Vagina não é carrinho de feira!

Questão de Fato
6 fev 2019
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Um maço de salsinha
Lugar de salsinha é na horta ou na cozinha

Quando modismos de saúde nos forçam a explicar que a vagina não é carrinho de mercado, nem sauna a vapor ou porta-joias, algo está muito errado nas revistas femininas e no exemplo dado pelas celebridades, que ultimamente parecem obcecadas por suas partes íntimas, mas de maneira mais perigosa do que prazerosa. Ou talvez, mais lucrativa.

Recentemente, uma mulher morreu na Argentina, após introduzir salsinha na vagina, com a intenção de provocar um aborto, acreditando que a erva tem uma propriedade natural que aumenta o fluxo sanguíneo e provoca contrações uterinas.

A “prática” é conhecida e já foi – pasme – PUBLICADA na revista Marie Claire, não como método abortivo, mas como um método natural para “fazer descer a menstruação”, já que a salsinha poderia “amolecer o cérvix e balancear os hormônios, fazendo com que seu ciclo se regularize”. Não há evidência científica nenhuma de que a salsinha funcione, nem para regular o ciclo, nem de forma efetiva como abortivo. O artigo online já foi deletado, e indicava o uso de chás e de supositórios vaginais de salsinha.

Segundo o site IFLScience, ao buscar supositórios vaginais de salsinha no Google, encontra-se um verdadeiro show de horrores sobre métodos abortivos naturais, que sugere inclusive  induzir um aborto “natural e seguro” inserindo salsinha “in natura” na vagina, ou seja, aconselham usar não um suco, uma pasta ou outra forma processada, mas a própria planta, folhas, ramos e tudo! 

No caso argentino, as consequências foram as piores possíveis: a introdução de maços de salsinha na vagina da moça causou uma infecção, que se espalhou. A paciente morreu de choque tóxico, um dia após a retirada do seu útero, uma última tentativa dos médicos de conter a infecção.

Além do triste desfecho dessa história levantar a reflexão sobre a legalização do aborto, de que não vamos tratar aqui porque o debate merece um espaço exclusivo, casos como este chamam a atenção para modinhas e apelos ao “natural”, “holístico” e “mágico”, usando a desinformação sobre a sexualidade da mulher como isca para vender produtos e promover “tratamentos”.

Outro modismo recente inclui introduzir um pepino – sim, é isso mesmo, um pepino descascado – na vagina para “limpar” e “refrescar” a área íntima. Relatos e vídeos tutoriais no YouTube são fáceis de achar, e alegam – sem base nenhuma na realidade – que o pepino pode balancear o pH vaginal e higienizar a região. Para isso, deve-se introduzir o vegetal, devidamente descascado, na vagina e manuseá-lo e girá-lo por 20 minutos. Ninguém indica o que se deve fazer com o pepino em seguida, então por favor, se você é adepta dessa prática, não me convide para o jantar.

Além de vegetais, celebridades como Gwyneth Paltrow, no seu site “Goop”, de, segundo ela, “promoção de bem-estar” – e que vende produtos associados –, aconselham as mulheres a enfiar ovos de jade nas partes íntimas, para treinar a musculatura pélvica e se “reconectar com a sexualidade”. Segundo o site, a energia do ovo de jade também vai tornar a mulher mais segura e atraente. Um depoimento de uma usuária conta que usou o aparato para sair à rua e que os homens a olharam com desejo. Parece bastante curioso que ao mesmo tempo em que o site pretende promover a sexualidade saudável da mulher e o feminismo, consegue apelar para o pensamento sexista de que o único intuito da vida da mulher é atrair o público masculino. A própria ideia de que a vagina necessita de limpeza e purificação ecoa um pensamento machista, de que a vagina é impura.

Outra modalidade indicada pela atriz é transformar a vagina em sauna úmida, com banhos de vapor. Os ovos de jade você pode adquirir pela bagatela de US$70,00 e a sauna sai por US$50,00 a sessão, com vapor de uma espécie de Artemísia, erva que promete regularizar seu ciclo menstrual, acabar com as cólicas, balancear seus hormônios, matar vermes intestinais, e amenizar os sintomas de todo e qualquer desconforto que você possa imaginar, além de obviamente higienizar a vagina e o útero.

Infelizmente, estes hábitos, além de causar, no mínimo, estranheza, e não terem nenhum respaldo científico, são perigosos. Enfiar objetos estranhos – e mais ainda “produtos da terra” – no canal vaginal pode contaminar a área com microrganismos estranhos ao local e trazer consequências graves para a saúde. 

Alguns conceitos precisam ficar muito claros. Primeiro, a vagina não precisa de manutenção, higienização ou tratamento cosmético. Também não é possível nem tampouco necessário “balancear” o pH vaginal. Quem faz esse trabalho são as bactérias que habitam esse ambiente, do tipo de lactobacilos em sua maioria, a mesma bactéria que encontramos em probióticos e iogurtes. Essa bactéria é a responsável por manter o pH vaginal ácido, e manter a microbiota vaginal em equilíbrio. Microbiota é o conjunto de bactérias que moram em um determinado local. Essas bactérias residentes mantêm afastadas espécies patogênicas, que podem causar doenças.

Quando microrganismos estranhos são introduzidos, esse equilíbrio pode ser afetado. Objetos aparentemente inofensivos podem causar pequenas lesões e cortes na mucosa vaginal, e isso serve como porta de entrada para infecções oportunistas. Essas infecções podem resultar em desde uma simples vaginose até uma síndrome de choque tóxico – que causou a morte da moça argentina, ou facilitar o contágio de doenças sexualmente transmissíveis, como HPV e HIV.

Vegetais na vagina apresentam risco duplo: estamos, ao mesmo tempo, inserindo bactérias e fungos estranhos, e também correndo o risco de causar essas pequenas lesões físicas.

Objetos como o ovo de jade também podem, ao ser manipulados dentro da vagina, causar pequenas lesões, e não há nenhum estudo sobre como o material vai interagir com a mucosa e com a microbiota do local. No caso do vapor, há o perigo de pequenas queimaduras que também podem resultar em lesões.

Mesmo a prática de duchas vaginais, aparentemente mais inofensiva, é desaconselhada por especialistas, justamente para não desequilibrar a microbiota protetora que habita normalmente a vagina.

Assim, senhoras, por favor, não coloquem vegetais nem objetos de procedência duvidosa em suas vaginas. Se o intuito é diversão, além dos modelos naturais desenhados evolutivamente para o uso, existem modelos artificiais seguros e laváveis, que não requerem cuidados adicionais como papo, cerveja e futebol. E se o intuito for limpar, higienizar ou equilibrar o pH, não façam nada. Simplesmente nada. Sua vagina faz isso sozinha. Vaginas são incrivelmente autossuficientes, e se deixadas em paz, não dão abertura para oportunistas, sejam eles microrganismos ou espertinhos querendo vender produtos desnecessários.

Natalia Pasternak é pesquisadora do Instituto de Ciências Biomédicas (ICB) da USP, coordenadora nacional do festival de divulgação científica Pint of Science para o Brasil e presidente do Instituto Questão de Ciência

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