Ele está entre nós e não é de hoje, mas quase não se fala a respeito. É o vírus do Oeste do Nilo, causador da febre de mesmo nome e responsável pela morte de uma senhora em Piripiri, interior do Piauí, em 2017. A confirmação da primeira morte por febre do Oeste do Nilo ocorrida no Brasil, porém, só veio agora, dois anos depois, graças a exames realizados no Instituto Evandro Chagas.
Nos Estado Unidos, onde o vírus está presente desde 1999, são 300 mortes por ano, a maioria de idosos com outros problemas de saúde, como hipertensão (como a senhora piauiense) ou diabetes. As estimativas são de que, de 1999 a 2010, três milhões de americanos foram infectados, e a maioria nem percebeu.
O vírus pertence à família dos flavivírus: é parente dos vírus da dengue, zika e febre amarela, mas não é transmitido pelo Aedes aegypti, mas pelo Culex, o popular pernilongo, que inferniza a vida de muita gente. Foi descoberto em Uganda, em 1937, mas hoje está presente na Ásia, África, América do Norte, América Central e aqui na América do Sul, na Colômbia, Argentina e Brasil. Os pássaros são seus hospedeiros e os mosquitos se infectam quando os picam.
Nós, humanos, e outros 30 mamíferos, entramos nessa história de gaiatos, um beco sem saída na lógica reprodutiva desse vírus. Eles infectam até baleias (uma orca morreu no Canadá), além de cães e gatos, que raramente apresentam sintomas da doença. No ano passado, seis cavalos morreram no Espírito Santo por causa do vírus do Oeste do Nilo, mas ele está presente também no Centro-Oeste e, possivelmente, já se espalhou por todo o País.
“Eu estava em Nova York, em 1999, quando a doença chegou por lá, no bairro do Queens, e era impressionante o número de corvos que caíam mortos. Nas outras espécies de aves, ele não é fatal como nos Corvidae, e a morte deles no Hemisfério Norte, onde são comuns, costuma ser o primeiro sinal”, conta o virologista Maurício Lacerda Nogueira, professor da Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto.
“Por aqui, os corvos são raros e, por isso, não sabemos ao certo como ele chegou por aqui. Mas seria impossível o vírus ter chegado à Colômbia e Argentina sem passar por aqui e, então, começamos a procurar. Nossas hipóteses eram três: aves migratórias que seguem a rota dos Andes, a rota litorânea ou a do Brasil Central”.
Em 2010, Nogueira, num trabalho em colaboração com os Centers for Disease Control and Prevention (CDC), analisou cavalos da região de Poconé, Mato Grosso, e verificou que 8% tinham anticorpos para o vírus do Oeste do Nilo. “O Ministério da Saúde levantou a hipótese de serem animais importados, embora isso seja raríssimo na região. Então, levamos galinhas negativadas para a área e, após algum tempo, elas também apresentavam anticorpos, prova de que o vírus circulava na região”, explica.
O estudo foi publicado em 2012. Dois anos depois, novo estudo, desta vez em parceria com a Fiocruz, comprovou a circulação do vírus do Oeste do Nilo na região do Pantanal.
O problema é que ninguém a menor ideia da situação da doença no Brasil, pura e simplesmente porque, em 80% dos casos, ela é assintomática em seres humanos. Em cerca de 20%, esses sintomas podem ser facilmente confundidos com uma gripe ou intoxicação alimentar: febre, dor de cabeça, vômitos e exantema (vermelhidão). O problema são os menos de 1% dos casos em que o paciente apresenta meningite ou encefalite, com febre alta, tremores, confusão mental, dor de cabeça, rigidez na nuca, fraqueza muscular, perda da visão, paralisia ou coma.
Esse quadro mais grave pode atingir pessoas de qualquer idade, mas é mais comum em pessoas com mais de 60 anos, que apresentam comorbidades como hipertensão, diabetes, insuficiência renal, câncer ou que foram submetidas a um transplante. O tratamento exige internação por semanas ou meses, e o paciente pode apresentar sequelas quando se recupera. Nestes casos, 10% dos pacientes morrem.
“A minha suspeita é de que temos muito mais casos do que se vê. O médico do Piauí teve o bom senso de desconfiar de febre do Oeste do Nilo e enviou amostras para o Evandro Chagas. É só por isso que sabemos”, relata Nogueira.
Não existem ainda nem vacinas nem antivirais específicos contra o vírus do Oeste do Nilo e, segundo o CDC, a população das áreas atingidas deve usar repelente dia e noite, mangas compridas e calças idem, além de combater os criadouros de pernilongos. No Brasil de verão de temperaturas altas e pernilongos em toda parte, é missão praticamente impossível.
Ruth Helena Bellinghini é jornalista, especializada em ciências e saúde e editora-assistente da Revista Questão de Ciência. Foi bolsista do Marine Biological Lab (Mass., EUA) na área de Embriologia e Knight Fellow (2002-2003) do Massachusetts Institute of Technology (MIT), onde seguiu programas nas áreas de Genética, Bioquímica e Câncer, entre outros