alto de mortes em excesso, causados direta ou indiretamente pela COVID-19”.

Segundo o coordenador do MonitoraCoivd-19, a imprensa e até mesmo pesquisadores de todo o mundo focaram sua atenção aos hospitais, que poderiam ser uma “tábua de salvação” de vidas. “Mas assim como a sobrecarga desses estabelecimentos, houve também um colapso em outras partes do sistema de saúde brasileiro, basicamente o SUS, que deveria atuar na prevenção, informação, triagem de casos graves e tratamento de outras doenças. Isso cabe especialmente aos postos de saúde e unidades de emergência”.

Isso, diz Barcelos, indica um quadro geral de falta de assistência, principalmente no Rio de Janeiro. “Nesse município, a atenção primária foi desmontada com a demissão recente de muitos médicos, enfermeiros e agentes de saúde que trabalhavam na atenção primária e vigilância em saúde”, explica.

Em outras regiões do Brasil, prossegue Barcelos, também houve uma queda no número de profissionais de saúde trabalhando junto a comunidades, como no Nordeste e Amazônia, devido ao fim do programa Mais Médicos, “iniciado nos governos de esquerda”. “Alguns médicos cubanos foram acusados de ‘agentes do comunismo internacional’”, lembra. “A ideologia passou a ser um fator predominante na implementação de políticas de saúde no Brasil, o que é lamentável”.

 

Evanildo da Silveira é jornalista

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